Produtora independente fortalece cena audiovisual de Poá

Em Nova Poá, bairro periférico da cidade de Poá, na Grande São Paulo, uma senhora de 72 anos se acomoda no quarto de casa e revê fotos antigas da juventude, registradas em pontos históricos da região. A cena é repetida algumas vezes, até alcançar o melhor resultado esperado pela equipe que a acompanha.

A descrição é parte do curta-metragem “Retratos do Tempo”, com direção, edição e operação de câmera por Jefson Castanheira da Silva, 27, o ‘Jeff’, com assistência de direção de Thaís Fernandes, 30, roteiro e captação de som de Letícia Dias, 30, e produção executiva de Fernandes Júnior, 52, o Cidão. Os quatro formam a NP4 Produções – a sigla vem, justamente, do bairro onde residem, Nova Poá.

“Cada um traz uma bagagem artística diferente, então a gente soma tudo e criamos, juntos, os projetos”, comenta Jeff.

Em cerca de um ano, a NP4 Produções realizou cinco trabalhos audiovisuais, todos no campo do curta-metragem e aprovados por leis de incentivo à cultura. A Agência Mural esteve presente no último dia de gravação de “Retratos do Tempo”, contemplado pelo PNAB (Programa Nacional Aldir Blanc) de Poá de 2025.

As primeiras ideias da produção foram para o papel em 2024 e membros da equipe acabaram inscrevendo três curtas-metragens no PNAB: o documentário Passos da Dora, que traça o perfil de uma atriz idosa marcante na cena teatral da cidade, já exibido; e as ficções ‘Outra Dimensão’, sobre uma viagem no tempo, e Destinos Paralelos, que discute a vida após a morte. Os dois últimos estão em execução e previstos para lançamento ainda este ano.

Em 2025, a produtora também idealizou e realizou o Sarau Poárte, por meio do PNAB de Poá. Em coprodução com atores de Ferraz de Vasconcelos, a NP4 participou do curta “A Última Canção dos Pássaros”, e a produção da peça teatral do grupo Pyrá Cena, A Santíssima Trindade e Algumas Maldições, também de Ferraz, com estreia marcada para novembro de 2025.

Ao todo, os projetos da NP4 já levaram mais de 100 pessoas para as exibições, geralmente realizadas em espaços culturais públicos, como palcos de teatro.

A obra mais recente, Retratos do Tempo, gira em torno das memórias da personagem principal, de mesmo nome de sua intérprete Maria Luzia Costa da Silva, 72, a ‘Malu’, que rememora imagens da sua infância e juventude.

Os registros foram fotografados em pontos turísticos da cidade de Poá, entre eles, o Mirante, a Praça da Bíblia, a Praça do Relógio, a Fonte Áurea, o ginásio de uma escola e a Casa da Estação.

‘É uma forma de deixar marcado na história e mostrar que teve esse curta metragem que fala sobre essa passagem de tempo aqui de Poá’

Jeff, diretor do curta-metragem

A ideia inicial era fazer um documentário sobre as igrejas de Poá, mas o projeto evoluiu para a história de uma senhora revisitando fotos tiradas no passado.

“Tem alguns pontos turísticos daqui que eu nem conhecia, e com o filme estou tendo a oportunidade de conhecer e agora está tudo registrado lá”, comenta Malu, que também é costureira e começou a atuar no teatro.

Ao seu lado, no quarto, Marinês da Costa contracenava como a sua cuidadora. Fora das câmeras, ela é professora de artes e artista plástica. Assim como Luzia, ela também iniciou no teatro, mas nunca tinha estado na frente das câmeras.

Ao longo do dia, o Bosque da Nova Poá também se tornou set de gravação, com a presença de duas crianças, que atuavam como os netos da personagem. A mãe, Jheniffer Vitoria, 30, acompanhou a gravação. “Eu já tinha imaginado levá-las ao teatro um dia, mas vê-las participando de uma gravação tão novos foi uma surpresa encantadora”, comenta ela, que trabalha como Analista de RH e também já chegou a fazer aulas de teatro, mas nunca apresentou de fato.

Da cena de teatro para a cena de cinema

Os quatro amigos se reuniram no grupo de teatro Opereta, em Poá, no qual realizaram a peça “Passos da Paixão”, em 2017, feita também em parceria com a Companhia Roda Mundo, espetáculo tradicional na região. Letícia e Thaís são amigas de infância, há 18 anos. Já Jeff e Cidão conheceram e se apaixonaram por Letícia e Thaís nas aulas de teatro.

Se o palco une o grupo, é em Jeff que o catalisador do audiovisual pulsa mais forte. Desde 2014, quando ganhou uma câmera da mãe, ele publica vídeos no Youtube. No início, não passava de uma brincadeira com amigos do ensino médio, inspirado no grupo de comédia Jackass, mas, em 2016, as ideias ficaram mais sólidas e sérias. Ele mesmo fazia a edição e o roteiro.

Um desses projetos foi uma pequena esquete de 5 minutos, “O Futuro Chegou”, lançado em 2017. O vídeo era parte de um episódio de uma websérie, onde ele interagia com versões de si mesmo de diferentes épocas. “Era meio zuera, eu falando comigo mesmo”.

Alguns anos depois, durante a pandemia, em 2020, ele e sua companheira, Letícia, faziam vídeos de tutoriais caseiros, intitulados “Casal Faz Tudo”. É nessa época que Poá recebe recursos de uma Lei Emergencial do governo federal para executar a Lei Aldir Blanc e os dois gravam a continuação da esquete futurista.

A ideia é continuar a websérie “O Futuro Chegou”. Por enquanto, apenas o episódio “Destinos Paralelos” está em produção.

“Essa história nasceu de uma brincadeira, com o edital, surge uma oportunidade de melhorar o roteiro e quando a gente se percebe enquanto uma produtora, a gente profissionaliza mais aquele roteiro”, destaca Thaís. “A gente tá quebrando a cabeça e aprendendo, mas já conseguimos sentir o resultado de sentar, estudar e tentar esse caminho do audiovisual”.

Poá no mapa audiovisual

No dia da gravação, a Agência Mural foi recebida por Cidão, que é produtor executivo do curta. Ele cuida da escrita do projeto, agendamento de lugares para gravação, contratação de atores, refeições e organização do dia a dia do set. A cena foi gravada na casa dele, no quarto, com toda uma nova cenografia condizente com o roteiro.

“Quando escrevemos o projeto, foi numa perspectiva de mostrar os pontos turísticos de Poá. Então a ideia é o pessoal se identificar também”, comenta Cidão à respeito do propósito.

Até o momento, não há registro de outra produtora de impacto que tenha executado tantos projetos audiovisuais em tão pouco tempo na cidade. Porém, apesar de reconhecerem esse isolamento, enxergam também o potencial do audiovisual na cidade para mais pessoas.

“A gente quer mostrar que é importante fazer audiovisual na cidade de Poá, que tem gente capaz e competente para fazer. Através dos filmes estamos mostrando a cidade de Poá e seus personagens”, destaca o produtor. “Imagina só parar uma rua durante algumas horas só para gravar uma cena? Isso pode ser possível”.

Conheça outros filmes em Poá

Os membros da NP4 não são os únicos a fazer audiovisual em Poá. Rinas Francisco gravou o longa-metragem de comédia “O Sonho Acabou”, que também traz imagens de pontos turísticos de Poá ao longo da história. João Paulo Dutra dirige “Um Passo”, produção que busca contribuir para a prevenção ao suicídio. Os dois estão em fase final de circulação pela região.

Há também um documentário que conta a história da cidade de Poá, dirigido por Silvio de Carvalho Filho, disponível no Youtube. Os três foram contemplados na Lei Paulo Gustavo, cujo maior recurso foi direcionado ao setor audiovisual.