Uma palavra, três repetições: “Postes, postes, postes”. Lacônico, o videomaker Igor Barbosa, 19, satiriza a falta de árvores na Sé, na região central de SP.
“Se aqui fosse um lugar mais arborizado, não teria só aquelas duas árvores ali”, argumenta, apontando de dentro do quiosque onde trabalha na Praça João Mendes.
As duas árvores mostradas pelo jovem se somam às 518 existentes no distrito, que amarga a última posição no ranking de arborização viária na capital, segundo o Mapa da Desigualdade 2017 — indicador avaliado pela primeira vez pela Rede Nossa São Paulo.
O cálculo, no entanto, é superior àquele imaginado pelo jovem: “Umas 150?”, arrisca, antes de se deparar com o número exato.
Há duas semanas, Barbosa, que mora no Brás, distrito pertencente à Mooca, na região centro-leste, começou a trabalhar como atendente de uma loja ao lado de um dos cartões-postais de SP, a Catedral da Sé.
Leia outras notícias sobre o Mapa da Desigualdade 2017
A realidade entre os distritos, separados por apenas 3 km, não é destoante. Ainda segundo o Mapa da Desigualdade, existem no Brás 1.290 árvores, quantidade que dá à região o terceiro pior lugar no ranking paulistano.
“O pessoal quer tudo construir prédio, derruba muita árvore mas não planta”, lamenta o videomaker. “Deve ser por isso que a poluição está assim”, emenda a opinião.
Também chamada de arborização urbana, segundo o engenheiro agrônomo Gustavo Bertolazzi, 37, a arborização viária trata-se especificamente da implementação de vegetais de porte arbóreo localizados dentro de uma cidade.
“Que nesse caso, deve ter vários fatores a se observar, como as árvores plantadas em calçadas, sendo que os espaços de circulação de pedestres sejam respeitados, principalmente com enfoque para a lei da acessibilidade. Fazem parte intregralmente da arborização viária e da paisagem urbana os canteiros centrais e praças”, define.
Cenário distante do ideal para Carlos Santos, 43, que há seis anos trabalha em uma floricultura na Sé, e também considera baixíssima a quantidade de árvores no endereço profissional.
Leia mais: Por que as crianças da Sé estão morrendo?
“Tá vendo aquela menorzinha ali, ó? Foi o pessoal daqui que plantou”, mostra o florista da Flores Delivery em direção à Praça João Mendes. Segundo Santos, se não lhe falha a memória, as árvores são uma espécie de “pau-ferro” e outra um ipê.
CAMPEÃ
Do marco zero de São Paulo ao Largo 13 de maio, 18 km separam a Sé de Santo Amaro, na zona sul, distrito que ostenta mais árvores em vias: 16.192. Uma diferença que corresponde a 31,26 vezes.
Segundo levantamento recente realizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), apenas 11,7% das ruas paulistanas são ocupadas por árvores. O instituto mapeou a cobertura verde de 23 cidades internacionais por meio de dados do Google Street View. A capital paulista está à frente de Paris, na França, e Quito, no Equador, mas ocupa a 21ª colocação.
Leia mais: Cultura e Meio Ambiente são os principais focos na audiência de Santo Amaro
Pesquisas científicas têm mostrado a importância da arborização ao comprovar os benefícios das árvores, seja para remover a poluição ou umidificar o ar. Prova disso, uma árvore de grande porte por transpirar, todos os anos, até 400 litros de água.
Outras publicações, como o Manual Técnico da Arborização Urbana, lançado pela Prefeitura de São Paulo, já em sua terceira edição, orienta os moradores sobre a função das árvores na cidade. O guia mostra, entre outras coisas, que elas são fundamentais para regular o clima e até proporcionar melhor bem-estar aos moradores.
Bertolazzi reafirma a lista de benefícios e exemplica os impactos que a falta de arborização podem causar prejuizos. Entre eles, o “aumento do índice de poluição e de ruídos sonoros, a falta de sombreamento e de abrigo para ave-fauna e a quantidade reduzida, além da má qualidade de vida para os moradores locais”.
OUTRO LADO
Questionada sobre a falta de árvores na Sé, em nota, a SVMA (Secretaria do Verde e do Meio Ambiente) de São Paulo, afirma que “foram plantadas até o momento 25.193 árvores, sendo 17.833 por meio dos DGDs (Departamento de Gestão Descentralizada) da SVMA e dos contratos ainda existentes. As demais mudas foram plantadas pelo programa SP Cidade Verde. Todos os plantios foram feitos principalmente em áreas de parque”.
Leia também: Reformada por moradores, praça em Pinheiros atrai visitantes de fora
Ainda conforme a pasta, também “foram lançadas importantes parcerias para a cidade a fim de aumentar esses números, como o Programa Geração + Verde, que pretende plantar 600 mil mudas até o final da gestão, começando com 500 que já foram plantadas no Parque Anhanguera, zona norte da capital. E o programa Marginal Verde — também em parceria com a iniciativa privada – lançado recentemente, que visa plantar 18 mil árvores em um projeto de reflorestamento de 13,5 km na Marginal Pinheiros”.
A SVMA também afirma que, em maio deste ano, foi inaugurado o “Comitê de Arborização da Cidade de São Paulo”, com a proposta de buscar estratégias e melhorar, de forma objetivo e estudada, o verde na capital. O órgão é formado por membros da prefeitura e da sociedade civil.