Mal se entra no terreno visitado pela equipe de reportagem e vê um arco natural de cipós curvados sobre as árvores. Ele funciona como o portal para o lugar mais especial da casa: o jardim, repleto de temperos, ervas medicinais e as plantas alimentícias não convencionais, as PANCs.
A dona dele não poderia ter nome mais propício, Margarida Amorim, 52, que em horário comercial trabalha como vendedora e nas horas vagas ensaia as funções de jardineira, botânica, cozinheira e alquimista em sua casa. O local é tão importante para ela que recebeu nome próprio: Recanto do Ócio, no Recreio da Borda do Campo, periferia de Santo André, cidade do ABC Paulista.
Margarida em seu quintal agroecológico @Léu Britto/ Agência Mural
Se ela tem fome, é só ir ao jardim e colher bertalha coração ou taioba para fazer um refogado, ou uma salada de ora-pro-nobis enfeitada com flor de serralha. Como prato principal, feijão e mistura temperados com curcuma e hortelã – e um suco de jambu para refrescar. “As PANCs são deliciosas e têm muitos nutrientes que precisamos”, comenta Margarida.
As chamadas “plantas alimentícias não convencionais” (PANCs) são folhas, talos, sementes e flores comestíveis e ricos em nutrientes, que não são consumidos com frequência por desconhecimento, como sementes de jaca, coração da bananeira, o talo do mamão verde.
Fonte: Cartilha Instituto Kairós
Diversas plantas do jardim têm propriedades medicinais, como o boldo, recomendado para indigestão, colonha e cidreira, usados para auxiliar o controle da pressão arterial e alfavaca, que possui propriedades anti-inflamatórias. Margarida reforça, porém, que o uso de plantas medicinais deve ter acompanhamento profissional.
Vida da “prainha”: braço da Billings que faz limite com o terreno de Margarida @Léu Britto/ Agência Mural
Lazer nas margens da Billings
Cria da Favela Bougival, também em Santo André, Margarida e o marido, Carlos Lazaro Borges Campos, sempre tiveram o sonho de morar em uma casa no meio do mato. Mais: um local que trouxesse de volta a nostalgia dos tempos em que se plantava nos quintais. Com uma indenização trabalhista recebida pelo parceiro, foi possível realizar o plano, com um detalhe muito especial: a casa tinha vista para a Represa Billings.
“A gente queria é que tivesse água perto, se possível uma nascente. Quando chegamos aqui e vimos a represa muito próxima, mudamos na hora. Era ótimo para a gente”, fala com humor.
Sempre que vai à represa, margarida recolhe lixo trazido pela água de outras regiões @Léu Britto/ Agência Mural
Mas vale ter um paraíso desses só para si? Eles acharam que não. Por isso, começaram a dividir o espaço com amigos, familiares, vizinhos e quem mais se sentisse parte do local. Assim, em uma periferia com quase nenhum espaço de lazer disponível para a comunidade, o Recanto do Ócio se tornou lugar de acolhida, cultivo e preservação da mata nativa.
“Não é o ócio de não fazer nada, mas o ócio criativo, de ter um lugar em que se possa conhecer as plantas, a floresta, a represa”, explica entusiasmada.
Logo ao fundo do quintal, se estende a uma área de preservação de Mata Atlântica às margens da represa. Para chegar até lá é preciso fazer uma trilha de 10 minutos a pé no meio da mata fechada até a “prainha”, como o casal apelidou as margens da Billings.
Nos oito anos em que vive na propriedade, Margarida já plantou mais de 100 árvores @Léu Britto/ Agência Mural
De bota de cano alto nos pés e facão na mão, Margarida atravessa o caminho sem temer encontrar serpentes, saguis, capivaras e até porcos espinhos. Quando chega na “prainha”, abre uma sacola e recolhe lixo provenientes de outras regiões.
Este mesmo respeito ela tem pelas ervas que cultiva. Margarida tem planos para catalogar espécies e ajudar a reflorestar parte da mata já desmatada. Nos nove anos que reside na propriedade, já plantou mais de 100 árvores “A gente tem três pés de cambuci, jabuticaba, goiaba e amora”, completa orgulhosa.

