O sonho de trabalhar por conta própria e de levar cultura à população periférica fez a artista Mônica Nador, 69, sair de São José dos Campos, no interior paulista, para o distrito da Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo. Há 21 anos, Mônica fundou o Jamac (Jardim Miriam Arte Clube), um espaço cultural que oferece oficinas, cursos, rodas de conversa e grupos terapêuticos para moradores da região.
Após mais de duas décadas beneficiando pessoas que sofrem com a falta de equipamentos culturais no distrito, a artista foi pega de surpresa com uma notícia que pode colocar em risco a continuação das atividades do Jamac. O dinheiro de uma emenda que serviria para custear o projeto em 2025 foi negado pela Prefeitura de São Paulo.
“Nós só temos dinheiro até o final de fevereiro. Depois disso não sabemos o que vai acontecer. Não temos plano B. As pessoas sugeriram que fizéssemos um financiamento coletivo, mas seria a primeira vez. Não sabemos se vai dar certo”, conta a fundadora do Jamac.
O equipamento cultural independente fica localizado na rua Maria Balades Corrêa, número 8, no bairro Jardim Miriam. E é lá dentro que mora atualmente o seu maior sonho: “o que eu mais quero é comprar esse espaço, que é alugado, e fazer ele ficar no bairro para sempre”, diz Mônica. “Quero continuar criando pontes para as pessoas viverem juntas”, complementa.
O Jamac já recebeu diversas premiações por sua atuação nas comunidades. A mais recente delas foi o Prêmio Periferia Viva, em 2024, promovido pelo Ministério das Cidades. O prêmio valoriza ações que promovem o enfrentamento das desigualdades e a transformação dos territórios periféricos.
Corte de verba
Para o projeto continuar funcionando, é necessário ter dinheiro para pagar educadores, funcionários, materiais utilizados nas aulas e o aluguel do espaço. Uma das formas de adquirir verba é por meio de parcerias, premiações, emendas ou editais.
EMENDAS
As emendas são uma forma de destinar parte do orçamento do poder executivo e é proposto pelos legisladores. No caso, um vereador pode propor uma emenda para que a prefeitura destine dinheiro para um projeto específico. Foi o que havia ocorrido com o Jamac, mas a gestão municipal cancelou o envio do recurso.
O cinema, por exemplo, teve apoio do Centro Cultural da Espanha, que patrocinou o projeto por cerca de três anos. Em 2024, a oficina conseguiu ser realizada pelo recurso do edital do estado da Lei Paulo Gustavo, criado para minimizar os efeitos da pandemia de Covid-19 no setor cultural.
Em 2023, o apoio veio através de uma emenda com a prefeitura de São Paulo. Porém, no ano passado, o recurso foi negado pela Secretaria de Cultura, que alegou em nota que o “projeto teria que ser cancelado porque o valor da emenda não estava disponível para execução”.
“Fomos comunicados que a verba tinha sido aprovada em maio e apenas precisava da assinatura do prefeito, o que nunca ocorreu. A prefeitura foi adiando os meses do repasse, até que chegou em dezembro e fomos surpreendidos com essa negativa”, disse Thaís Scabio, cineasta, educadora e diretora do Jamac.
A Agência Mural entrou em contato com a Secretaria da Cultura para falar sobre o caso, mas até o fechamento desta reportagem não obteve resposta.
Na hora do aperto, Thaís conta que vende alguns produtos que são produzidos no Jamac, como os panos de prato e os quadros. Desde dezembro, algumas dessas artes ficam à venda na banca da Galeria Vermelho, na Avenida Paulista.
“A gente já tentou patrocínios para o projeto, mas qual empresa vai patrocinar um projeto de periferia? Ela quer retorno de imagem e nas comunidades é muito difícil esse retorno. O retorno que damos é para a própria periferia”, explica a educadora.
A cineasta é uma das pessoas mais antigas da casa. Entrou em 2006 após conhecer o Jamac em uma bienal. “O Jamac representa vida para o nosso lugar e nosso território. Mesmo com um futuro incerto, ainda estou confiante de que essa história tenha um final feliz”, diz a diretora.
Educadores
O projeto é desenvolvido com a ajuda de educadores, artistas e agentes culturais da região. Ao lado de Mônica, algumas pessoas ajudaram a construir a história do local durante os anos. Uma delas é Isabel Gomes, 53, que realiza trabalhos de serviço geral e de educadora.
A chegada de Isabel ao Jamac foi por acaso. Nascida em Itacarambi, em Minas Gerais, precisou vir a São Paulo cuidar do irmão que estava internado por problemas no coração no Hospital das Clínicas. Ela trabalhava com arborização, vistoriando árvores em áreas públicas e privadas.
Isabel ensinando a fazer estêncil no pano de prato @Wellington Nascimento/Agência Mural
Uma dessas vistorias aconteceu na rua do espaço cultural. Mônica cedeu o local para que ela pudesse tomar água e durante a conversa Isabel se ofereceu para varrer as folhas de árvores que ficavam caídas no ambiente. “Isso virou um emprego de carteira assinada. Desde então, nunca mais saí daqui”, conta a educadora, que tem 16 anos de casa.
Mesmo realizando serviços gerais como limpar, cozinhar e cuidar do espaço, as oficinas oferecidas pelo Jamac chamaram a atenção da funcionária. Ela participou das aulas de cinema e de estêncil, uma técnica de pintura que consiste em aplicar desenhos em superfícies com moldes vazados.
A pintura caiu no gosto de Isabel. Há 10 anos, ela dá aulas de estêncil no pano de prato no local. “Meu prazer se tornou ensinar uma pessoa que não sabe ainda”, diz a mineira. A oficina também é levada para fora do Jamac, em exposições realizadas no Parque Ibirapuera e no Serviço Social do Comércio (Sesc), por exemplo.
Outro educador do equipamento, Lucas Souza, 29, frequentava o Jamac desde os 14 anos pelas aulas de cinema. Onze anos depois, voltou como produtor do projeto de cinema digital. Hoje, também atua na parte gráfica, faz e recebe visitas técnicas de alunos e realiza conversas com a comunidade.
“Eu sou apaixonado pelo Jamac. Acredito muito nessa forma de trabalhar, onde todos podem aprender juntos”, diz Lucas. No total, o equipamento conta com onze educadores distribuídos em sete oficinas.
Pinturas de estêncil no pano de prato @Wellington Nascimento/Agência Mural
Oficinas
A maioria das pinturas nas paredes do espaço cultural são feitas pelos próprios alunos da oficina de estêncil. Uma das artes que virou marca registrada do local foi a de Juliana Reis, 32. O desenho criado por ela virou parte da pintura externa do Jamac. “Eu não sabia de nada quando entrei, desenvolvi tudo aqui”, diz a aluna.
‘O Jamac é muito importante para o território já que aqui é um lugar muito escasso de cultura e arte’
Juliana, aluna
Juliana na frente da sua arte pintada na área externa do Jamac @Wellington Nascimento/Agência Mural
Além do estêncil, o Jamac oferece oficinas de serigrafia, grafite, pano de prato, literatura, cinema audiovisual, games e animação. Também são feitos grupos de terapia com psicanalistas e realizados saraus cinematográficos, uma vez ao ano, para a exibição de filmes lançados nas periferias. Este ano, o sarau vai acontecer em 8 de fevereiro.
Algumas dessas oficinas são feitas em parcerias com ONGs (Organizações não Governamentais), postos de saúde e também escolas. A marca do Jamac fica estampada em livros didáticos escolares como referência no trabalho de educação, o que faz muitos professores levarem os alunos para conhecer o centro cultural.