Ter um time de várzea em São Paulo pode render prêmios curiosos. É possível garantir R$ 50 mil para dividir com os atletas, ganhar um ônibus para ajudar no transporte dos jogadores ou mesmo receber um troféu que simboliza a joia do ex-presidente africano, Nelson Mandela, morto em 2013.
Estas são algumas das possibilidades para centenas de times que todos os fins de semana entram em campo pelas periferias da Grande São Paulo. O futebol de várzea movimenta milhares de moradores pelos campos de terra ou arenas de futebol society.
Cada vez mais organizados, as competições também têm chegado a estádios de futebol profissional como o Pacaembu, na capital, e o Distrital do Inamar, em Diadema.
Mas quais são os principais torneios da cidade? A Agência Mural listou algumas das mais importantes competições paulistanas e da região metropolitana e conta um pouco da história dessas disputas varzeanas.
Copa Martins Neto
Considerada pelos times como a Premier League da Várzea (o símbolo do torneio também é inspirado no Campeonato Inglês), a Copa Martins Neto começou em 2014 com apenas 16 times e, em 2019, chegou a marca de 160 equipes participantes. Em cinco anos, cresceu dez vezes.
São utilizados 14 campos para a realização do campeonato divididos nas quatro zonas da capital. Cada região terá 32 equipes, exceto a zona leste, onde 64 foram inscritas devido ao grande número de agremiações da região.Os jogos estão na reta final e podem ser conferidos na página do torneio.
Cada área da cidade terá um campeão que receberá R$10 mil em prêmio. Os quatro vencedores farão as finais. Quem levar o título coloca mais R$ 20 mil na conta. O último campeão foi o Primos F.C. do Jd Princesa, time da zona norte de São Paulo.
A Copa Martins Neto ainda possui uma segunda divisão, a Série B.
Copa Pioneer
Com a mais alta premiação em dinheiro entre os torneios da várzea (R$ 50 mil ao campeão) e com uma organização de nível profissional, a Copa Pioneer é considerada uma das mais importantes do futebol de várzea paulistano. O nome do torneio remete a equipe da vila Guacuri, zona sul, time fundado há 37 anos.
É importante salientar a pronúncia do nome do time, que é o mesmo da copa. Se diz ‘Piôner’, de pioneirismo, e não ‘painer’, versão americanizada que alguns insistem em usar. Os torcedores costumam corrigir quem diz o nome errado na arquibancada.
O empresário Sérgio ‘Pioneer’, que já foi presidente do time e hoje faz parte da diretoria, é quem está à frente da Copa também chamada de Champions League da várzea. O torneio é realizado no primeiro semestre e o Barro Branco, de Cidade Tiradentes é o atual campeão.
Copa da Paz
A arena do Palmeirinha em Paraisópolis é um dos principais campos da várzea de São Paulo e recebe diversas competições. A mais tradicional é a Copa da Paz, que está na 12ª edição e tem versão masculina e feminina. Atualmente, são 40 times na peleja disputando o troféu de campeão.
A premiação para o campeão e vice é de R$ 30 mil e R$ 10 mil, respectivamente. O torneio é mais um que tem atraído patrocinadores. Tanto que, neste ano, o congresso técnico para o sorteio dos grupos foi feito em uma mansão no bairro do Morumbi.
O mascote é uma pomba branca que simboliza a paz. O último campeão foi o Pioneer.
Na versão feminina, duas edições já foram disputadas (não houve competição em 2018). Com 12 equipes, divididas em três grupos com quatro times cada. A premiação está longe de ser parecida com a competição masculina. A campeã leva para casa um prêmio no valor de R$ 1.500, troféu e medalha, e a vice fica com R$ 700, mais troféu e medalhas.
A edição de 2019 foi vencida pelas donas da casa, a equipe do Palmeirinha de Paraisópolis, time que foi a base da equipe de Paraisópolis, vice-campeã da Taça das Favelas.
Filhos da Terra e Copa Paraisópolis
Entre os torneios da Arena Palmeirinha está a Copa Filhos da Terra, competição que vai para a segunda edição. A premiação é de R$ 30 mil para o primeiro colocado e R$ 10 mil para o segundo.
São 40 equipes divididas em oito grupos com cinco times cada. O torneio foi criado pela equipe Filhos da Terra F. C. O time criado em 1992 tem como lema ser composto de jogadores “filhos do terrão”, campos de terra da várzea. O mascote mostra bem a ligação com a terra: um Tatu, com cara de invocado e muito musculoso.
Também é disputado na região a Copa Paraisópolis. O torneio é organizado pela diretoria do Palmeirinha do Jd. Paraisópolis. Ao todo, a Copa distribui R$ 21 mil em prêmios, sendo RS 15 mil para o campeão e R$ 6.000 para o vice.
O campeonato também dá vaga para a Copa da Paz, que tem os mesmos organizadores: a equipe campeã fica isenta da taxa de inscrição que atualmente é de R$ 2.000. O torneio é realizado entre janeiro e abril e o último campeão foi o Esporte Clube Piauí, do Jardim Nakamura, zona sul.
Copa da Rainha
Atualmente, é a principal competição feminina da várzea de São Paulo. Teve a primeira edição em 2018 e contempla a equipe campeã com R$ 2.000 e a vice com R$ 800. Além disso, ambas recebem uniformes completos, medalhas e troféus.
O torneio ainda oferece prêmios para a artilheira, melhor goleira e craque da competição — sendo este último chamado de Troféu Maria Esther Bueno, homenagem a tenista brasileira mais importante da história.
A Copa da Rainha tem buscado fazer parcerias com faculdades para ter bolsa para as melhores jogadoras. A jogadora Thaís Nunes (Thaisinha), meia atacante da seleção brasileira, é a madrinha da competição.
A primeira edição contou com 14 times. Neste ano, a organização pretende expandir para 32. A taxa de inscrição é a doação de 64 cestas básicas (duas por time) que serão distribuídas em ONGs da região de São Paulo. A final está prevista para o mês de outubro. Haverá jogos na zona sul e zona leste.
Copa Negritude
Com a ideia de visibilização da causa negra no futebol de várzea, a Copa Negritude está na 20ª edição. Fora o próprio nome, o torneio tem o troféu “Joia de Madiba”, em referência ao ex-presidente da África do Sul e combatente pelos direitos civis dos negros, Nelson Mandela, o Madiba.
Quem organiza a competição é o time do Negritude, fundado em outubro de 1980, na Cohab 1, zona leste. Os fundadores da equipe eram frequentadores de bailes black.
Durante um período, a agremiação teve que mudar de nome para Alvi Negro, para conseguir fazer o registro na Seme (Secretaria Municipal de Esporte e Lazer). Na época, diziam que o nome poderia gerar “conflitos raciais”. Em 1986, voltaram com o nome original.
A Copa Negritude é uma das mais abrangentes da várzea, pois reúne seis categorias entre infantil e master, Sub 11, Sub 13, Sub 15, Esporte (a principal), Master 40 , Master 50 e Master 60, totalizando mais de 100 times em disputa.
O torneio é disputado durante todo o ano. Na categoria principal, o atual campeão é o Botafogo de Guaianases, da zona leste.
Copa do Busão
Um ônibus. É o que garante o campeão da Copa do Busão, torneio realizado na Toca da Coruja, campo da Vila Izabel, em Osasco, na Grande São Paulo. A competição é organizada pela Associação Atlética Vila Izabel.
O torneio é disputado entre os meses do final e do começo do ano, e conta com 40 equipes de toda a região metropolitana de São Paulo. Elas são dividas em oito grupos e os dois primeiros de cada chave avançam para as oitavas de final.
O vencedor leva um veículo no valor de R$ 80 mil, além de troféu e medalhas. O atual campeão é o Gardenais F.C. de Carapicuíba.
Copa Nove de Julho
Mas não é só a Copa Busão que garante um ônibus. Criada por um dos times mais antigos da várzea paulistana, a Copa Nove de Julho já está no nono ano de existência, na Casa Verde, zona norte da capital, e também premia com um veículo no valor de R$ 35 mil.O torneio começou em maio e tem disputas no Campo do Netritude, na Cohab 1, zona leste, e do Vida Loka, na Brasilândia, na zona norte.No ano passado, o Aliançados de Osasco foi o campeão.
A equipe do Nove de Julho foi fundada em 1954 e tem as cores e o escudo inspirados no time do Santa Cruz, de Pernambuco. O mascote é um Pitt Bull, em referência a garra dos jogadores.
A equipe foi campeã das principais competições da várzea, entre elas a última edição da extinta Copa Kaiser em 2014. Também revelou jogadores para o futebol profissional, dentre eles o atacante Jorge Preá (ex-Palmeiras) e o atacante Robinho (Fluminense (RJ), América MG e hoje defende o CSA).
Copa Rebote
A Copa Rebote está na 21ª edição. Organizado por uma liga de futebol amador sediada em Santo Amaro, na zona sul da cidade. A competição tem 32 participantes. Ao todo, são R$ 15 mil para o campeão e R$ 7.500 ao vice. A liga mantém um site em que você pode acompanhar a tabela de jogos, artilharia e outras informações sobre o campeonato.
A final da Copa Rebote está marcada para o dia 25 de agosto, no CDC Petronita, no Grajaú. Duas equipes do Jardim Eliana disputam a taça: Águia Negra encara o União dos Novos Baianos.
A Liga Rebote também organiza a Copa Leões com 64 equipes. Já foram 22 edições. O campeonato no segundo semestre tem predominantemente times da zona sul de São Paulo. O campeão leva a quantia de R$ 25 mil. O vice fica com R$ 10 mil.
Origem da várzea
SEIS FATOS PARA ENTENDER A HISTÓRIA DO FUTEBOL VARZEANO
CHEGADA DO FUTEBOL AO BRASIL. Em 1894, o brasileiro descendente de ingleses Charles Miller chegou ao país com um livro de regras, duas bolas de capotão, um par de chuteiras e uma vontade incontrolável de juntar uma turma para jogar ‘football’.
No início praticado somente pela elite cafeeira paulista e por funcionários estrangeiros de empresas de infraestrutura, o football era considerado esporte das elites. Mas não demorou para que todos se apaixonassem e desejassem praticar o novo esporte.
BOLA ROLANDO NAS MARGENS. Quando os rios Tamanduateí e do Carmo (localizados na região central da cidade, Várzea do Carmo) baixavam de suas cheias, a vasta e plana várzea que surgia era perfeita para que imigrantes e negros, que correspondiam a classe trabalhadora e eram moradores daquele local, pudessem organizar as partidas.
DISTINSÃO DO PROFISSIONALISMO. A prática ficou conhecida como ‘futebol de várzea’, ou seja, aquele futebol que era praticado nas várzeas da capital. Com a profissionalização do futebol na década de 1930, o termo passou a separar mais a prática, como uma conotação pejorativa.
VÁRZEA NÃO É BAGUNÇA. Ainda hoje, o termo “várzea” é utilizado para denotar “algo bagunçado” ou “mal feito”. Comparação injusta, na avaliação dos boleiros que disputam torneios no fim de semana.