Jornalismo em quadrinhos é a técnica utilizada no livro “Minas da Várzea, produzido pelas jornalistas e muralistas Priscila Pacheco (Grajaú), Júlia Reis (Taboão da Serra), Luana Nunes (Barragem), Anderson Meneses, e dos ilustradores Magno Borges (Jaraguá) e do quadrinista Alexandre de Maio.
O livro-reportagem conta as histórias de times de várzea femininos do extremo sul da cidade de São Paulo, que jogam no entorno da aldeia indígena do povo Guarani Mbya e de Vargem Grande. As jogadoras encontram além da dificuldade natural do esporte amador, uma ainda maior, o preconceito e o machismo em campo e fora dele.
O pré-lançamento, na última quarta-feira (5), também contou com a exposição de artistas e escritores de diversas regiões de São Paulo, e de um bate-papo com os autores e uma das personagens na obra.
“Deixo vários compromissos para poder jogar e estar com as meninas. Quem está no banco faz as vezes de babá. Todo mundo se ajuda para o jogo acontecer”, revela Lucivânia Lima,27, jogadora de Vargem Grande.
Com lágrimas nos olhos, ela ainda lembra das situações que dificultam a atuação no esporte. “No começo meu pai não queria que eu jogasse, me chamava de ‘macho-fêmea’. Hoje, deixo vários compromissos para poder jogar. Às vezes aguentamos desaforos de homens bêbados, alguns até encostam nas meninas do time. É muito difícil para gente, não temos recursos”, revela.
A fala de Lima comoveu algumas convidadas que se identificaram com a situação dentro do esporte. A jornalista Priscila Pacheco lembra como surgiu a ideia da pauta. “Vemos os filhos indo para escolinhas de futebol, mas não as meninas. Por que não falamos dos times femininos no dia a dia como se fala dos masculinos?”, questiona.
Para Pacheco a HQ é uma linguagem eficiente para o jornalismo e retrata imagens com a intenção de costurar diálogos e criar cenas provocativas, como por exemplo a discussão sobre saneamento básico nos bairros em que residem. “O futebol é um fio condutor para chamar a atenção para essas questões territoriais”, comenta.
O artista visual, Magno Borges, também elenca a importância do retrato jornalístico em quadrinhos e lembra da dificuldade de encontrar crianças em ambientes periféricos em grandes bancos de imagens, sem que estejam ilustradas de forma marginalizada.
“Não temos referência para uma representação gráfica da periferia. Quando vou procurar para desenhar uma criança periférica nos grandes bancos de imagens isso não existe. Fazer um HQ é nos comprometer a mostrar a favela e a periferia longe do estereótipo que a grande mídia vende”, explica.
FESTIVAL DE ARTE PERIFÉRICA
As 10 salas reuniam artes inspiradas em grafite, poesia, tricô e livros-reportagens.
Para a jornalista e também muralista, Paloma Vasconcelos, 27, da Vila Nova Cachoeirinha, zona norte, foi a primeira oportunidade de expor seu livro ‘Transresistência: histórias de pessoas trans no mercado formal de trabalho’, que foi concebido em seu trabalho de conclusão de curso de jornalismo.
A publicação conta a história de oito pessoas trans em empregos formais, com inspiração dos dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, no qual mostram que no país 90% dos transexuais estão no mercado da prostituição.
“Significa muito pra mim estar aqui hoje, minha mãe faleceu pouco depois da minha banca de TCC na faculdade, ela pegou esse livro na mão, mas nunca me viu de fato atuando como jornalista, é muito simbólico lançar esse livro”, revela Paloma emocionada.
Para o artista Roni Evangelista, 21, de Itapevi, o responsável por uma oficina prática de lambe-lambe no evento, sua arte também tem um forte valor emocional.
“Eu usava como personagem do lambe-lambe uma mulher com cara de brava e com uma cicatriz nos seios. Ele representa a minha mãe que teve um câncer de mama e foi resistente ao tratamento, eu colava essas imagens do nosso bairro [Cotia na época] até a Liberdade, onde ela fazia o tratamento. Isso deu força para ela ir para as sessões de quimioterapia”, lembra Evangelista.
O diretor de arte Oliv Barros, 25, levou à exposição suas colagens digitais, carregadas de simbolismos. Elas trazem imagens de negros em situações e representação de afeto.
“Quero tirar o corpo negro do lugar comum, da favela ou da senzala onde geralmente são retratados. Os quadros são situações cotidianas e mostram carinho, desmistificando que nossa etnia é violenta”, pontua Barros.
Vagner Alencar, 31, editor do site 32xSP, expôs seu livro lançado em 2013, ‘Cidade do Paraíso: Há vida na maior favela de São Paulo’, que conta histórias do cotidiano de Paraisópolis, do período em que viveu e era correspondente do bairro na Agência Mural. “O mais legal do evento é troca de experiências entre os artistas. É uma manutenção do reconhecimento do nosso trabalho”, afirma.
A cobertura fotográfica do evento pode ser conferida aqui.
Giacomo Vicenzo é correspondente de Cidade Tiradentes
giacomovicenzo@agenciamural.org.br