“Foi um sonho entrar na faculdade, eu estava ansiosa e tinha uma rotina gostosa, mas a pandemia me pegou de jeito e decidi trancar”, conta Bianca Santos, 19, que não conseguiu continuar no curso de relações internacionais.
Moradora da Favela do Pullman, na zona sul de São Paulo, ela trabalhava como jovem aprendiz numa construtora e fazia bicos de barista aos fins de semana para completar a renda e conseguir pagar as mensalidades da faculdade.
“Pagar o curso com o salário de jovem aprendiz era difícil, foi graças ao bico de barista que consegui acertar os primeiros meses. Mas com o fim do meu contrato na construtora, fiquei devendo quatro meses e desisti”, explica Bianca.
Por causa dos boletos em atraso, ela era cobrada diariamente por mensagens de texto e ligações, o que aumentou a pressão para abandonar o curso.
“A cobrança era tão absurda que eu não aguentava mais, tive que pedir ajuda pro meu namorado, que me emprestou o cartão de crédito para parcelar as mensalidades atrasadas.”
A realidade de Bianca é a mesma de muitos outros jovens em São Paulo e no Brasil. Segundo a pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, do Conjuve (Conselho Nacional da Juventude), houve aumento no número de jovens que não estão estudando: passou de 26%, em 2020, para 36%, em 2021.
O estudo foi feito com jovens de 15 a 29 anos de diferentes estados (sendo 39% deles do sudeste). A maior parte dos entrevistados diz ter parado de estudar por motivos financeiros (21%) e dificuldades com o ensino remoto (14%).
De 2020 para 2021, aumentou também a parcela de jovens que pensou em parar de estudar. No ano passado, a estimativa era de 3 a cada 10 estudantes e agora é de 4 a cada 10 entre os matriculados.
Victor Hugo, 22, também teve de parar de estudar, por não conseguir pagar as mensalidades. Ele estudava jornalismo e quase completou o curso, mas teve que trancar quando chegou ao último semestre.
“Com a pandemia as coisas pioraram e ficou quase impossível arrumar um emprego, e os problemas só foram se acumulando: tive que cuidar da minha mãe, das contas e tarefas de casa, fora as dívidas com a faculdade.”
Filho único de mãe solo, Victor mora no Jardim Ângela, na zona sul, com a mãe, a avó e outros primos e tias que também foram impactados pela crise e não poderiam ajudar a pagar a faculdade.
“Vivia de um bico aqui e outro ali, pagava o mínimo possível da faculdade e atrasei várias mensalidades, que custavam cerca de R$ 900 cada”, desabafa.
A vontade de se formar motivou Victor a continuar o curso. O jovem conta que até enviou uma solicitação de reingresso à reitoria da faculdade, mas teve o pedido negado. “Eles só disseram: ‘não há nada que podemos fazer, você precisa parcelar sua dívida para retornar e concluir o curso'”, comenta.
Em janeiro de 2022 ele pretende retomar o curso, se “conseguir um acordo com a faculdade pra pagar as mensalidades em atraso”. “Porque eu amo esse curso [jornalismo] e falta muito pouco pra pegar o diploma”, finaliza Victor.
Já Bianca, que trabalha atualmente como atendente de telemarketing, também pretende voltar à faculdade, mas vai mudar de carreira. “Quero voltar em 2022, mas agora vou estudar design.”