“Mostra mesmo, lotado. Olha o corona aí. Mais de uma hora o ônibus. Filma mesmo moça”. Quem falava era uma passageira ao ver a estagiária Heloisa Aguiar da Silva, 23, mostrando a situação dentro de um ônibus que ia para São Bernardo do Campo.
Apesar da pandemia de Covid-19 ainda ser um perigo, parece que nos ônibus que circulam pela capital e pelas cidades vizinhas, os cuidados contra aglomeração vão sendo deixados de lado. Para os trabalhadores, não há escolha.
Heloísa tem saído de casa para trabalhar durante alguns dias da semana. Moradora do bairro Cooperativa, em relata o problema dos ônibus cheios, situação que não mudou, apesar da pandemia e das orientações médicas para evitar aglomerações. “Todos os dias, aqui no meu bairro, eu pego o intermunicipal e o trólebus lotados. Isso é comum acontecer, mas na pandemia é bem pior”, comenta.
Heloisa diz que o transporte público lotado é comum por ali e que, no começo da pandemia, a frota foi diminuída como medida para evitar o contato das pessoas. Porém, com menos veículos nas ruas, as pessoas esperavam mais tempo nos pontos e, assim, os veículos se mantiveram cheios.
“Os passageiros ficam preocupados, abrem as janelas, usam álcool em gel e se cuidam como podem”. Ela mesma tem medo da contaminação nestes espaços.
A superlotação do transporte público foi uma questão apontada por vários moradores das periferias durante os últimos meses para se proteger do coronavírus. Desde o começo da pandemia, a OMS (Organização Mundial de Saúde) reconheceu que os governos deveriam cuidar da mobilidade urbana para evitar a propagação.
Quem precisa pegar a condução, precisa fazer a limpeza das mãos com frequência, principalmente após tocar em superfícies que possam estar infectadas, assim como o uso de máscaras.
Segundo a pesquisa Viver em São Paulo – Especial Pandemia, divulgada em outubro pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência, para 35% dos paulistanos, os ônibus lotados foram o motivo apontado para não utilizar o serviço.
Em relação a 2019, o uso de ônibus municipais caiu de 47% para 35%. Se for levar em conta o perfil de quem continua a usar o transporte público, a maioria é composta de mulheres, com renda familiar mensal de até dois salários mínimos, das classes D e E, pardos ou pretos, da região sul e com nível de escolaridade fundamental.
Entre os moradores das zonas sul e norte, a lotação foi a principal reclamação sobre o transporte público. Na média, a questão é a mais citada, com 23% das respostas.
Para reforçar os perigos, um estudo feito na capital paulista pelo Observatório de Conflitos Fundiários do Instituto das Cidades da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) concluiu que os trabalhadores mais pobres, que continuaram os deslocamentos para o trabalho durante a pandemia, foram as maiores vítimas da pandemia.
De maneira geral, os distritos com maior número de mortes por coronavírus tinham mais autônomos, como motoristas de aplicativo e entregadores, além das donas de casa. Por outro lado, as mortes foram menores nos locais onde as pessoas usam carros e são chefes de empresas, por exemplo.
Na Grande São Paulo, Heloisa concorda que os mais pobres foram os mais afetados. “Meu pai está saindo todos os dias para trabalhar, igual meus vizinhos. É a faxineira, o segurança. Tem que aumentar as frotas, sobretudo nas regiões periféricas onde estão as pessoas que movem a economia neste momento”, indica.
Para Heloisa, um dos maiores problemas da situação é que idosos e pessoas com comorbidades [doenças que predispõem o paciente a desenvolver outros males], chamados de grupos de riscos, não têm opção para escapar dos veículos lotados.
“Já tinha visto cenas iguais àquelas [dos ônibus cheios], mas neste momento é ainda mais assustador. Olhei para o lado e vi senhoras em idade avançada”, acrescenta.
Ela diz que, apesar das campanhas por conta das eleições 2020 e da pandemia, os governantes não estão levando a sério o vírus. “Ninguém está preocupado com a juventude e com o trabalhador periférico”, resume. “Tem ônibus precarizado que quebra no meio do trajeto, os comércios reabrem e avança de fase [no Plano SP], mas ninguém oferece melhorias para os serviços básicos, como o serviço de transporte”.
A SPTrans diz que, atualmente, o sistema opera com 11.254 veículos nas ruas, o equivalente a 87,83% da frota operacional que circulava antes da pandemia. Afirma que a demanda tem sido bem menor, de 59%.
A empresa afirma que adotou uma série de medidas preventivas sobre a Covid-19, como reforço na higienização dos veículos e nos terminais, inclusive com equipamento automatizado, além do uso obrigatório de máscara no interior dos coletivos. Não há relaxamento destas medidas.
Questionada, a EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos) respondeu que desde o início da quarentena a circulação das linhas é acompanhada diariamente, por faixa horária e em pontos estratégicos da região metropolitana. Esse trabalho é realizado pelos fiscais da empresa e, sempre que constatada a necessidade, novos veículos são colocados em circulação.
Segundo dados enviados, desde julho, a EMTU acrescentou no transporte intermunicipal mais de 584 viagens em 79 linhas na Grande São Paulo.