A figura do pai esteve ausente na vida do analista júnior Fernando José Assis, 30. Morador de Itaquera, na zona leste de São Paulo, quem assumiu para valer o papel foi a mãe dele, Rosangela Soledade da Silva, 48.
Ela trabalhava em dois empregos para manter o sustento da família. De dia, era funcionária de uma gráfica. Quando caia a noite, trabalhava em um hospital.
“Lá do hospital eu ligava para ele levantar e tomar banho, se trocar e ir para escola”, conta a mãe, que ainda tinha forças para preparar a comida e deixar no microondas.
A realidade vivida pela família é a mesma de 11 milhões de mães que criam sozinhas os filhos no Brasil, segundo os dados mais recentes do IBGE.
E foi com o aprendizado que teve com a mãe solo que Fernando diz que quer ser diferente com a filha Manuela Carvalho Assis, 6.
Ele descobriu que seria pai aos 24. Na época, estudava informática numa ETEC (Escola Técnica do Estado). Tomou um “sustinho”, como diz, mas depois se sentiu feliz com a novidade.
Como Rosangela, teve que se desdobrar até se acostumar com a responsabilidade de tomar conta de uma vida. “Foi punk, trabalhar e estudar, chegar em casa de noite e dar uma atenção para ela. Morava eu, minha mãe, a minha ex-mulher”, lembra Fernando.
Com o término da relação com a ex-esposa, Manuela passa o dia na casa de Fernando e, de noite, fica com a mãe, Jéssica. Aos fins de semana, visita parentes e amigos. Faz questão de manter contato amigável.
“A gente não está mais junto, porém um quer o bem do outro e os dois querem o bem da Manuela”. O fato de Manuela ter mãe e pai presentes deixa Fernando contente. “Quando é dia dos pais ou dia das mães, eu falo que é dia de pãe. Pai misturado com mãe.”
ESCOLA
Ao acompanhar a filha na escola, confessa que não foi dos alunos mais aplicados. Lembra que uma professora o chamou de ‘rei da bagunça’, o que levou a uma bronca memorável da mãe. Hoje, tem se empenhado para acompanhar o ritmo. “Muita atividade, e, às vezes, não tem as coisas que precisa, borracha, papelão, revista.”
As horas vagas são preenchidas com as mais diversas brincadeiras. Esconde-esconde, subir na laje para ver pipas no céu, jogar Uno e aproveitar as tecnologias do momento, como gravar vídeos para o Tik Tok. Tímida com a reportagem, a filha resume como ‘legal’ os últimos dias com o pai.
A facilidade de aprendizado com os dispositivos impressiona Fernando. “Ela sabe falar as coisas em inglês por conta do telefone.” Devido a pouca idade, ele monitora o conteúdo consumido pela filha, para um uso mais saudável do smartphone.
Durante a quarentena, ele tem trabalhado em regime homeoffice. Ele e Manuela ficam “100¨% dos dias dentro de casa, na semana a gente cumpre à risca”.
Enquanto trabalha, a filha passa o dia brincando e realizando os trabalhos escolares. Rosângela é quem mais sai de casa, trabalha durante o dia como técnica de segurança do trabalho, e chega por volta das 19h.
MACHISMO
É certo que situações de contexto machista irão aparecer ao decorrer da vida quando é necessário criar uma filha. Fernando diz que ser criado pela mãe contribui em ter outra visão. “Ela me ensinou muito. Eu tenho muito respeito.”
Quando ouve indagações do tipo “você fez uma filha mulher, tá ferrado hein?”, responde prontamente: “Tá ferrado por quê?”, questiona. “Aos pais de meninos, criem homens, não criem moleques, porque eu sou homem, fui criado pela minha mãe, ela me ensinou respeito.”
Ao oferecer um buquê de flores para a atual namorada, também oferece outro para a filha. “O pessoal de antigamente fazia isso, mas se você preparou ela, ela não vai se iludir fácil. ‘Ah, eu já recebi um milhão de buquês do meu pai’”.
Além de Rosangela, as tias e uma vizinha de confiança ajudaram na criação de Fernando. “Fui ver o meu filho só quando tinha 15 anos, quando tive tempo de ficar com ele. Parque, zoológico, minhas irmãs que levavam”.
Fernando cita que quer ser presente na vida da filha e se inspira no que a mãe fez por ele. No peito dele, está gravado em forma de tatuagem um coração sustentado por asas trás no centro o escrito “Mãe”.
Carrega consigo a inspiração de quem precisou fazer os dois papeis. Muitas vezes, em momentos difíceis em que precisou ser mais rigorosa como conta Rosangela. “Eu quebrei um videogame dele, um Atari. ‘Eu tô quebrando pra não quebrar você!’ E tá aí esse homem, graças a Deus”, conta.
“Pego no pé da Manuela, igual a minha mãe pegava no meu”, diz. “Se conseguir seguir à risca o que minha mãe fez comigo, e eu vou seguir, a Manuela vai ser bem melhor que eu.”