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Sem futebol na várzea, jogadores ‘driblam’ dificuldades e treinam em casa

Por: André Santos e Rubens Rodrigues

“Sinto saudade da várzea”. A frase do motorista de aplicativos David Carirys Santos, 36, resume o sentimento de amantes do futebol amador nas periferias de São Paulo. 

Mais conhecido como Popoto nos gramados, ele é morador do Jd. Filhos da Terra, zona norte da capital, e passou a vida toda na várzea. Há sete anos se dedica em organizar torneios como a Supercopa Noturna e a Copa Unificada.

“Assim que acabar a quarentena é voltar pros campos”, afirma, sobre as medidas de isolamento social que por enquanto tem o dia 10 de maio como prazo, mas que tende a ser prorrogado por conta do avanço do novo coronavírus.

A Prefeitura de São Paulo proibiu, há mais de um mês, a realização de eventos públicos em toda a cidade, atingindo diretamente o futebol de várzea nas periferias.

No Jardim Jacira, em Itapecerica da Serra, Emerson treina acompanhado do filho Henzo Riquelme @Arquivo Pessoal

“Nunca fiquei tanto tempo sem jogar bola com a rapaziada. Essa quarentena está sendo pior que fazer um gol contra”, afirma o centroavante Emerson Barbosa, 31, jogador do Ouro Preto FC, time do bairro do Iporanga, na zona sul. 

Emerson é cobrador em uma empresa de ônibus durante a semana e jogava nos fins de semana. Disputa a Copa Pionner, uma das mais importantes da cidade apelidada de Champions League da várzea. O torneio foi paralisado pela organização no último jogo da primeira fase, em 15 de março. 

Para matar a saudade e não perder a forma, Emerson treina no quintal acompanhado do filho, Henzo Riquelme, 5.

DIRIGENTES

Além da pausa para as peladas de fim de semana, a parada também tem afetado um segmento que se tornou um negócio importante para as periferias, com a comercialização de produtos, premiações altas e patrocínios envolvidos. Ao menos dez deles se tornaram uma fonte importante de renda nas periferias.

A Pionner, por exemplo, tem uma premiação de R$ 50 mil ao vencedor e neste ano a decisão seria disputada no estádio do Palmeiras. 

Divulgação feita pela Super Copa Pioneer em apoio aos cuidados contra o novo coronavírus @Divulgação

Os organizadores do torneio têm mantido informações sobre a paralisação no Facebook. Também têm dado apoio ao isolamento social, dicas de prevenção, mas por enquanto ninguém arrisca uma data para o retorno da competição.

Para o ‘cartola’ Popoto, que abre este texto, o lado financeiro é preocupante. “Já estou tendo prejuízo, não estou organizando festivais, nem campeonatos, nem trabalhando. Estou com medo de sair às ruas”, conta. Ele tem na família uma mãe idosa e uma filha pequena. 

No caso da atacante Ana Karolyna Aparecida, 22, conhecida como Mineira, a situação do isolamento fez ela deixar a Grande São Paulo. Campeã da Taça das Favelas em 2019 pelo Casa Verde, ela saiu de Osasco, na região metropolitana, para Catuti, cidade do interior interior de Minas Gerais, por conta da Covid-19. 

Na casa dos pais ela improvisa os treinos. “Peguei as garrafas pets e fiz de obstáculos, treinar sem acompanhamento do professor tem que ter muita disciplina”, conta. “O espaço é pequeno e treinar no gramado é mais fácil que no cimento. Sinto falta da grama”. 

Mineira foi artilheira da Taça das Favelas, mas deixou cidade após início da pandemia @Jonathan Paixão/Divulgação

Outro impacto financeiro para os jogadores são os cachês recebidos em alguns jogos. Não há regra universal sobre isso e, em geral, os times evitam falar sobre os prêmios. Mas parte dos jogadores conseguem fazer da atuação um complemento da renda.

“Quem joga na várzea joga por amor porque sabe que é difícil, nem todos os clubes têm condições de pagar, mas não vou negar, o dinheiro do bicho ou o aquele que a gente ganha para jogar, ajuda muito a pagar uma conta em casa ou comprar uma nova chuteira”, comenta o atacante Emerson.

“Não recebo para jogar, mas quando ganhamos campeonatos, dividimos a premiação por igual, para todos”, diz Isac Saraiva Sobrinho,  dirigente e jogador do Laquebrada do Jardim Fontalis, zona norte de São Paulo.

Ele também diz estar correndo e praticando exercícios para manter a forma e dá o exemplo. “Evito ficar na rua e em aglomeração, estou indo trabalhar duas vezes na semana porque preciso, senão nem saia de casa”. 

Máscaras de times do futebol de várzea foi alternativa para arrecadar @Divulgação

Na Vila Renato, em Pirituba, na zona norte de São Paulo, Darlam Cruz, 37, confecciona uniformes para várzea há um ano. Sem o futebol, ele viu nessa pandemia outra forma de continuar trabalhando. Começou a fazer máscaras estilizadas com os símbolos das equipes da várzea. 

“Começamos a fazer pro nosso time, o Garra FC aqui do bairro e depois passamos a expandir”, diz. Os pedidos têm sido feitos pelas redes sociais, e os valores podem variar entre R$ 10 a 15. 

Fato é que a bola rolando nos campos da várzea também é um espaço social a menos para vários jogadores. “Tudo na várzea faz falta, a resenha, o grupo, ir para beira de campo, fazer amizades, trocar uma ideia, muito bom”, diz Isac. “Isso não tem preço”.

Sobre a possibilidade de volta aos campos ainda este ano todos se mostram otimista, mas Popoto vê dificuldades. “Acho que voltam (os campeonatos) esse ano ainda, mas, vai voltar todo mundo receoso, não vai ‘colar’ todo mundo igual colava”.

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