Nos últimos meses, a ocorrência de um surto de meningite nos distritos de Vila Formosa e Aricanduva, ambos na zona leste da capital, chamou a atenção da cidade. A situação já é considerada controlada pela Secretaria Municipal de Saúde, mas ainda assim pode gerar preocupações.
O alerta é também por conta da pouca procura por vacinas. Essa baixa tem ocasionado o risco de reaparecimento de outras doenças, como a poliomielite (ou paralisia infantil).
No caso da meningite, há algumas características pelas quais se faz necessário recorrer ao “bloqueio” da região, como ocorreu na zona leste. Primeiro por ter se tratado de um tipo específico da doença, a meningite meningocócica do tipo C, causada pela bactéria meningococo.
A meningite do tipo C é mais perigosa que os outros tipos da doença, podendo levar à morte. Ela é mais comum em crianças com menos de cinco anos e possui sintomas semelhantes à gripe, como febre alta, dor de cabeça, cansaço e náuseas.
Além disso, ela é contagiosa, podendo ser transmitida por vias respiratórias, através da fala, tosse, espirros ou beijos.
Para o cenário ser configurado como surto é preciso que ocorra três ou mais casos do mesmo tipo de meningite em um mesmo distrito, sem que essas pessoas tenham relação entre si, em um intervalo de 90 dias.
Foi o que aconteceu na Vila Formosa e Aricanduva. Por lá, cerca de 33 mil pessoas foram vacinadas em caráter emergencial.
Celia*, 26, foi uma destas pessoas atingidas pelo reforço da vacinação. Ela é advogada, moradora da Vila Formosa e contou que tomou a vacina no dia 1º de outubro.
“Tiveram duas pessoas na minha rua que se contaminaram com a meningite e avisaram para tomarmos a dose de reforço. Várias pessoas se mobilizaram, avisei meu namorado, minha mãe, todo mundo aqui de casa foi se vacinar”, conta.
Ela destaca a mobilização que houve no bairro. “O pessoal do posto (UBS Vila Formosa II), que fica aqui perto, veio com um microfone nas ruas divulgando. Também me ligaram, já que eu tinha cadastro no posto, e me chamaram para ir tomar.”
“Mas, em contrapartida, a área de aplicação da dose de reforço foi muito restrita. Meu pai, que mora no Jardim Vila Formosa, não pôde tomar porque não se enquadrava na área determinada”, pontua.
A moradora também lamentou o fato do irmão, que mora com o pai, não ter podido tomar a dose de reforço. “Ele sai para trabalhar de ônibus e tem contato com pessoal do meu bairro, mas não mora na área onde houve o surto”, diz.
De acordo com Luiz Arthur Caldeira, da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) da prefeitura, quando há um surto de meningite todos os que moram, estudam ou trabalham naquela região devem ser vacinados.
“Avaliamos que, até o momento, conseguimos conter com eficácia esse surto, haja vista que já faz mais de dois meses que iniciamos as operações [no Aricanduva e na Vila Formosa] e desde então não houve nenhum outro registro de caso de meningite ou qualquer relação com esses casos”, comenta o coordenador.
“Temos por encerrado as atividades de bloqueio e estamos numa fase posterior que é o monitoramento, a vigilância epidemiológica dos casos”
Luiz Arthur Caldeira, da Coordenadoria de Vigilância em Saúde
A quantidade de casos em 2022 é menor que a registrada em anos anteriores. Em 2019, antes da pandemia da covid-19, foram 158 casos, com 28 óbitos. Neste ano, nove pessoas morreram em decorrência da doença.
De janeiro a setembro de 2022 foram registrados 57 casos de meningite meningocócica na capital, sendo que a maioria (cinco) ocorreu no distrito do Jardim São Luís, na zona sul. Não houve uma campanha de vacinação urgente na região por conta do espaçamento entre os casos.
Meningite nas periferias
Por mais que os casos tenham acontecido com maior frequência em distritos periféricos, Luiz Arthur descarta que haja qualquer relação com condições de infraestrutura das regiões.
“Geralmente esses casos estão muito mais relacionados à densidade demográfica, com o maior número de concentração de pessoas.”
“Quando avaliamos as taxas de coberturas, a vacinação básica acaba sendo maior nas áreas periféricas, onde as pessoas são mais ‘sus-dependentes’ do que nas áreas centrais da cidade”
Luiz Arthur Caldeira, da Coordenadoria de Vigilância em Saúde
Ele afirma que a forma mais eficiente de se proteger e impedir o avanço da meningite meningocócica e outras doenças é mantendo o calendário de vacinação sempre atualizado.
“Não há necessidade de fazer grandes ações em massa que não a real atualização das carteirinhas. Então, se você é adulto ou adolescente, e está em dúvida se precisa tomar mais uma dose ou não, nós orientamos que procure uma sala de vacina.”
Atualmente, a vacinação contra a meningite do tipo C é destinada a recém nascidos, com três doses, sendo a primeira aos três meses de vida, a segunda aos cinco meses, e a terceira aos 12 meses. Adolescentes com idade entre os 11 e os 14 recebem outra vacina, que protege para outros tipos de meningites bacterianas.
Em casos de surto, como foi nos distritos da Vila Formosa e Aricanduva, a dose de reforço é aplicada em todos os moradores com idade entre os três meses e os 64 anos.
“Nesse momento, estamos com cerca de 80% da cobertura das vacinas contra meningite. A sociedade em si, no geral, tem uma cobertura relativamente boa para proteger de possíveis surtos. Essas pessoas individualmente, que não estão com a carteirinha em dia, se ficarem de frente a uma infecção como essa, terão uma repercussão catastrófica”, explica o coordenador da Covisa.
No momento, a Prefeitura de São Paulo tem realizado campanhas de imunização para a covid-19, influenza e poliomielite. Esta última foi recentemente prorrogada por tempo indeterminado.
*O nome foi mudado a pedido da entrevistada, por receio de represálias pelo relato apresentado.
Esta reportagem foi produzida com apoio da Report For The World