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Professora de alfabetização em Paraisópolis, Mônica é técnica de time finalista da Taça das Favelas

Por: Paulo Talarico

Desde criança, Mônica Melo da Silva, 37, vive o mundo do futebol dentro de casa. Ela cresceu ao lado do espaço onde foi fundado o time do Palmeirinha, uma das principais equipes da várzea de São Paulo e que joga na favela de Paraisópolis, na zona sul da capital. Com o passar do tempo, ela se tornou uma aguerrida conselheira dos treinadores, sobretudo, do irmão, Bruno Melo da Silva, 31. “Ele trocava algum jogador e eu gritava: ‘não pode trocar esse, não pode mudar’. Ficava brigando.”

Apesar disso, ela não dava muita bola quando as amigas brincavam que ela poderia treinar a garotada. “Eu dizia: ‘duvido que esses caras vão me respeitar’”. A situação começou a mudar com a criação do time feminino, há três anos.

Mônica é técnica da seleção feminina de Paraisópolis, que disputa contra o Complexo Casa Verde o título da Taça das Favelas, neste sábado (1º). O torneio reuniu 32 equipes femininas de favelas paulistanas. Já a decisão masculina será no mesmo dia entre Favela 1010 e Parque Santo Antônio.  

O time é formado, na maioria, por jogadoras que fazem parte do Palmeirinha feminino, que conquistou na última semana a Copa da Paz.

“Futebol. Eu já nasci gostando”, afirma. Quando era adolescente, Mônica e o irmão, Bruno, iam escondidos do pai aos clássicos do futebol paulista.

Perto de Paraisópolis está o estádio do Morumbi, quando em um tempo sem jogos de torcida única era possível um corintiano ver partidas como São Paulo x Corinthians e Corinthians x Palmeiras, no estádio tricolor.

“Meu pai dava dinheiro pra gente comprar lanche, e tinha um pessoal que vendia ingresso por aqui. Eu e meu irmão juntávamos para comprar. Íamos escondidos”, relembra.

A técnica Mônica e a auxiliar Genilsa durante partida em que choveu nas quartas de final (Guilherme Bruto/Divulgação)

Mônica é fruto de uma família futebolística. A história começa ainda nos anos 1970. Francisco Luis da Silva, 60, o Chiquinho do Palmeirinha, é o presidente e foi um dos fundadores.  O nome, segundo o time, veio porque entre os criadores, não havia nenhum palmeirense.

Francisco chegou a São Paulo aos cinco anos, de Alagoas, mesma terra que a esposa Quitéria Tavares de Melo Silva, 60. Ambos viram o crescimento de Paraisópolis, ‘desde que era só mato’, se tornar a região de 100 mil habitantes, segundo a associação de moradores.

A mãe ajuda a lavar os uniformes. Além deles, o filho de Mônica também joga futebol, assim como a sobrinha.

Monica foi uma das principais incentivadoras da criação de uma equipe feminina e começou jogando como zagueira. Logo o destino a colocaria definitivamente no comando dos gramados.

Inicialmente, havia três treinadores homens da equipe. Em uma partida há dois anos, os três foram expulsos. As jogadoras ficaram nervosas e queriam que o presidente, Chiquinho, assumisse. No final, coube à zagueira Mônica fazer as vezes de jogadora e de treinadora.

“Achei que dava para ser os dois. Ia ficar no banco, se tiver de entrar, tudo bem, se não, oriento vocês”, ela disse na estreia em um torneio no Grajaú, na zona sul de São Paulo. “Não lembro quem foi que chegou, estava sem roupa, eu tirei e dei o uniforme e falei: ‘me aposentei daqui’”. Ela não largou mais o comando do time.

Treinadora ao lado dos troféus do Palmeirinha; Mônica começou há dois anos (Paulo Talarico/Agência Mural)

ELIMINAÇÃO DO MASCULINO

Antes de iniciar a Taça das Favelas, Paraisópolis tomou um susto. O time masculino foi eliminado na primeira partida e serviu de alerta para o feminino, que jogaria semanas depois.

A estreia feminina foi contra o Morro do Damasceno, time da Brasilândia, na zona norte. Logo de cara um desafio para Mônica: quem seriam as 22 selecionadas para a partida entre as 30 escolhidas. A seleção foi formada após uma peneira e tem atletas de 14 a 29 anos.

“Eu fiquei arrasada para tirar as oito”, relembra. Algumas atletas mais experientes cederam espaço para  as mais novas, e a situação serviu para motivar as que entraram em campo e buscar a virada – o Damasceno abriu o placar logo de cara.

“Vocês vão ter que ganhar o jogo porque as que ficaram de fora querem jogar o próximo”, disse às atletas. No final o time virou e venceu por 3 a 2.

Dali em diante, a equipe passou pelo Complexo BNH, do Grajaú, por 1 a 0. Depois, fez 3 a 1 sobre o Complexo do Caju, do Capão Redondo. Na semifinal, o time goleou o Parque Santa Madalena por 4 a 1 e chegou à decisão.

Entre as dificuldades para chegar à decisão, estava conseguir tempo para treinar. A maioria das atletas trabalha e, de noite, os times masculinos ocupam o campo. Os horários que sobram para se preparar são só sábados pela manhã.

“Mas as competições são no sábado. Se tem competição, não tem treino”. “Estamos na final pelo talento.”

Time acumulou 100% de aproveitamento na competição (Guilherme Bruto/Divulgação)

PRECONCEITO E FALTA DE OPORTUNIDADES

Entre os desafios do futebol feminino, Mônica destaca o preconceito. Lembra que foi questionada ao entrar em um campeonato sobre quem comandava o time. “Cadê o técnico?” “Eu sou a técnica”. A resposta não surtiu efeito.  “Mas cadê o técnico?”.

Além disso, as oportunidades perdidas também são um cenário comum para as jogadoras de Paraisópolis. A treinadora enumera diversas atletas com talento que poderiam ir mais longe e jogar num time profissional. Como Bárbara, “ é a camisa 10 clássica”, a volante Camila, a atacante Quero Quero, Maria. Porém, todas estão já na faixa acima dos 25 anos.

“Me perguntaram lá, quem é sua melhor jogadora. A minha goleira, a Denise. Quantos anos ela tem? Tem 28 ou 29. “Não serve’. Estou fazendo uma peneira, só com 17”, relata Mônica. “Desanima. Parece que passou o tempo”.

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Algumas se dividem em outras profissões como doméstica ou ajudante de cozinha, o que dificulta na preparação física. “Elas não tiveram oportunidade na época certa. Mas elas veem a Formiga [jogadora de 41 anos que jogará a sétima Copa do Mundo] e pensam: ‘por que não?’”.

CARREIRA E FUTURO

Desde 2018, Mônica começou a estudar mais o jogo. “Às vezes eu peco um pouco na tática, mas acerto também. O que mais ajuda no grupo é a conversa”.

Em dois anos, o saldo tem sido positivo. O Palmeirinha ficou em quarto lugar no primeiro torneio de várzea que ela disputou, no Grajaú. Depois, foi o terceiro na Taça da Rainha, vice-campeão do Campeonato do Caju, e campeão da Copa da Paz. Agora, ela espera a conquista da Taça das Favelas.

Mônica na sede do time, na Arena Palmeirinha (Paulo Talarico/Agência Mural)

Será que os resultados a colocam no caminho de treinar um time profissional? “Nunca tive [essa pretensão], sempre gostei da favela mesmo”, afirma. “Porque, apesar do futebol, não é só futebol. É querer ajudar, mostrar caminhos bons. Mas não sei. As pessoas falam, depois disso, vai estudar, não sei. É muita coisa”.

Para Mônica, o trabalho de pedagoga é um dos fatores que ajuda nessa conversa com as jogadoras. Ela dá aula para alunos do primeiro ano do ensino fundamental em Paraisópolis. São 33 alunos, de seis anos, que comemoram as aulas realizadas um dia depois dos jogos. “Eles aproveitam que estou sem voz, não dá para dar bronca”.

Por outro lado, ela conta o quanto se desdobra para manter todas as atividades. Nos últimos meses, ela comandou o Palmeirinha na Copa da Paz, e no fim de semana a seleção de Paraisópolis na Taça das Favelas. “Infelizmente o que eu deixei de lado entre futebol, trabalho e família, tudo, foi minha casa”, conta.

“Costumam dizer que a patroa está brava; lá em casa, o meu patrão está bravo, porque é difícil conciliar casa, filho, marido, trabalho”, conta. “Tenho que me dedicar [no trabalho]. Estou mexendo com vidas, alfabetização deles”.

Mônica até hoje não pode ver o filho jogar – ele atua nas categorias de base do Corinthians, no Parque São Jorge, na zona leste.

“Isso me dói. Porque, toda vez que teve jogo dele, eu estava no jogo das meninas, e só tenho um filho”, diz. “Dói, mas ele entende. Ele tem uma cabeça muito boa, apesar de ser muito novo”.

A campanha até aqui teve 100% de aproveitamento o que tem mobilizado o bairro. “Nunca vi a comunidade de Paraisópolis tão focada numa coisa só. Estou amando isso, pensando positivo numa coisa só”. Cerca de 25 ônibus devem levar moradores para a acompanhar a final no Pacaembu. “Espero que o reconhecimento que está acontecendo agora no futebol feminino continue”.

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