Comemorado em outubro, o Dia dos Professores costuma ser um momento de agradecimento aos que fazem parte da construção de um indivíduo desde a primeira infância. “A gente cresce ouvindo que o professor ‘trabalha por amor’, e, quando encontramos os problemas, aquilo nos frustra muito e acaba nos adoecendo”, diz Paula Rosiska, professora de português e literatura na zona sul de São Paulo.
Professora da rede estadual há mais de 15 anos, a docente escreveu no ano passado um livro de crônicas “Vida ao rés do chão escolar: Crônicas da sala de aula” com base nos acontecimentos “simples” e rotineiros da sala de aula. Algumas dessas situações a levaram a pedir exoneração do cargo, para continuar atuando apenas pelos colégios da Prefeitura.
Nos seis primeiros meses deste ano, a rede estadual registrou um total de 20.173 professores afastados por questões relacionadas à saúde mental, um aumento de 15% em comparação ao mesmo período de 2022, de acordo com os dados obtidos pela Rede Globo através da Lei de Acesso à Informação.
Aos 43 anos de idade, Paula leciona há mais de 20 anos e afirma que ser professora era um sonho. Apesar de nunca ter sido fácil, segundo a entrevistada, ela sente que os impedimentos são maiores hoje em dia. “A gente é muito xingado, como se fosse um absurdo entrarmos ali para dar aula”, comenta a educadora.
Ela admite que há dias em que não queria sair de casa. “Mas penso que pode ter algum aluno, alguma aluna, que precisa saber sobre as crônicas lindas do Fernando Sabino, por exemplo, e que aquilo vai libertá-la, libertá-lo”, desabafa a professora que já deu aulas em Santo Amaro e no Grajaú.
De acordo com Paula, existem muitos fatores externos que afetam a saúde mental dos docentes; isso porque a escola se torna um lugar de refúgio para o aluno, que nem sempre tem o devido apoio dentro de casa. “O adolescente vê o professor como um amigo. E isso, muitas vezes, ultrapassa o ensino, porque não temos apoio da gestão para intervir em coisas mais graves”, explica.
Para a docente, o desgaste se dá com a soma das horas trabalhadas, e a impotência do próprio professor em resolver assuntos para além da escola. “Pensamos ser super-heróis, até uma situação fugir do nosso controle”, relata Paula.
Ela cita que os educadores lidam com frustrações constantes. Um exemplo, é quando alguns estudantes ignoravam as explicações. “Achava que o problema estava em mim”, diz. Porém, com o tempo, ela conseguiu administrar mais essas sensações. “Comecei a perceber que sempre tinham aqueles que paravam para te escutar.”
Apesar disso, a falta de escuta em sala de aula e também pela gestão direção da escola, começou a pesar. “Percebi que o problema não estava em mim, e que eu estava mentalmente sobrecarregada”, reflete ela sobre os desafios em sala de aula.
A Seduc (Secretaria da Educação) afirma que conta com trilhas formativas voltadas para a promoção da saúde mental no ambiente escolar e reforçou que, recentemente, contratou 550 psicólogos para atuarem na rede estadual, dando suporte a alunos e professores. Apesar disso, muitos professores já estão no limite, e não conseguem encontrar este apoio.
“Às vezes, quando você revela sua condição, você não tem respaldo da direção da escola, você não tem respaldo dos demais professores. E se vê isolada”
Paula Rosiska, professora foi diagnosticada com depressão e ansiedade
Hoje, a docente leciona apenas para uma instituição de Santo Amaro, que é gerida pela Prefeitura de São Paulo. Depois de 7 anos trabalhando no José Vieira de Moraes, no Rio Bonito, próximo ao distrito do Grajaú, a professora diz sentir falta da liberdade que o estado dava para conduzir às aulas.
“A gente tinha abertura para propor projetos, levar a galera para o teatro, fazer coisas diferentes”, revela Paula, que cita que muitos alunos tinham nesses momentos a primeira oportunidade de ir a um espaço cultural.
Apesar das boas lembranças, a educadora relembra também a exaustão que a levou pedir exoneração do cargo, quando a escola passou a adotar o novo ensino médio e o regime integral. “Eu já dava aula para 18 salas, e teria que equilibrar todos aqueles alunos, com idades diferentes, que apesar de próximas, queriam coisas distintas, além de todo descaso e falta de compreensão por parte da direção”, completa.
O livro escrito por Paula completou um ano em janeiro de 2023, lançado pela editora Luz, está disponível para venda pela Amazon.
As crônicas podem ser lidas de forma gratuita pelo Kindle Unlimited, da própria Amazon. “Preciso fazer uma nova tiragem, porque tem muita gente que me pede. Mas, por enquanto, tem ele em versão digital, e livre, para todos lerem um pouco dos meus descontentamentos; as belezas e dores de ser professor”, diz a professora.