Desde que se tornou motorista de ônibus, há quatro anos, Luiz Roberto Salvador, 64, sai de casa para trabalhar antes do dia amanhecer, às 3h da manhã. A primeira viagem do dia começa às 4h35.
Morador de Artur Alvim, zona leste de São Paulo, Luiz é um dos mais de 30 mil motoristas de ônibus da capital. Ele atua na mesma região em que mora, transportando passageiros entre o metrô Patriarca (Linha 3-Vermelha) e o bairro Vila União. Itinerário no qual ele gasta cerca de 30 minutos para percorrer.
“Faço em média nove viagens por dia até o meio-dia, quando encerro a jornada”, compartilha Luiz.
Todos os dias, 10 milhões de passageiros andam em algum dos 14 mil ônibus da cidade. No trem e no metrô, só em outubro, foram 120 milhões de passageiros. Outros serviços, como os carros por aplicativo, contabilizam 25 milhões de viagens (dados de julho).
Por trás desses números, trabalhadores como Luiz, vindos das periferias, são quem garantem a mobilidade na cidade de São Paulo.
Na penúltima reportagem da série sobre mobilidade nas periferias, a Agência Mural ouviu as histórias de profissionais que atuam nesses transportes, que contribuem para o ir de vir de tantas pessoas, para entender o que eles pensam sobre a mobilidade na cidade.
Uma vida no volante
Luiz se tornou motorista de ônibus após se aposentar como caminhoneiro, profissão na qual atuou por 30 anos. Voltou a trabalhar para conseguir um complemento na renda, já que a aposentadoria não era o suficiente para pagar as contas.
A nova função, contudo, foi bem recebida. Como motorista, gosta de interagir com os passageiros.
“Adoro o que faço. O pessoal gosta muito de mim porque dou atenção para todos. Não tenho problema com nenhum passageiro nem com colegas da empresa. Procuro dialogar com todos”, diz.
Para ele, trata-se de um serviço que exige paciência e atenção, sobretudo, com os passageiros, independente da idade.
“Comigo não tem problema, o que me perguntam sobre trajeto e endereço respondo com maior tranquilidade e educação”, assegura Luiz.
Sair de casa na madrugada para trabalhar é um dos desafios que Luiz realça, por ser um horário que aumenta o risco de assalto. Contudo, além de estar satisfeito com o que faz, ele frisa a importância da função para a mobilidade da cidade. “Carrego os passageiros para várias regiões [e locais]. Trabalho, escola e hospitais”, analisa.
Porém, ressalta que é preciso jogo de cintura para dirigir um ônibus de três portas e nove metros de comprimento em ruas, muitas vezes, estreitas. “É um caos porque são apertadas e os moradores param os carros de qualquer jeito [nas vias]. Tem que ter serenidade no trabalho para não arrumar confusão.”
O motorista diz que deveria haver um pouco mais de fiscalização nos locais em que as ruas são mais estreitas para evitar carros estacionados em locais inapropriados. “Nos pontos de ônibus em que o pessoal está invadindo [com os carros] fica difícil você embarcar ou desembarcar um idoso ou um cadeirante”, sinaliza.
Para além dos vagões
Luiz trabalha em uma profissão em que majoritariamente homens são os condutores. Na capital, apenas 3% dos motoristas são mulheres, que diariamente driblam o preconceito e o assédio para levar os passageiros pela cidade.
O cenário marca também outras áreas do transporte na cidade de São Paulo, como o de motoristas de carro por aplicativo e o trabalho nos trens e metrô. É o caso de Giovanna Sabino Dória, 26, oficial de manutenção elétrica na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
“Lido com a mentalidade ainda relutante com relação às mulheres na manutenção, na execução física dos serviços. Mas são desafios diários que a gente contorna e vai lidando e crescendo profissionalmente.”
Moradora de Perus, na zona noroeste, ela atua na manutenção há oito anos, desde que saiu do ensino médio. Entrou na área depois de fazer um curso profissionalizante no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). “Durante o ensino médio, fiz técnico em eletrônica, que caminhava na mesma linha e foi o que me inspirou a dar prosseguimento nessa carreira”, conta.
Carreira que desde a formação exige que Giovanna lide com obstáculos relacionados ao fato dela ser mulher. Mas, ao longo do tempo, essa realidade foi sendo trabalhada na empresa, que criou um código de conduta e normas. “[O tema] foi ganhando espaço e notoriedade. Hoje é mais tranquilo, mas não deixa de ser um desafio.”
Um desses desafios está relacionado à forma, muitas vezes negativa, como a população vê o trabalho da CPTM, sobretudo, o da manutenção. O trabalho dela é o que garante a circulação dos trens, quando ocorrem falhas no sistema. Um problema em um veículo, pode levar a lotação das estações no horário de pico
“Nós que estamos dentro, conseguimos enxergar as debilidades, mas também todo o serviço e esforço feitos para que o melhor seja entregue”, defende a oficial de manutenção, que presta serviço nas linhas 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade.
“Já atuei dentro da manutenção dos trens e hoje faço a predial. Ambas são absolutamente importantes para que o trem chegue e não apresente falhas”, reforça Giovanna.
“Mas caso ocorram falhas. Estamos lá para prestar esse serviço, principalmente porque é o transporte público que leva a população, em geral, das extremidades até os centros.”
De renda extra à principal
Parceiro da 99, Uber e In Drive, Emanuel Messias dos Santos, 55, morador do Itaim Paulista, zona leste da capital, atua há cinco anos como motorista de aplicativo. No início, o objetivo era complementar a renda. “Eu era inspetor de aluno, em uma escola particular e conseguia conciliar os horários [de trabalho]”, conta.
Messias, como prefere ser chamado, lembra que teve um começo difícil porque ele não sabia mexer muito bem no GPS e no aplicativo. “Na época, foi um amigo que me cadastrou e me ajudou a entender como funcionava.”
Hoje, além de dominar bem as ferramentas, Messias afirma ser o tipo de motorista que gosta de conversar e brincar com o passageiro. “Se ele der abertura, conto um pouco da minha vida e escuto a dele”, diz. “Na realidade, hoje, o motorista de aplicativo é um pouco psicólogo, sabe? Porque você pega muitos passageiros que estão com algum problema e acaba contando para você, que termina dando conselho e ajudando”.
Há um ano, as corridas se tornaram a principal renda de Messias. Ainda assim, ele avalia a profissão como perigosa. ”Você não sabe o tipo de passageiro que está pegando, nem quais as intenções dele”, comenta.
Ao longo desses anos, Messias foi assaltado uma vez, na região da Saúde, zona sul. “Peguei dois moleques que me assaltaram no final da corrida. Graças a Deus só levaram objetos, celular, aliança e R$ 32”, recorda.
As empresas afirmam que têm investido em ferramentas para ampliar a proteção.
Messias prioriza trabalhar no centro expandido, onde acredita que a segurança é maior. “Isso não quer dizer que eu não faço corridas dentro da periferia. Mas dou preferência à região central. Até mesmo porque, às vezes, levo passageiros para bairros que não conheço”, ressalta.
Para Messias, desde que os aplicativos de corrida começaram a ser utilizados em São Paulo, “o ir e vir de todo mundo melhorou bastante”. “Quando uma pessoa está passando mal e precisa ir ao médico urgente, eles ajudam muito”, exemplifica.