Serena Gomes, 21, é modelo e jovem aprendiz. Moradora do Jardim João XXIII, na zona oeste da capital, ela começou o processo de harmonização há três anos. “Minha luta diária é ser uma sobrevivente”, diz a jovem que deixou as passarelas para ajudar nas contas de casa.
“Sobrevivente por ter que enfrentar o cotidiano de um país extremamente transfóbico e assassino. É sobre enfrentar meus medos diariamente sem saber se no final do dia eu vou estar viva”.
A fala de Serena é embasada em estatísticas que apontam um cenário difícil para quem é trans no Brasil. De acordo com os dados de uma pesquisa feita pela União LGBT, 35 anos é a idade média de expectativa de vida de pessoas trans. Também cita o preconceito e o discurso de ódio que a tornam alvo.
Na semana em que se é lembrado o dia da Visibilidade Trans, a Agência Mural ouviu Serena e outras pessoas trans que vivem nas periferias da capital.
Em junho de 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) criminalizou a homofobia e a transfobia. Conforme a decisão, os atos discriminatórios podem ter pena de até três anos, além de multa.
Apesar disso, desafios como a transição, a aceitação de familiares e vizinhos, e o desconhecimento sobre a vida dessas pessoas ainda estão presentes no dia a dia de quem viveu essas mudanças.
No caso de Serena, ela conseguiu entrar um grupo de terapia hormonal oferecido pelo SUS (Sistema Único de Saúde), com a possibilidade de realizar a cirurgia de readequação/redesignação sexual.
A professora Paula Beatriz Souza Cruz, 48, também conseguiu apoio no serviço público. Mas lembra que começou o processo de transição em uma época que ainda não se usava essa terminologia transgênero. “Comecei aos 35 anos e como sou servidora pública, procurei o auxílio médico para este processo no Hospital do Servidor Público e para minha surpresa, fui acolhida bem.”
Porém, ela aponta que o processo não foi simples. “Fui embranquecida na minha história, porque ficou mais latente minha identidade de gênero. Só aos 37 anos, a Paula sai as ruas realmente Paula”.
Já o estudante de nutrição e poeta nas horas vagas, Bruno Silva Sena, 18, pretende começar a transição este ano. Porém, relembra dos conflitos internos que passou para tomar essa decisão.
“Vou começar este ano, mas antes de ter certeza, eu passei pelo ‘será que eu quero por mim ou para as pessoas me enxergarem como eu sou?’”. Ao final, concluiu que a decisão era totalmente por ele.
“Eu quero começar por mim e não para me encaixar. A gente tem que entender o nosso corpo”
Outra questão é a família, o que pode ser tranquilo para uns, é um obstáculo para outros. Cada mulher e homem trans passa por uma experiência diferente ao falar sobre sua transexualidade para família.
“No começo foi bem difícil a conciliação com minha família, eu até tentei manter o máximo de descrição possível sobre minha transição, me arrumava escondida para sair sem que ninguém soubesse, mas em algum momento seria inevitável ter que enfrentá-los”, conta Serena.
Desde 2004, as prefeituras de todo o Brasil vêm realizando ações para a promoção de cidadania para a comunidade trans. Ainda assim, essas iniciativas não garantem direitos totais para quem ainda não tem o respaldo judiciário necessário.
Para Serena, o dia da visibilidade trans possui um outro significado. Essa marca foi criada a partir de 29 de janeiro de 2004, data em que transexuais e travestis lançaram a campanha “Travesti e Respeito” dentro do Congresso Nacional.
“Não é uma data comemorativa, é um dia de luto por todas as pessoas trans que já foram vítimas de preconceito. É o dia que mostra quanto precisamos resistir”, ressalta Serena.
Para 2020, a jovem aprendiz tem planos para carreira profissional e pessoal. “Quero manter a estabilidade financeira que estou conquistando, conseguir entrar em uma faculdade ou cursar para comissária de bordo e o mais importante, fazer todos procedimentos preparatórios para a cirurgia.”