O artista circense Wesley Cavalcanti dos Passos, 23, morava no Jardim Revista, periferia de Suzano, na Grande São Paulo. No entanto, há 4 meses, seu novo endereço é Wuhan, município da região central da China, cidade que ficou mundialmente conhecida pelo primeiro caso de Covid-19.
A ideia de viajar para a China surgiu em 2020, quando ele recebeu um convite de um amigo brasileiro que já estava no país asiático para participar de um processo seletivo. Na ocasião, a empresa contratante buscava profissionais qualificados de outros países para integrar a equipe, especificamente um pirofagista.
No entanto, devido às restrições impostas pela quarentena, ele não conseguiu seguir com o processo de seleção. Wesley aproveitou esse período para regulamentar os documentos e estudar inglês e mandarim.
Em março deste ano, ele recebeu outra proposta, mas dessa vez era para atuar com palhaçaria. Mesmo não sendo a sua especialidade, o artista passou no processo seletivo e assinou um contrato temporário de 6 meses.
“Inicialmente, estavam selecionados profissionais ucranianos por estar mais próximo da China. Mas, devido ao conflito com a Rússia, passaram a considerar candidatos do Brasil”, explica.
O início na arte
Antes de residir no país asiático, Wesley se apresentava nos semáforos de Suzano, onde se especializou na arte da pirofagia. A paixão pela arte começou aos 16 anos, inicialmente na escrita de poesias e depois na música. No entanto, foi por volta de 2017 que conheceu a magia do circo, e desde então, tem se dedicado integralmente.
Logo após adquirir algumas técnicas básicas de malabarismo com a ajuda de um amigo, Wesley começou a realizar performances nas ruas de Suzano.
“De manhã eu ia fazer as minhas apresentações e à noite eu ia para escola. O dinheiro que eu ganhava ajudava a minha mãe quitar as contas em atraso”, explica.
Nesse período, Wesley conta que enfrentou alguns desafios nas ruas. Como uma vez que quase foi atropelado por um motorista que se incomodou com a apresentação.
“Viver da arte não é fácil. Mas eu nunca pensei em desistir, não. Até porque a maioria das pessoas respeita o nosso trabalho”
Wesley Cavalcanti dos Passos, pirofagista
“Tem a questão da instabilidade financeira também, mas estou conseguindo me virar bem”, completa.
O dia a dia na China
Hoje, ele atua como palhaço no parque aquático Haichang Ocean Polar Park, em Wuhan. Mas também pratica o malabarismo, perna de pau e se especializou na pirofagia. Passou anos estudando e aperfeiçoando as habilidades até dominar as técnicas.
“Eu tive excelentes amigos que me ensinaram muito. Hoje, eu sou especialista em pirofagia, mas acabo fazendo de tudo”, relata.
Em média, o artista faz de 3 a 5 apresentações por dia e conta que, embora esteja bastante corrido, está gostando das novas experiências. “Às vezes eu nem sinto a diferença do público chinês com o brasileiro.”
Apesar do choque cultural, ele relata que está conseguindo superar os obstáculos. Para conversar com os chineses utiliza aplicativos de tradução, mas afirma estar empenhado em aprender o idioma local. O jovem fala inglês e espanhol.
Recentemente, a empresa em que ele trabalha contratou intérpretes, o que facilitou a comunicação com os companheiros de equipe, que possui membros russos.
O espetáculo no qual Wesley faz parte conta a história de três figuras místicas: Robin, o protetor da natureza; o SábioBelugaBranco, um ser que tem a habilidade de conversar com os animais e o vilão Lèsè de Léi, o rei do lixo.
Na trama, Robin e o SábioBelugaBranco lutam contra o Lèsè de Léi para proteger o meio ambiente contra os danos da poluição.
O personagem que Wesley interpreta é o palhaço viajante Xiaolan, que significa o pequeno azul. Ele atua junto com outro artista do Brasil que faz o personagem Da Bai, o grande branco. O papel dos dois brasileiros é interagir e conduzir o público durante as performances.
“Fui orientado pelo contratante a não ter contato físico com o público durante as apresentações. No máximo um aperto de mão ou toque no ombro. Só que eles são tão carismáticos quanto os brasileiros e nos abraçam o tempo todo”, conta Wesley.
Fora do palco, o artista também está conseguindo se adaptar à nova realidade. Nos primeiros meses, conta que foi difícil, mas afirma que têm superado os desafios.
“A comida brasileira sempre vai ser a melhor! Aqui tem alguns pratos bastante gostosos também e, outros bem estranhos, por exemplo, carne de burro. Mas no geral, consigo aproveitar bastante as minhas folgas”, comenta.
O artista circense está orgulhoso da própria trajetória e pretende renovar o contrato de 6 meses. Para ele, o seu principal diferencial está na capacidade de se adaptar a qualquer tipo de situação.
“A imprevisibilidade das ruas me ensinou a lidar com todos os tipos de situações. Afinal, quando se trata da rua, tudo pode acontecer”.
O artista brasileiro sempre sonhou em viajar pelo mundo, antes mesmo de se tornar pirofagista. Hoje, ele afirma que está vivendo uma das melhores fases da vida.
“Ralei muito para estar aqui, mas eu cheguei! Por isso, a gente que vem da quebrada não pode desistir, não. Tem que perseverar”, conclui.