Ainda sem torcida, a bola voltou a rolar no futebol profissional desde 22 de julho nos campeonatos profissionais. Mas, na várzea de São Paulo, o cenário de incerteza continua enquanto a Covid-19 ainda preocupa.
Os campeonatos amadores seguem sem previsão de retorno, apesar de alguns gramados terem treinos individuais, além daqueles que têm jogado ‘peladas’, contrariando as recomendações e cuidados para evitar o contágio.
Os boleiros também têm improvisado com festivais e torneios de pênaltis (tentando manter o distanciamento). Outros têm passado reprises dos últimos torneios disputados nas redes sociais.
Caso a retomada siga os mesmos protocolos das competições profissionais, a probabilidade dos jogos dos campeonatos de várzea serem disputados sem a participação do público é grande.
“Eu não voltaria a várzea sem torcida, a graça da várzea é ver as famílias lá, as comunidades reunidas para verem seus jogos”, diz David Carirys Santos, 36, mais conhecido como Popoto, organizador de campeonatos de várzea no distrito do Jardim Tremembé, na zona norte da capital.
Isac Saraiva Sobrinho, 37, é membro da comissão técnica do Existente Futebol e Samba, time famoso por contar com grande apoio dos moradores durante as partidas do Jardim Filhos da Terra, distrito do Jaçanã. Ele concorda com Popoto.
“Jogo sem público é muito ruim. A torcida pra mim é tudo, faz a festa na rua antes dos jogos, apoia o time o jogo inteiro e fora a resenha no busão (ônibus) durante o trajeto”.
Perguntado sobre uma possível volta das competições amadoras, Sérgio Pioneer, empresário e um dos organizadores da Copa Pioneer, adota cautela. “Não somos nós quem decidimos, é a secretaria. Vamos aguardar a liberação e o envio dos protocolos a serem seguidos”.
Questionada, a Seme (Secretaria Municipal de Esportes) afirmou que está seguindo os protocolos determinados pelas autoridades de saúde responsáveis pela elaboração do Plano São Paulo e que “são eles quem vão decidir a data de retorno, de acordo com a fase da cidade, e todas as demais situações.”
“A Seme não tem poder nem competência científica para tomar essas decisões”, diz a pasta. Algumas cidades já descartaram o retorno em 2020, caso de Barueri, na Grande São Paulo.
COVID-19
São Paulo ultrapassou a marca de 11 mil mortes e 286 mil casos confirmados. O município está na fase 3, amarela, que indica flexibilização da quarentena e possibilidade de abertura de vários serviços. Nesta fase algumas atividades podem ser retomadas desde que observadas algumas restrições.
A gravidade da situação tem sido levada em conta pelos dirigentes e torcedores do futebol amador da capital. “Não é só a várzea que está passando por isso, é o mundo. Se tiver que voltar (com protocolos) e se for para o bem estar da sociedade e da segurança em relação à doença, eu sou a favor”, afirma o empreendedor Diogo Peixoto, 31.
Peixoto é um dos fundadores da Fúria da Marcone, torcida do time Marcone Futebol Clube do Parque Vila Maria, na zona norte de São Paulo.
Fundada em 2007, a Fúria organiza compra de camisetas, chuvas de papel picado para o time e garante as festas durante as partidas. Para Diogo, a possibilidade da volta sem a torcida “vai ser sem sal”.
Ele lembra que nos jogos profissionais em São Paulo são proibidos a presença de duas torcidas rivais da capital. Também são vetados bandeiras e sinalizadores, diferente da várzea. “A graça do futebol [de várzea] também está na arquibancada, já que no profissional hoje não se pode mais fazer festa”.
TAÇA DAS FAVELAS
Assim como em outras áreas, a paralisação trouxe dificuldades financeiras para quem dependia do esporte. Com competições cada vez mais profissionais, alguns dos principais torneios da capital tinham se tornado também uma fonte de renda.
Em abril, a Agência Mural mostrou como os atletas vinham driblando a situação para conseguir se manter.
Além disso, a pandemia também travou quem tinha a ideia de aproveitar os jogos da várzea para chegar ao futebol profissional.
Anderson Santos, 18, saiu de Euclides da Cunha, interior da Bahia, para disputar a Taça das Favelas de São Paulo deste ano. Em janeiro, foi aprovado em uma peneira e garantiu uma vaga na seleção do Complexo de Favelas do Parque Santo Antônio, na zona sul.
Antes da paralisação, o atacante chegou a treinar com o time por três meses. Com a incerteza do retorno das competições, o garoto decidiu cumprir o isolamento social com a família em sua terra natal.
“Me preparei muito para jogar e quando ia começar os jogos teve de ser paralisado. Sem o futebol, eu não ia conseguir ficar sozinho por muito tempo, resolvi ficar com minha família”, afirma o atacante.
De casa, ele continua treinando com cones, escadas, paraquedas e outros objetos de treino. Ansioso pelo retorno, acredita que o futebol de várzea deveria voltar tomando os devidos cuidados. “Se o comércio voltou, as academias voltaram, acredito que a prefeitura deveria seguir na mesma linha”.
Campeão da Taça das Favelas no ano passado pelo Parque Santo Antonio, Luiz Felipe, 18, começou o ano na expectativa de conquistar o bicampeonato, e angariar uma vaga em algum clube profissional. Morador de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, ele também joga no Sonia Maria, time da sua quebrada.
O clube tinha previsão de estrear na Copa da Macaca, um dos principais torneios de várzea da capital no dia 15 de março, data em que houve o decreto de suspensão dos jogos.
“Estava um pouco ansioso, por ser um campeonato grande e pegado, e eu nunca joguei essa copa, então seria um novo desafio”. Sobre jogar sem torcida ele destaca: “Futebol de várzea é diferente, o torcedor fica ali na linha do campo praticamente jogando com você. Se voltar sem será estranho, até porque a característica principal da várzea é a torcida”.