Com vista privilegiada para a Rodovia Ayrton Senna — que fica ainda melhor no pôr do sol — quem passa pela Rua Pedra, no Jardim Viana, em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, pode visitar o bar The Gund’s. O espaço, fundado pelos irmãos Felipe Moreira, 30, e Paulo Moreira, 28, é também sede da produtora Tangerina Hits, que fomenta música e cultura para artistas da região.
“O artista está precisando de um lugar não só para tocar, mas para criar raízes”, diz Paulo, mais conhecido como Henri.
A produtora oferece serviços gratuitos, como gravação de músicas, produção de videoclipes e gestão de carreira. Além disso, realiza eventos, dando a oportunidade para artistas tocarem o que quiserem.
O empreendimento traz um quê underground para o bairro – chamado também de Morrão. A ideia de criar uma produtora surgiu em um momento de diversão, em 2018, entre Paulo e os amigos André Augusto, 30, Rodrigo Guerra, 28, e Henrique Campos, o China, 30.
Eles estavam tocando juntos, ensaiando sons que misturavam R&B, indie e hip-hop, quando a motivação apareceu. Na época, todos eles já tinham experiências nas áreas de produção musical e de eventos. Com a abertura do The Gund’s pelos irmãos em 2020, a produtora se mesclou ao bar.
Depois de um tempo, Rodrigo deixou a diretoria da Tangerina Hits. O designer Leonardo Alves, 28, agora faz parte do grupo, juntamente com os demais. O audiovisual fica por conta da musicista, fotógrafa e filmmaker Letícia Blue, 26.
“Você não vê lugar nenhum, pelo menos aqui em Itaquá, que tenha um espaço aberto para chegar e poder fazer seu som”, conta André.
“A ideia começou assim: se você sabe tocar, o palco é livre, pode vir fazer seu som. E nisso foi chegando bastante artista da cidade. A gente se surpreendeu”
André Augusto
Atualmente, a produtora conta com 22 músicos. Desses, a maior parte é de Itaquaquecetuba ou cidades vizinhas como Suzano, Mogi das Cruzes e Guarulhos. Eles tocam diferentes gêneros, entre eles, rap, techno, rock, reggae e MPB.
Qualidade e baixo custo
Com improvisos ainda maiores do que um home studio tradicional, modalidade de estúdio caseiro que ganhou as quebradas, a Tangerina Hits trabalha com criatividade para entregar produção de qualidade a um baixíssimo custo.
“Para um artista gravar um som, gravar um clipe, é muito caro. Hoje em dia tem outros meios, mas mesmo assim é muito caro. A gente grava a galera sem cobrar nada”, afirma André.
A rede de profissionais com experiência em música, eventos, design e audiovisual que compõe a Tangerina Hits é responsável por tudo acontecer.
Os equipamentos muitas vezes são emprestados ou improvisados, como é o caso do microfone condensador usado na captação de áudio. Enquanto o equipamento chega a custar R$ 300, o utilizado na produtora foi montado por eles, usando microfones de eletretos que custaram R$ 5, componentes comprados por alguns centavos e uma bateria.
Henri revela que uma de suas vontades e planos futuros é criar um curso que ensine o processo de barateamento para mais pessoas.
O microfone, apelidado de TT01, já foi responsável pela gravação de muitas músicas da casa e seria o primeiro ensinamento do curso de produção de baixíssimo custo de um Henri professor.
Em alguns casos, na busca por uma qualidade ainda maior, recorrem à parceria com estúdio profissional e os artistas são levados até lá para a captação.
“A gente gosta de ver o bagulho acontecendo. Se precisar tirar dinheiro do bolso, a gente tira”
Henri Moreira
Música e solidariedade
Apesar da pandemia de Covid-19 ter trazido desafios financeiros, os shows realizados pela Tangerina acontecem com entrada gratuita desde a retomada dos eventos, como forma de atrair o público novamente. Antes disso, era possível entrar com R$ 5 ou um quilo de alimento, que se transformava em cestas básicas.
O trabalho social desenvolvido fez o local ser reconhecido como ponto de colaboração. “Às vezes a galera que não vai vir no rolê passa e deixa o alimento na portaria”, conta Henri.
A arrecadação e entrega de doações destinadas a moradores do bairro em situação de vulnerabilidade são fortalecidas com a união de líderes comunitários, de igrejas e outros pequenos empreendedores da região.
Em uma ocasião, a Tangerina promoveu uma grande ação de arrecadação para auxiliar uma família que teve a casa atingida por um incêndio. Em outras, a rede de colaboração atuou na limpeza, grafite de muros e emplacamento das ruas do bairro.
Para o público
Além do palco aberto, “Garagem Tangerina”, “Festa Emo” e “Respeita as Minas” são alguns entre os oito eventos promovidos pela Tangerina.
Os diretores contam que durante uma apresentação da banda Jazz São Paulo até o motorista de um ônibus municipal parou o veículo para ouvir.
“Esse daí foi um show que meu irmão viu num bar elitizado. Para contratar os caras a gente nem lucrou no dia. A gente fez para acontecer a parada, para trazer uma experiência dessa para a comunidade”, relembra Henri.
A sede da Tangerina conta com um cardápio com lanches, pizza e variedade de bebidas. Um destaque são as seis opções elaboradas de gin a R$ 15, contrariando o padrão de mais de R$ 30 reais em drinques em bares e casas de show da capital.
E se engana quem acha que o valor abaixo do mercado, assim como é o caso do microfone improvisado, também significa baixa qualidade. “Não é porque o bar está na quebrada que você vai servir a pessoa com qualquer coisa”, defende André.
O local ainda é um espaço para venda de quadros de pintores da região e conta com uma biblioteca para o público.Entre as obras presentes, está o livro “Para todas as pessoas emocionalmente destruídas como eu”, de Gabriel Franzoni, músico, compositor e escritor que integrava a produtora.
A obra do autor, falecido em fevereiro e homenageado pela produtora em um evento especial, é um exemplo de que a arte importa e tem o poder de melhorar e se exceder à vida.
A agenda de eventos com a programação completa e os lançamentos da produtora podem ser conferidos no Instagram.
Endereço: Rua Pedra, 20 – Jardim Viana – Itaquaquecetuba
Horário de funcionamento: Quarta a domingo, a partir das 18h
Palco livre: Quartas e quintas-feiras