Funcionários, pacientes e integrantes de movimentos sociais reclamam da redução no número de leitos no Hospital Geral de São Mateus, na zona leste de São Paulo, e pedem a contratação de mais profissionais por meio de concurso público.
“Um hospital de ponta, que atende bem a comunidade, tem uma deficiência de funcionários. É totalmente justo então que o movimento faça pressão sobre o governo para ampliar o atendimento”, afirma o coordenador do Movimento de Saúde de São Mateus, Matias Vieira, 72.
Ele estava presente em uma manifestação que reuniu dezenas de pessoas, em frente ao hospital, para cobrar por mudanças no dia 26 de maio.
De acordo com informações do Hospital Geral de São Mateus, em 2016 a unidade contava com 1.410 funcionários. Hoje, segundo informações do Ministério da Saúde, o hospital possui 1.039 profissionais.
Conforme as mesmas bases de dados, o HGSM tem capacidade para 205 leitos, mas conta com 165 leitos ativos.
Vieira argumenta que o desmonte do hospital, visa terceirizar a unidade. “Não tem contratação de concurso público e as carreiras dos funcionários estão desvalorizadas. Tem uma terceirização do serviço proposital, porque você para de atender ou atende mal. O governo vem com a proposta de trazer as OSS (Organização Social de Saúde)”.
O Hospital Geral de São Mateus foi uma conquista do Movimento de Saúde de São Mateus nos anos de 1980. Inaugurada em 1991, a unidade é referência para os moradores dos distritos de São Mateus, São Rafael e Iguatemi.
A redução no número de funcionários, apontada pelos manifestantes, tem consequência no atendimento aos usuários.
Moradora do Jardim Tietê, na zona leste de São Paulo, a dona de casa Márcia Santos, 50, espera há dez anos uma cirurgia para tratar um linfoma na nuca. O acompanhamento era feito no ambulatório do HGSM.
“Aproveitei essa manifestação aqui para poder cobrar, porque tô na fila de espera. Estava com 40 anos quando vim fazer essa cirurgia, comecei o tratamento, e já estou com 50. A idade vai avançando e uma coisa simples acaba se tornando grave”, desabafa.
Márcia afirma que a última consulta dela foi em novembro de 2020. Mãe de seis filhos, a dona de casa tem medo que o linfoma na nuca impeça seus movimentos. Em busca de atendimento, ela se diz contrária à terceirização.
“Quando eles [governantes] ganham o nosso voto é para eles que a gente dá, e não para terceiros. É eles que falam que vão fazer e acontecer. Depois eles pegam e passam a responsabilidade para outras pessoas que não são fiscalizadas”, pondera.
A autônoma Marinalva Gomes da Silva, 58, destaca a falta de funcionários no HGSM. Ela conta que trouxe a mãe, Maria de Lourdes Gomes, 91, para tomar sangue no hospital no dia 30 de abril, como tratamento para o câncer no intestino. Maria de Lourdes aguardou três dias para receber a infusão e por um procedimento mal feito teve o pulmão perfurado.
“Minha mãe agonizou até a morte. Se eles pelo menos falassem o que estava acontecendo, a gente ia pedir para dar algo para que ela não sofresse tanto. Minha mãe sofreu muito aqui nesse hospital. Quanta negligência médica”, relembra.
Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo argumenta que a paciente foi atendida e não há informações sobre a perfuração citada por Marinalva. “Não consta no prontuário médico a intercorrência citada pela reportagem, assim como não houve queixas em relação ao atendimento prestado”, finaliza.
A autônoma aponta ser necessário um aperfeiçoamento dos funcionários. “Não tem higiene, fazem de qualquer jeito com pouco caso. Precisa uma melhoria tanto do lado da administração como dos profissionais da saúde. É preciso mudança”.
A cidade de São Paulo tem a média de 6,3 médicos por mil habitantes, segundo a Demografia Médica no Brasil 2023 . Considerando os 365 médicos no HGSM, de acordo com o CnesWeb, mais os 461 médicos sobre o contrato de gestão da prefeitura com a Fundação ABC, o índice chega a 1,94 médicos por mil habitantes na subprefeitura São Mateus.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) não tem um parâmetro específico para delimitar a quantidade ideal para entre a relação do número de médicos por moradores. No Brasil o índice chega a 2,6 médicos por mil habitantes. A média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 3,73. Os dados são do levantamento Demografia Médica no Brasil 2023.
Profissionais do HGSM também afirmam a necessidade de mudança. Uma auxiliar de enfermagem, que pediu para ter o nome preservado, relata sofrer de síndrome de burnout por conta da sobrecarga que a unidade enfrenta com um quadro de funcionários reduzido.
“Quando chega o horário de eu trabalhar me dá tudo. Dor na boca do estômago, minha pressão sobe, arritmia cardíaca, o meu coração começa a bater disparado”, conta.
Para a auxiliar, a saída é a soma dos profissionais da unidade junto à população. “Às vezes o paciente não consegue entender que a gente tá em número reduzido. É difícil para o usuário. Eu sei porque também sou usuária do sistema, eu também utilizo o hospital”.
A sobrecarga chega ao setor administrativo da unidade. Segundo o oficial administrativo Gilberto dos Santos, 56, a manifestação contra o desmonte do HGSM serve para despertar a importância da participação da população em defesa da unidade.
“Precisamos [os funcionários] mostrar que não somos inimigos da população. Nós estamos aqui para ajudar, a prova disso foi durante a pandemia. Ninguém, independente da profissão, arredou o pé daqui”
Gilberto dos Santos, oficial administrativo do HGSM
Gilberto destaca que o sucateamento acontece há anos. “O que tá acontecendo aqui não foi da noite para o dia. A desvalorização tá acontecendo porque perceberam que o serviço público é muito rentável para as empresas terceirizadas”.
Questionada, a Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo afirma que irá fazer a contratação de profissionais por meio de OSS (Organização Social de Saúde).
“A partir de 1º de agosto, com a chegada de 169 novos profissionais à unidade, serão abertos 37 novos leitos, chegando a 75% da capacidade do hospital e 66% de ocupação do quadro de profissionais”, informa em nota.
Sobre denúncias de fechamento do ambulatório, a Secretaria indica que a unidade está aberta aos pacientes. “O Ambulatório de Especialidades segue funcionando normalmente na unidade, com cerca de 1,5 mil atendimentos por mês”.