Há quase um ano, os cômodos do Espaço Pinheirinho Compartilhado, em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, estão vazios por causa da pandemia da Covid-19.
Desde 2015, o local recebia dezenas de crianças e adolescentes para aulas de cursinho pré-vestibular, balé, capoeira, pintura e outras atividades culturais nos bairros Pinheirinho, Louzada e Jardim Nicea.
O espaço foi criado por Joelita Marques, a dona Jô. Ela morreu em 2016 e o local é mantido por familiares, amigos e apoiadores. “O começo da pandemia para a gente foi um grande balde de água fria”, conta a executiva de vendas Alane Fernandes, 33, uma das coordenadoras do espaço.
O fechamento ocorreu às vésperas do lançamento de um espetáculo que estava sendo produzido havia meses, mobilizado por alunos, pais e colaboradores.
Além da suspensão do espetáculo e das aulas presenciais, não houve a tradicional festa junina (realizada para arrecadar fundos para a instituição). Para não perder o vínculo com as crianças, por conta do distanciamento social, os coordenadores decidiram enviar caixas temáticas aos alunos.
“A gente viu que deu muito certo a interação e a alegria das crianças em receber a caixa, essa troca foi muito boa. A gente decidiu manter essa ideia de levar o espaço até as crianças”, relembra Alane.
Nas caixas, entregues mensalmente, havia jogos educativos, produzidos artesanalmente, e livros da biblioteca com o tema “mulheres negras e latinoamericanas”. Depois, foi a vez do “agosto indígena” estar presente nos itens.
Além de manter as atividades do espaço e o vínculo com os alunos, outro objetivo era ajudar no desenvolvimento educacional, já que nem todas as crianças têm internet de qualidade para acompanhar o ano letivo.
“A periferia está sem escola ou com uma escola muito precarizada. A caixa foi pensada como uma prática cultural e um instrumento pedagógico.”, diz Wellington Fernandes, 34, que coordena o espaço e é professor da rede pública.
Para realizar o projeto Cultura na Caixa, os coordenadores do Espaço Pinheirinho criaram uma vaquinha virtual que conseguiu arrecadar mais de R$ 10 mil.
VEJA TAMBÉM
Artistas de São Miguel Paulista criam “bunker cultural” para realizar atividades durante a pandemia
O dinheiro também foi usado para realizar algumas reformas no local e ampliar o acervo da biblioteca. Para ajudar a pagar o aluguel, o espaço mantém uma horta, na qual os alfaces cultivados são vendidos para um restaurante do bairro e segue com arrecadação online.
Quem também decidiu se mobilizar para ajudar a população em situação de vulnerabilidade em Itaquaquecetuba durante a pandemia foi Jefferson André Silva, 25.
Há quatro meses, o estudante junto com amigos criou o Acolhe Itaquá, que atende cerca de 100 pessoas em situação de rua da cidade, que recebem kits com lanches e produtos de higiene. Atualmente, o projeto conta com quase 200 voluntários de Itaquaquecetuba e municípios vizinhos.
Silva trabalha com voluntariado desde 2018, em projetos que suspenderam os eventos na pandemia. “Muitos projetos não conseguiram continuar com o trabalho, por outro lado, surgiram muitos outros. Mas de início foi muito impactante. O pessoal estava assustado, não queriam, não conseguiam e não podiam sair de casa”, conta ele.
Para o estudante, a ausência de políticas públicas, que ficou ainda mais evidente na pandemia, mostra a importância de redes de solidariedade. “Com a ausência da alimentação, saúde e educação, a gente tenta suprir o máximo que a gente pode”, diz.
Os planos do Acolhe Itaquá são ampliar o número de rotas de atuação e o número de ações (de mensal para quinzenal) e aumentar o número de voluntários. O trabalho do projeto pode ser acompanhado pelo @Acolhe_Itaquá no Instagram.
Em Suzano, a Biblioteca Comunitária Espaço do Saber também foi afetada pela pandemia. O local funciona desde 2013 na casa de Natanael Souza, 56, estudante de história e morador do bairro Rio Abaixo. Agora encaixotados, os empréstimos dos livros têm sido feitos via pedido por WhatsApp e entregues no portão.
“Não consigo dizer não quando uma criança pede um livro. Mas a demanda de frequentadores caiu”, lamenta Natanael.
Além da baixa procura, as festas de Páscoa, Dia das Crianças e Natal, que reuniam cerca de mil pessoas por evento e havia distribuição de brinquedos e ovos de Páscoa, ficaram no passado.
Mas o trabalho social não diminuiu. Paralelamente à biblioteca, Natanael também é referência na comunidade pelo Projeto Formando Leitores, que arrecada e distribui doações de cestas básicas e roupas.
“Vimos que era necessário atacarmos outras frentes porque não adianta colocar um livro na mão de uma criança se ela estiver com fome”, explica.
Com o início da pandemia, as doações foram responsáveis por ajudar moradores da comunidade que tiveram a renda comprometida nesse período. “Abrimos uma campanha no início da pandemia e felizmente tivemos doações generosas de cestas básicas e conseguimos assistir bastante famílias”, conta o estudante.
A biblioteca foi incluída na Lei Aldir Blanc e o recurso financeiro de R$ 9.000 será usado para ampliação do espaço. Sonham com uma reinauguração do local e retomar as festas assim que a vacina estiver disponível para todos.