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Seu Antonio, o porteiro que me abriu as portas do mundo

Na escada de casa ou na portaria, ele sempre teve tempo para ouvir

Arte Magno Borges/Agência Mural

Por: Simony Maia

Crônica

Publicado em 09.06.2025 | 10:12 | Alterado em 09.06.2025 | 10:12

Tempo de leitura: 4 min(s)

Dizem que o porteiro sabe a vida de todo mundo, mas o que não se fala por aí é que a família do porteiro também fica sabendo das histórias. Todos os dias, meu pai chega em casa contando alguma novidade. O que não dá pra dizer é que a vida do porteiro é parada, porque ela, definitivamente, não é.

E no dia 9 de junho, quando se celebra o Dia do Porteiro, resolvi escrever sobre o homem que abre não só os portões de prédios nobres, mas os caminhos da minha vida: meu pai, Antonio Borges de França.

Eu e o meu pai, de quem virei a checadora oficial de notícias @Arquivo pessoal

Todos os dias às 4h40 da manhã, meu “velho pai” – como é chamado carinhosamente por mim – levanta cantando para trabalhar. Apesar do apelido, de “velho”, ele só tem a idade. Aos 71 anos, ele tem disposição e saúde para colocar qualquer menino de 20 no chinelo.

Desde que me conheço por gente, meu pai lida com a vida assim: através da música. Quando criança, cantava para eu dormir. Sempre um modão, daqueles bem raíz e com uma afinação de confundir com um desses famosos cantores sertanejos.

Músicas como “O Prato do Dia”, de Tião Carreiro e Pardinho, “O Milagre do Ladrão” de Zilo e Zalo, “Fim de Semana” do Roberto Carlos, fizeram parte do meu repertório durante a infância. Em contrapartida, apresentava a ele músicas como “Minha Boneca de Lata” da Xuxa, para equilibrar a playlist de pai e filha.

Meu pai e eu quando eu era bebê, na nossa antiga casa @Arquivo pessoal

A cantoria com uma pitada de sertão vem da sua infância. Antonio nasceu em Regente Feijó, uma cidadezinha localizada na região de Presidente Prudente, em São Paulo. Morou em Taciba, também no interior paulista, até os 22 anos. Foi quando decidiu vir para a capital, após uma seca acabar com toda a plantação de feijão da família.

Ali disse ter percebido que não queria ficar dependendo da boa vontade do tempo para viver. Quando me conta essa história, agradeço internamente a sua mudança, já que só assim foi possível conhecer a minha mãe, Joelma Maia da Silva, e eu nascer.

Meus pais, meus quatro irmãos e meus dois sobrinhos @Arquivo pessoal

No Taboão, bairro onde moramos em Diadema, na Grande São Paulo, meu pai é “o palmeirense” que todos os dias bate ponto na padaria para comprar pão e falar do alviverde. Cativa amigos por onde passa: no ônibus, no mercado, na padaria, no trabalho… Acho que esse é um daqueles “dons de porteiro”.

Além de abrir portas no trabalho, meu pai abriu as portas do mundo para mim e para os meus irmãos. Ao todo somos oito: três filhos do primeiro casamento, dois do segundo e três filhos de coração.

E por falar em porteiro, não tem como falar do meu pai e do que ele representa pra mim, sem pensar em uma passagem. O ano era 2021 e o então ministro da economia do Brasil, Paulo Guedes, discursava no Consu (Conselho de Saúde Suplementar), sobre o Fies (Programa de Financiamento Estudantil) ter levado muitos “filhos de porteiros para a universidade, mesmo tirando zero nas provas”. É verdade.

O Fies levou muitos filhos de porteiros à universidade, eu e meus irmãos somos prova disso. Mas ele se enganou ao dizer que isso é possível mesmo “zerando no vestibular”. Não, não é possível.

Eu e meus pais na minha formatura em 2022, me formei pelo FIES @Arquivo pessoal

Com estudo e muita dedicação, eu e meus irmãos nos formamos na universidade. E teve filho de porteiro formado em publicidade pelo Fies, teve filho de porteiro formado em Tecnologia da Informação pelo ProUni (Programa Universidade Para Todos) ou pela política de cotas.

‘Herdei muitas coisas do meu pai, mas acho que a principal delas foi a disposição’

Antonio trabalha há 26 anos como porteiro de um condomínio em um bairro nobre de São Paulo. Começou em 1999, um ano após o meu nascimento, justamente no dia 1º de abril, o Dia da Mentira. Mas de mentira essa história não tem nada.

Além da disposição, outra grande qualidade do meu pai é a paciência – ou pelo menos era quando tinha uns 30 anos a menos. Sempre foi um bom ouvinte. Acho que herdei isso também.

Quando eu era adolescente, meu pai ia comigo na biblioteca buscar livros @Arquivo pessoal

Quando criança, gostava de ler histórias como “Branca de Neve e os 7 anões”, “Cinderela”, e o meu preferido “O Casamento da Barata”, e meu pai era o meu ouvinte principal. Sentávamos na escada de casa e ele ouvia atento. Especialmente a história da barata. Ele questionava: “O rato caiu na panela de feijoada?”. Talvez daí venha minha paixão pela leitura — um ouvinte ativo é sempre um bom incentivo.

Mas voltando à portaria… A vida do meu pai e o seu trabalho se entrelaçam na história do meu crescimento. Para mim, sempre foi muito claro que o fato do meu pai sair todos os dias para trabalhar, era o motivo de eu ter as melhores roupas e os melhores brinquedos.

Trabalhando em um condomínio de gente rica, ele sempre ganhava coisas – e eu esperava ansiosamente a sua chegada todos os dias. Um dia era brinquedo, no outro roupas, no outro comidas diferentes. Eu pensava: meu pai tem o melhor trabalho do mundo.

Com a visão de mundo de uma criança, não me importava se as roupas e os brinquedos eram usados. Ou se a comida era o que tinha sobrado. O importante era a novidade.

Após crescer, parei de esperar meu pai chegar do trabalho… Acho que os papeis se inverteram. Agora é ele que me espera. Para conversarmos sobre política, notícias e a vida. “Si, você que é jornalista, viu aquela notícia? Será que é verdade?”. Virei a checadora de fatos oficial dele.

E sabe o que é engraçado? Ver alguém que observa histórias acontecendo diante dos seus olhos, diariamente, através da guarita, optar por confiar nas palavras de uma jornalista. Isso aqui, acho que é coisa de pai.

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Simony Maia

Jornalista que se aventura pelo universo das redes sociais falando sobre política, cultura e entretenimento. Em busca de sempre vivenciar novas trocas para contar boas histórias. Correspondente de Diadema desde 2023.

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