Nesta quinta-feira, 25 de julho, se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data foi reconhecida pela ONU, em 1992, com o objetivo de lembrar a luta e a resistência dessas mulheres contra o racismo, o machismo e a violência.
Quando falamos dessa data, algumas mulheres como Maria da Paixão, 60, moradora de Diadema há 54 anos, anistiada e atualmente assessora da Secretaria-Geral da CUT São Paulo, é uma grande referência. Durante a ditadura militar (1964-1985), Maria lutou pelos direitos dos trabalhadores nas fábricas.
“Eu presenciei vários companheiros meus sendo mutilados, não tinha nenhum equipamento de proteção e na época, por conta da minha idade, por ser mãe, eu me indignei com isso”, conta ela.
Paixão, como é conhecida, nasceu em 1964, na cidade de São Paulo e aos 17 anos se tornou mãe solo. Em busca de sustentar o filho, Luiz Fernando da Paixão, começou a trabalhar em uma empresa de autopeças em Diadema, na Grande São Paulo.
No enfrentamento por melhorias na situação de trabalho dos colegas, ela participou da primeira greve, em novembro de 1981, com o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, que reivindicava não somente a segurança no trabalho, mas uma Comissão de Fábrica. Esse espaço foi conquistado e era destinado a representar os trabalhadores dentro da empresa.
“O sindicato me convidou para participar da comissão e eu me tornei uma das titulares”, relembra Maria.
Para ela, se tornar uma das titulares foi um marco, já que os movimentos sociais enfrentavam repressão do regime militar.
‘Os trabalhadores estavam tão indignados. Naquela época eles não podiam ir ao sindicato, nós éramos a voz deles’
Maria da Paixão, sindicalista
Em busca dos direitos dos trabalhadores, a sindicalista chegou a ser detida em São Bernardo do Campo enquanto participava do movimento. “Eu tinha medo pela minha vida, mas também não podia me acovardar”, comenta ela.
Dentro da Comissão, Maria da Paixão foi eleita como representante dos trabalhadores. No entanto, após a greve de 1983 por conta da campanha salarial da categoria, toda a comissão de fábrica foi demitida por justa causa. Ela tentou conseguir outro emprego, mas não conseguia passar do período de experiência, porque as empresas ficavam sabendo de seu histórico como militante e grevista.
“Eu sofri bastante perseguição. Depois que fui demitida, tive que tirar outra carteira de trabalho para conseguir um trabalho”, relata ela.
Ao todo, Paixão emitiu quatro carteiras de trabalho. A perseguição sofrida fez com que ela tivesse que trabalhar como empregada doméstica por um tempo até conseguir emprego em uma fábrica no Ipiranga, na zona sul da capital.
Maria só conseguiu ter paz quando foi anistiada. “Eu trabalhei nessa fábrica por um ano até que a gente ganhou o processo e fomos reintegrados”, conta.
ANISTIA
A anistia é o perdão para indivíduos que cometeram crimes na época da ditadura militar. Nesse período, as entidades sindicais eram vistas como oposição, fechadas e suas lideranças presas e perseguidas.
Em 1989, Paixão saiu da fábrica onde trabalhava, foi para o comitê nacional do atual presidente Lula para as eleições daquele ano e depois para a CUT São Paulo. O novo emprego possibilitou que a sindicalista voltasse a estudar. Ela cursou pedagogia e direito.
Parte da perseguição sofrida, de acordo com ela, é reflexo do racismo e do machismo, mas não somente no ambiente de trabalho, como também na vida.
‘O machismo se mostra no nosso dia a dia, desde ser mãe solo, já que o nome do pai não consta no registro do meu filho. Mesmo vinda do movimento sindical, num espaço que lutamos por igualdade, ainda sim vivemos situações de machismo’
Maria da Paixão, sindicalista
Maria alega que o fato de ser uma mulher preta na ditadura tornava as coisas ainda mais difíceis. “O racismo estava presente quando eu concorria por vagas de emprego. E até mesmo na faculdade, onde só haviam duas mulheres pretas em um universo de 65 alunos”.
E apesar de ter estado na linha de frente pelos direitos trabalhistas, a atual assessora da central sindical tem o desejo de contribuir ainda mais com a causa.
“Eu sempre falo que quem é da luta, vai sempre estar na luta. Eu tenho o sonho de contribuir mais, principalmente com as mulheres”, conta ela.
Além da luta no movimento em defesa dos trabalhadores, Paixão também teve que tomar a liderança da família aos 29 anos quando o pai faleceu. “Eu perdi meu pai e tive que assumir o controle da casa, porque tinha minha mãe e meus irmãos mais novos”.
Após perder o pai, o seu irmão mais velho também faleceu e logo em seguida ela perdeu a irmã mais nova que deixou três filhos sob os seus cuidados.
“Eu peguei a guarda deles, então, além do meu filho, eu fiquei com o Caíque, a Daniele e com o Igor”, comenta ela.
Paixão conta que não foi fácil cuidar dos sobrinhos e que teve até mesmo que brigar judicialmente pela guarda de Igor, filho mais novo da irmã. “Na época ele tinha 5 anos e consegui a guarda provisória dele até encontrarem o pai”, conta.
“Após dois anos ele apareceu e entrou no processo, ficamos brigando judicialmente até que o juiz me deu a guarda por tempo indeterminado”, relembra Maria.
Hoje, após todo trabalho realizado ao longo da vida, Paixão reflete sobre as gerações futuras e como deixará o mundo para as mulheres negras.
‘Temos que fazer algo para diminuir as desigualdades, principalmente para as mulheres negras’
Paixão como é conhecida onde mora, em Diadema
“As vezes acho que falta orientação, os espaços para elas não são os mesmos, são ambientes de disputa”.