A região do bairro Parque Independência, no Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, já não tem mais o som do forró em açougues que usavam a música para atrair a clientela. Pelas ruas pessoas conversam, há pedreiros batendo uma laje e o número de motos é alto.
Nas calçadas, a maioria dos comércios fechou. Além de açougues, padarias e supermercados, restam ainda também alguns poucos bares que se arriscam a seguir abertos.
O clima semelhante a um longo dia de domingo é o símbolo de parte das periferias de São Paulo, após o início de medidas de isolamento por causa do novo coronavírus. Mas não é único. Desde o anúncio das medidas, houve redução na circulação, mas ainda há relatos de espaços com aglomerações.
Esse é o balanço dos primeiros 15 dias da quarentena. Na terça-feira (7), o governador João Doria (PSDB) aumentou o período de isolamento para até o dia 22 para tentar evitar o avanço rápido da Covid-19. O boletim oficial da Secretaria Estadual de Saúde aponta 4.503 na capital paulista, com 297 óbitos.
A medida impõe o fechamento de estabelecimentos comerciais, com liberação apenas para os serviços essenciais, como alimentação, saúde, segurança pública e bancos.
FUNK E NARGUILE
No próprio Capão Redondo, moradores relataram que em alguns bairros a situação ficou normal.
“Vi açougue cheio, fila de carro, trânsito, gente nas ruas. Parecia final de ano. Passei na frente do açougue, tinha uma fila gigantesca, com o pessoal em um amontoado, sem respeito ao espaço”, afirma o auxiliar de escritório João Jaildo Pereira, 46.
Ele saiu para levar os gatos ao veterinário semana passada. Diz ainda que teve baile funk perto de casa e um pagode com grande grupo de pessoas na rua.
“As pessoas esquecem que nós estamos correndo risco e colocando outras pessoas em perigo”, comenta. “Sei do risco que é, e a gente tem que seguir cumprindo com essa quarentena porque é para o nosso bem e nossa saúde”.
Outros bairros indicam fechamento de eventos noturnos. Em Paraisópolis, o Baile da DZ7 não tem ocorrido nos fins de semana, assim como outras casas de shows da região como o forró da Juliana.
No caso de Perus, na região noroeste da capital, com exceção de alguns comércios fechados, a rotina mudou pouco. Pelas ruas, crianças empinando pipa e ouvindo funk foram cenas comuns. Aglomerações para festas e narguilés de mão em mão também marcaram o começo desses dias de isolamento.
“Pelo que tenho percebido, o trânsito de pessoas aqui está igual ou maior do que antes do distanciamento social”, pontua a instrutora de yoga e pole dance Lívia Nicolás, 27.
Ela mora com a família na Avenida Sylvio de Campos, uma das principais vias do bairro. “Aqui no quintal temos três casas e seis pessoas. Meus pais que já estão na casa dos 60 anos, minha vó de 80, minha irmã, 22, e meu filho, 5”, explica.
Para dar conta da rotina e preservar os mais velhos, que fazem parte do grupo de risco, a instrutora de yoga tem utilizado aplicativos que permitem chamadas de vídeos para ministrar as aulas.
A professora diz que, nos últimos dias, viu pessoas aproveitando a avenida para passear e famílias indo juntas às farmácias. “São crianças, idosos e pessoas de todas as idades, dificilmente com máscaras ou luvas, se aglomerando diariamente em filas dos bancos e lotando os supermercados”, comenta.
“No começo, eu via poucas pessoas na rua. Agora, vejo mais, muita gente sai no portão e fica na calçada conversando com os vizinhos. As crianças também brincam nas ruas menos movimentadas”, conta o motorista de aplicativo Márcio de Carvalho, 45, morador da Vila Medeiros, também na zona norte.
Carvalho segue no trabalho nos últimos dias e diz que ao menos a maioria dos estabelecimentos fechou. Por outro lado, conta que no bairro vizinho, o Jardim Brasil, o cenário era diferente. Lojas de roupas e embalagens seguiam abertas com concentração de pessoas.
“Passei por lá, e parecia véspera de Natal, com muita gente na rua, idosos, famílias com crianças. Reparei que as filas dos bancos estão maiores também”, emenda.
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ZONA LESTE DE OLHO
Nos últimos dias, um novo tipo de protesto surgiu. A crítica nas redes sociais daqueles que estão em casa, cumprindo o isolamento, contra quem ignora as medidas no bairro.
“Queria entender a dificuldade dos que não entenderem que não é férias, e sim quarentena por motivo de um vírus fatal”, dizia uma mensagem, postada no último fim de semana em Itaquera, na zona leste.
“Aqui onde moro, no meu prédio está cheio de crianças brincando, como se fosse férias. Coloquem a mão na consciência e protejam seus filhos”, reclamou.
As críticas atingem também àqueles que publicam fotos ao lado de amigos em ambientes abertos. “Vai pra casa!”, “Quarentena não é tempo pra ver pessoas, nem visitar, vocês sabem disso”, “Pensa no próximo, custa?”.
GRANDE SÃO PAULO
Na Grande São Paulo, as cidades também adotaram medidas de isolamento e tem seguido as regras do governo do estado. Alguns costumes novos, porém, surgiram. É possível ver bares que abrem apenas uma janela para vender bebida aos moradores. Mas a maioria dos estabelecimentos fechou.
Na cidade de Mogi das Cruzes, por exemplo, o movimento de carros e pessoas diminuiu significativamente. Porém, de noite é possível ver pessoas caminhando com animais de estimação, andando de bicicleta e de skate. No município foram 553 casos e cinco mortes até esta terça-feira (7).
A escrevente judiciária Jéssica Mello Constantino, 28, relata que na Vila Caputera, as pessoas ficaram em casa, mas na avenida principal tem um supermercado que não impediu a aglomeração de clientes. “Fiquei chocada com o tanto de gente. Fila nos caixas, mas sobretudo, fila nos caixas eletrônicos. Estão um do lado do outro, bem pertinho mesmo”.
Na cidade de Poá, a jornalista Chalaine Kerchner Santana, 28, comenta que no bairro Vila Áurea, onde há uma pista de caminhada e ciclismo, grupos foram formados para correr, caminhar e passear com cachorros. “Mesmo que seja para a prática de atividades físicas, eles não estão respeitando. Há aglomeração. Ainda falta muita conscientização das pessoas, não estão levando tão a sério”, ressalta.
Nos últimos dias, o Ministério da Saúde tem afirmado que a prática esportiva ao ar livre é possível, desde que se evitar a aglomeração.
A estratégia de isolamento social é fundamental para conter o crescimento do número de pessoas afetadas no país. Outro objetivo é diminuir a curva de infectados, e evitar o sucateamento do SUS (Sistema Público de Saúde), já que as unidades de saúde não conseguem lidar com um grande número de doentes no mesmo período.