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Samir Bertoli, o stylist que levou a moda periférica para novos territórios

Por: Matheus Leitão

Nascido no Jardim Líbano, em Pirituba, na zona noroeste de São Paulo, Samir Bertoli, 26, encontrou na moda uma forma de comunicar aspectos da cultura periférica. Apesar disso, ele gosta de fazer uma ressalva. “Gosto muito de pessoas e pouco de moda”, diz o stylist e diretor criativo.

A atuação dele está tanto na criação de looks para campanhas quanto na coordenação para a execução de projetos e editoriais. Ele aponta que há desafios em fazer com o encontro entre a estética periférica e as grandes marcas.

“A arte, enquanto parte da cultura, está aberta a todos, mas o problema surge quando sua apropriação se dá de forma comercial e descontextualizada, esvaziando seu significado original”, reflete Samir sobre essa relação.

Exemplos desse conflito não faltam. Em agosto de 2021, o rapper da baixada santista, Kyan, foi contactado pela marca francesa Lacoste. Contudo, a proposta oferecia pagamento apenas em vouchers de roupa.

O episódio gerou críticas e trouxe à tona o debate sobre as grandes marcas utilizarem uma estética periférica para campanhas, mas sem se comprometer com a cultura retratada.

Tropa da Lacoste, campanha de moda que dialogou com a cultura Lacoste na periferia @Amanda Adász/ Divulgação

Durante a pandemia de Covid-19, Samir e o stylist Misael Prado (Neguinho de Favela) notaram a forte presença da grife francesa Lacoste nas periferias de São Paulo, utilizada por MCs e citada em funks como Avisa Lá, de Mc Kelvinho, e Tropa da Lacoste, do rapper Kyan. No entanto, para eles, a marca não conversava com os consumidores das periferias.

Assim, de forma independente, surgiu o projeto Tropa da Lacoste, que através da fotografia registrou peças da marca bastante utilizadas nas quebradas da capital. “Tropa da Lacoste tinha uma necessidade, a gente tem uma cultura muito forte da marca em São Paulo”.

O projeto foi dirigido por Samir e Misael, as fotos foram registradas por Amanda Adász e os modelos foram os rappers Kyan, Kakas e Kayin. A importância do editorial foi registrar um movimento que existe há pelo menos 10 anos.

‘O editorial foi realizado para ter um registro, que realmente achava importante, sendo uma forma de posterioridade’

O ensaio de fotos da Je Mappelle Brasil, ocorreu durante a semana de moda em Paris @Arquivo pessoal/Divulgação

Em resposta às ações das grandes marcas, surgiu o projeto Je M’Appelle Brasil (Me chamo Brasil), o trabalho ocorreu durante a semana de moda em Paris, nos anos de 2023 e 2024, reunindo seis marcas brasileiras: Pace, Mad Enlatados, Class, Sufgang, Quadro Creations e Carnan. A iniciativa levou à capital francesa produtos como jaquetas , bonés e camisetas.

“Muita gente que não acreditava que seis empresas concorrentes pudessem se unir em um mesmo projeto. No final, deu certo”, afirma.

Funk, várzea e moda

O interesse pela moda começou na adolescência, com a chegada do funk ostentação em São Paulo, em meados de 2008. Marcas como a Oakley, citadas em letras como Kit da Oakley dos MCs Juninho Wendy e Belet, chamavam a atenção dele para o mundo das roupas.

Samir, diretor criativo e idealizador do Je M’Appelle Brasil @Arquivo pessoal/Divulgação

Em casa, o contato veio por meio do irmão mais velho, Saulo Bertoli, também diretor criativo, que se vestia como os funkeiros da época e consumia marcas como a Oakley.

Ainda na adolescência e no período escolar, Samir notou a desigualdade social. “Ao mesmo tempo que ficava no clube da escola sem R$ 2 para comer, tinha umas pessoas que moravam na Vila Leopoldina que tinham dinheiro”, recorda.

O contato com a filosofia e as obras do filósofo e psiquiatra francês Frantz Fanon (figura política no pensamento crítico ao colonialismo), direcionou um olhar de humanidade para a cultura que ampliou a visão sobre como poderia ser um símbolo de resistência. Algo colocado em prática no primeiro editorial, Players.

Valério, amigo do Samir na campanha da Mizuno @ Amanda Adász/Divulgação

Com a tradução livre de “jogadores”, Players foi a estreia no meio criativo. O trabalho fez parte de uma colaboração com a revista francesa NSS Sport, relacionando a cultura do futebol nas periferias com a moda.

Na época, Samir ainda atuava como freelancer e não cogitava ser stylist, mas mergulhou de forma despretensiosa no projeto, com a fotógrafa Amanda Cristina. O principal desafio estava em adaptar as roupas fornecidas para uma realidade das periferias de São Paulo.

As camisetas faziam parte da coleção “Les Vêtements de Football” da NSS, que ressignificou camisetas clássicas de time como Barcelona e Seleção Brasileira com releituras de marcas de luxo.

Editorial Players, primeiro trabalho do stylist no meio criativo @Amanda Adász/ Divulgação

Algumas peças tiveram os nomes alterados, Balenciaga, por exemplo, virou Balencigol. Mas foram as vivências de Samir que deram autenticidade para o ensaio visual, fotografado na Favela do Piqueri, no Campo dos Onze Garotos e no Jaraguá, lugares em que o stylist conhece bem. O trabalho repercutiu nas redes sociais e contou com a publicação na revista NSS Sports.

Samir aposta agora na criação de um espaço colaborativo e solidário, onde pessoas de diferentes áreas possam trocar conhecimentos e experiências. “Tudo que faço e quero fazer é para construir algo que não seja só para o brasileiro, mas algo que seja para todas as pessoas que desejam estar aqui. Só assim a gente consegue ter uma troca genuína”.

Em julho deste ano, a campanha intitulada “Wave Prophecy Morelia” contou com a colaboração de Fernanda Correrua, também diretora criativa. O projeto uniu futebol e cultura periférica e teve a participação de Valério, amigo de infância de Samir, como modelo principal.

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