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Salsicha Jones e Maria Nunes: os lutadores de Cidade Tiradentes

Jonas Júlio Ferreira, 24, é alto e magro. São 75 quilos em um corpo de 1,88m de altura. As características físicas trouxeram-lhe o apelido de Salsicha quando começou a treinar muay thai, aos 20 anos, em uma academia da Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo.

Há um ano e meio, ele luta kickboxing, arte marcial originária do Japão e caracterizada por socos e chutes. Com uma série de vitórias, ele recebeu um complemento ao apelido: agora é “Salsicha Jones”, referência ao atleta americano Jon Jones, lutador do UFC (Ultimate Fighting Championship) que em 22 combates teve apenas uma derrota.

Salsicha Jones ainda não tem as mesmas dezenas de vitórias do norte-americano, mas conta com sete conquistas e é detentor de dois cinturões (Fight Dragon e Cinturão TFC).

“Quando o Salsicha começou a treinar e disse que queria competir, fizemos um teste com ele, batemos para valer e ele aguentou. Pouco depois, ele lutou o primeiro campeonato amador, Golden Figther 4 e ganhou”, comenta Tércio Lima, 33, treinador de Jonas.

As lutas nos ringues não garantem tranquilidade financeira para o atleta. Morador de Cidade Tiradentes desde que nasceu, onde vive com a mãe e oito irmãos, Jonas trabalha descarregando caminhões no Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), na zona oeste. Ele também repara bijuterias para complementar a renda.

Jonas Júlio ganha 1 real por caixa carregada no Ceagesp (Giacomo Vicenzo/Agência Mural)

“Faço o que aparece, e isso é bom porque um emprego fixo vai atrapalhar meus treinos agora”, comenta Jonas. “Na minha primeira luta, subi no pódio e não tive tempo de comemorar e nem dormir naquela noite. Saí correndo para  descarregar os caminhões, mas a adrenalina era tanta que nem me sentia cansado”, completa.

Sensibilizado pelo esforço de Jonas para continuar nos ringues, Carlos Silva, 39, proprietário de uma gráfica em Cidade Tiradentes, e Jean Conceição, 39, dono de uma lanchonete no distrito, se tornaram os representantes comerciais e empresários de Jonas.

Juntos ajudaram a montar a equipe Tf Team e conseguiram um patrocínio negociado com outros comerciantes locais. “Hoje temos quatro patrocinadores aqui do bairro, entre dentistas, tatuadores e lojas de roupas. Cada um paga R$ 250 por mês e pode anunciar a  marca na camiseta do evento do Salsicha, a soma desse valor vai para ele”, explica Carlos.

Integrando a recém-formada equipe de treinamento está Leandro Barbosa, 31, proprietário de um bar no bairro e que já ganhou troféus competindo como fisiculturista. 

“O que ganho da luta não tem valor certo. Varia entre R$ 500 a R$ 1.000. Tem evento que é pago só com troféu ou medalha. No Ceagesp eu ganho pelo que trabalho, se carrego 30 caixas, recebo R$ 30 e assim vai”, diz Jonas que consegue tirar até R$ 300 por semana com o “bico”.

Salsicha Jones luta há um ano e meio e já conquistou títulos (Divulgação)

Neste ano, Jonas foi ganhador do torneio WGP kickboxing na categoria super médios (até 78 kg) e poderá desafiar o detentor do cinturão – a luta ainda não está marcada. Ele também tem a chance de defender o cinturão do torneio Fight Dragon, se ganhar poderá lutar na categoria internacional no Japão.

MEDALHISTA AOS 15 ANOS

Também em Cidade Tiradentes está Maria Nunes, 15, faixa azul de jiu-jitsu. Ela treina desde os oito anos e soma 38 medalhas. Entre as mais notáveis estão 14 de ouro e uma de bronze, conquistada na categoria juvenil do campeonato mundial disputado nos Estados Unidos neste ano.

A última medalha conquistada foi na Terceira Etapa do Circuito Paulista, em que foi vice-campeã da categoria  juvenil. Em setembro ela participa do Campeonato São Paulo Internacional Open.

Maria ficou em terceiro lugar na categoria juvenil do campeonato mundial de jiu-jitsu internacional nos EUA 2018 (Arquivo Pessoal)

Fora do tatame, a mãe de Maria enfrenta uma batalha para mantê-la treinando. Nadna Paloma Nunes, 36, está desempregada, mora junto com o pai, o avô de Maria, e outros dois filhos, Gustavo, 18, e Carolina, 4, que sofre com TEA (transtorno espectro autista).

“Graças a Deus quando tive os dois mais velhos tinha minha mãe, hoje só tenho meu pai vivo. É uma responsabilidade grande”, comenta Nadna.

A avó paterna de Maria por vezes ajuda em uma despesa ou outra, mas a única fonte de renda na casa é a do pai de Nadna que está aposentado. Para manter a filha nos treinos, Nadna vende rifas e conta com a ajuda de vizinhos e familiares.

A ausência paterna quase fez com que Maria perdesse a chance de lutar nos EUA. “Corríamos o risco de não poder tirar o passaporte dela e nem o visto, por não ter assinatura do pai. Bateu um desespero. Mas conseguimos uma autorização judicial”, explica a mãe.

Uma mudança na escola em que Maria estudava foi pensada para economizar as passagens do bilhete único e deixá-la mais próxima da academia em que treina no projeto do treinador Caio Almeida, em Itaquera. Ela conquistou uma bolsa para ter aulas gratuitas no espaço. 

“Meu maior sonho é um dia poder viver do jiu-jitsu e poder assim dar uma vida melhor para minha família, e poder mudar a vida de alguém”, conclui a estudante.

Giacomo Vicenzo é correspondente de Cidade Tiradentes
giacomovicenzo@agenciamural.org.br

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