Acordei mais cedo do que pretendia no dia 30 de janeiro, um domingo. Quando escutei o burburinho desesperado dos meus familiares, me levantei e foi quando percebi: a chuva forte, a TV veiculando os noticiários, as notificações do celular a todo o vapor.
Sabia o que tinha acontecido, porque sei o que significa chover forte quando se mora em Franco da Rocha, na Grande São Paulo. O centro da cidade estava tomado pela água barrenta, e a lama havia destruído diversas casas (e famílias) em um deslizamento.
Eu já havia presenciado isso antes, infelizmente, mas sempre é assustador e frustrante.
O volume da forte chuva que assolou o município, característica do mês de janeiro, chegou a 195 mm em apenas 72h – diferente do ano passado, que choveu 250 mm em 31 dias.
A quantidade de água da chuva transbordou o Rio Juquery e o Ribeirão Eusébio. Com o alagamento do centro, dezenas de comerciantes tiveram prejuízos nas lojas e, por algumas horas, o acesso à Linha 7 Rubi foi interrompido.
Já a represa Paiva Castro deixou a cidade em alerta: às 18h51 de segunda-feira (31), os níveis de água estavam em 78,1%, segundo a prefeitura. Nesta terça-feira, porém, o nível já baixou para 67,8% e a abertura das comportas já não é mais uma possibilidade – o que foi visto como um alívio.
A abertura das comportas é uma solução emergencial para quando uma represa atinge a capacidade máxima e há risco de transbordamento do reservatório ou rompimento da barragem. Quando isso acontece, é possível que ocorram mais alagamentos, como houve em 2011 e 2016. Apesar disso, o estado de alerta ainda é alto.
O volume de água desencadeou um grave deslizamento de terra na rua São Carlos, no bairro Parque Paulista, e atingiu diversas casas. Oito pessoas morreram, dez estão desaparecidas, além de 30 famílias desabrigadas.
Segundo a prefeitura de Franco da Rocha, as vítimas são cinco homens, duas mulheres e uma criança: Diego dos Santos (sem informação de idade), Cleber Bonfim, 37, Anderson da Costa, 26, Vinicius, 13, Amanda Sales, 25, José Ailton Vitor Silva, 30, Adriana da Silva, 33, e Oziel Vitor, 2, sendo os últimos três da mesma família.
De acordo com a prefeitura, a região na qual as vítimas moravam não era um local de alto risco, mas de “risco médio”.
No entanto, os próprios moradores questionam a gestão a respeito da falta de assistência e estrutura de qualidade para morar e, principalmente, o descaso com as regiões mais afastadas do centro da cidade.
Uma funcionária pública da cidade, que preferiu não se identificar por receio de perder o emprego, afirma que tanto no mandato do ex-prefeito Kiko Celeguim (PT) e, atualmente, no mandato do prefeito Nivaldo Santos (PSDB), regiões mais afastadas como Jardim dos Reis, Jardim Alice e o próprio Parque Paulista (local do deslizamento), foram “esquecidos”.
“Ainda existem muitas ruas sem pavimentação, pessoas morando em condições precárias e perigosas, justamente porque não há moradia de qualidade para todos”, conta.
Já Rony Oliveira, 26, diz que a cidade mudou de forma positiva durante ambos os mandatos com a construção do cinema, shopping, parques e aumento dos pontos de comércio. Porém, Rony salienta que as regiões do deslizamento ainda precisam de atenção.
“As mortes poderiam ter sido evitadas, se houvesse mais planos de governo que olhassem para esses bairros”
Rony Oliveira
Nesta terça-feira (1º), o presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve na região. O governo federal disse que irá atender aos pedidos das prefeituras, mas o mandatário disse que faltou “visão de futuro” para quem constrói casas em áreas de risco.
“Ninguém mora em morros porque quer, e sim porque foi necessário”, comenta Rony.
Nesta terça-feira, 150 pessoas, entre moradores voluntários e bombeiros, estão engajadas nas buscas das vítimas desaparecidas nos escombros. Na página da prefeitura, há detalhes sobre as doações para as famílias desabrigadas.
Sobre as queixas dos moradores, a prefeitura afirma que “realizou, em 2021, mais de 50 obras de infraestrutura, grandes e pequenas, em diversos bairros da cidade”.
“Sabemos que são muitas carências, mas estamos trabalhando para cumprir os compromissos assumidos com a população e o programa de governo para estes quatro anos”, completa a nota.
Áreas de atenção
Apesar do deslizamento que ocorreu no Parque Paulista, ainda existem diversos pontos de atenção pela cidade. Um exemplo é a Rua Gravatá, onde eu moro, por sinal.
Temo pela vida e pela casa dos meus vizinhos: suas residências são estruturadas na Rua Bragança, um morro localizado na parte de trás e que já deslizou um pouco na manhã do domingo. Se chover da forma como ocorreu mais uma vez, os muros não resistirão. É mais uma pavimentação em atraso – apesar da placa que sinaliza a reforma.
Em um post no Instagram, a prefeitura conta que recebeu mais de 4 toneladas de doações de alimentos, água, roupas e que montou dois abrigos para receber os moradores que perderam as casas e pertences. Os moradores da cidade também estão se mobilizando por conta própria para arrecadar alimentos e outros mantimentos entre os bairros.
*Correção: Diferente do publicado inicialmente, a Prefeitura de Franco da Rocha disse que a área afetada pelo deslizamento no Jardim São Carlos não era de “alto risco”, mas que havia risco médio, Inicialmente, publicamos que a gestão disse não ser “área de risco”. Texto alterado em 1/2, às 22h01.