Falar de diversidade vem ganhando cada vez mais espaço na mídia e até mesmo em políticas públicas de inclusão. E, dentro dessa esfera, temos visto surgirem discussões sobre a importância da acessibilidade de pessoas com deficiência, seja ela física, mental, intelectual ou sensorial.
A psicóloga Paloma Oliveira, 23, moradora do Jardim Marcelino, em Caieiras, na Grande São Paulo, enfrenta as barreiras de uma sociedade que não é construída de forma acessível. “Só entendi que tinha uma deficiência quando comecei a frequentar outros espaços e conviver com pessoas sem deficiência.”
Ao longo da vida, ela foi criando formas de se adaptar. “Tenho baixa visão congênita e nasci com catarata [doença dos olhos em que a visão fica opaca]. Desde que soubemos, meus pais já conseguiram prover um acompanhamento para desenvolver estas questões, mas muitos espaços não são preparados”, explica.
Durante a infância, quando começou o acompanhamento para estimular o desenvolvimento da visão, ela passou a ter contato com outras crianças com a mesma realidade.
“Estava rodeada de crianças iguais a mim, apesar de terem a deficiência em graus diferentes. Por isso, foi no ambiente escolar no ensino regular que passei a não conviver com pessoas como eu, e que comecei a entender um pouco dessas diferenças, de certas limitações.”
O que é uma deficiência visual?
É quando há a perda total ou parcial da visão – a cegueira e a baixa visão respectivamente. Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a baixa visão engloba pessoas com campo visual menor do que 20º no melhor olho, mesmo com correção óptica. Já no caso da cegueira, o campo visual é de 10º.
Barreiras de acesso
As limitações que Paloma menciona estão presentes em diferentes espaços. Situações do cotidiano, como pegar um ônibus, conseguir se localizar em um lugar novo ou até mesmo acompanhar uma aula na faculdade podem ser pouco acessíveis.
“Na escola, meus materiais precisavam ser adaptados. Precisava estar sempre sentada na frente. Então, minhas relações eram moldadas até por isso, porque não tenho total mobilidade dentro de uma sala de aula, não conseguia sentar perto de determinadas pessoas, interagir com alguns amigos”, diz.
Ela conta uma situação marcante em que entendeu que não basta conseguir fazer o que precisa, mas que os meios de conseguir devem contemplar a necessidade dela. “Fui fazer uma prova e eles não tinham feito a impressão do tamanho que consigo enxergar”, lembra.
Na época, ela estava no ensino médio em uma escola pública de Caieiras e a solução que lhe foi oferecida foi que a docente fizesse a leitura da prova. “Imagina você fazer a prova com a professora do seu lado? Fiquei muito ansiosa e fui mal em um conteúdo que sabia.”
“Foi aí que entendi que nem toda solução me atende. Ter uma prova adaptada era o que eu precisava”
Paloma Oliveira, moradora de Caieiras
Outro exemplo que impacta a rotina dela é a locomoção. “Comecei a reparar que cada placa dos ônibus aqui em Caieiras tem uma cor específica. Observei que o ônibus que pego para vir para o meu bairro é o único que geralmente não tem placa”, explica.
No transporte público, ela se guia por estratégias como essa, já que não consegue ler o letreiro e não há uma adaptação para quem tem baixa visão.
“O problema é quando estou em outro lugar ou na capital. Tento sempre priorizar o Metrô e o trem para me locomover, porque pegar ônibus é muito difícil. Em último caso, é mais fácil chamar um carro de aplicativo”, comenta.
Em ambientes novos, como quando vai viajar, ela diz que deixa tudo minimamente calculado para ter a autonomia garantida.
Tecnologia como caminho
“Com o tempo, principalmente durante a faculdade, fui usando a tecnologia como suporte. Ao invés de tentar copiar tudo da lousa, comecei a tirar fotos e ampliar em um aplicativo em que eu já podia inserir minhas anotações, por exemplo”, diz a psicóloga.
Para ela, essa tem sido a principal saída no dia a dia. Tanto em comunicações próprias por mensagens, para tirar fotos de determinadas coisas e até mesmo para apontar a câmera do celular na hora de ler o letreiro de algum ônibus. “O celular ajuda muito porque posso ampliar dando zoom ou pelas próprias funções do aparelho.”
Mas, segundo Paloma, apesar dessas possíveis adaptações, é fundamental pensar em soluções reais. “Algumas coisas devem ser pensadas para realmente garantir a acessibilidade de pessoas com deficiência ou até mesmo para quem ao longo do tempo vai perdendo a visão, pessoas mais velhas também sofrem com isso”, enfatiza.
Ocupando espaços
Não projetar os ambientes pensando na inclusão de todas as pessoas é o problema. Paloma explica que, para quem não tem contato com pessoas com deficiência, é difícil entender algumas situações.
“Uma porta de vidro sem sinalização pode parecer inofensiva, mas já bati a cara diversas vezes. Já bati até em postes. Por isso, é importante ter pessoas com deficiências nos espaços e pensar nas necessidades delas.”
Hoje, ela atua com diversidade e inclusão em uma rede de saúde integrada. “Meu papel é olhar para esses problemas. Se a falta de acessibilidade não é comunicada, ela não existe, então é preciso olhar e melhorar essas questões”, conta.
Além disso, ela explica que as interseccionalidades fazem com que vários contextos se agravem. “Não consigo dizer que a rua à noite é um espaço acolhedor para mim, um espaço para eu ocupar. Sou uma mulher negra, com deficiência e pertencente à comunidade LGBTQIAP+.”
Devido à baixa visão, Paloma se sente ainda mais receosa quando o assunto é gênero. “Às vezes estou em um ponto de ônibus e não consigo ver quando surge alguém por perto. Então me colocar nesses espaços é questionar o que tem sido feito para mulheres com deficiência estarem e permanecerem. Não só mulheres, mas mulheres negras”, completa ela.