Fui convidada para participar de uma turnê cultural e política na França com mais um artista e um produtor cultural com duração de 25 dias. Ao ser conectada pelo coordenador e idealizador do projeto, eles me informaram que passaríamos por diversas cidades conectando artistas, produtores, políticos, participando de rodas de diálogos. Duas semanas seriam em atividades pelas periferias de Paris.
“Oi ? periferia de Paris? Mas gente… e Paris tem periferia?” Foi a primeira coisa que pensei.
O “Connexions Périphériques” fez o sentido inverso do roteiro turístico mais famoso do mundo e, sim, Paris tem periferias e, igual ao Brasil, elas são maioritariamente ocupadas pela população negra – que é imensa na França devido ao processo de migração, que se intensificou no período chamado de “descolonização” em diversos países africanos, que haviam sido invadidos por europeus.
A maioria desses imigrantes ocupam cargos de setores que demandam mão-de-obra braçal tradicionalmente não ocupados pelos franceses.
Sempre que chegávamos na pauta da escravidão em alguma atividade, para justificar como ela é a génese de todas as mazelas da sociedade brasileira e também responsável pelo surgimento das favelas pós-abolição (pois era uma grande curiosidade da parte deles), algum francês dizia: “Aqui a gente não escravizou”.
Oi? Pode até parecer impressão minha, mas eu percebia um “orgulho” por não terem escravizado em território francês, mas esse pensamento ao meu ver é algo que já está inserido no imaginário coletivo da população francesa e deve ter sido aprendido na escola, pois ouvi essa justificativa demasiadamente.
“Mas qual é a diferença? Por que não consigo entender o que é pior: ser escravizado em seu território ou no do seu colonizador.”
A França foi um dos maiores controladores do tráfico de escravos e responsável pelo envio de milhares de negros a América (Novo Mundo).
Porém, diferente do Brasil já é possível encontrar muito negros ocupando cargos importantes e influenciando a cultura e a política francesa.
Mesmo em bairros periféricos, que na estrutura brasileira seriam facilmente chamados de bairros de classe média, é muito comum encontrar negros dirigindo um carro bom – sempre que eu falava isso para algum francês que ficava emocionada de ver tanto negro dirigindo uma BMW, eles não entendiam o motivo e achavam engraçado.
Tem coisas que não dá para explicar e só quem é afro-brasileiro vai entender do que eu estou falando. É sobre pertencimento! Sentar na mesa de um restaurante mais ou menos caro ou caríssimo e não ser o único negro ocupando aquele lugar é uma sensação que todo negro deve vivenciar.
Como diz um velho amigo meu: “Somos uma estagiária nessa sociedade, quando Portugal estava invadindo nossas terras, na Europa estava acontecendo Revolução Francesa, então calma, bixa, um dia vai dar certo!” É uma luta que ainda estamos engatinhando, mas, com toda certeza, as próximas gerações dos negros brasileiros não só estarão dirigindo várias BMWs, como também estarão a frente dos espaços de tomadas de decisões, sem ser uma exceção.