Quando a pandemia de Covid-19 teve início no ano passado, piadas gordofóbicas chamaram a atenção de Adriana Santos, 37, coordenadora nacional do movimento Vai Ter Gorda, projeto iniciado em 2016, no Nordeste de Amaralina, em Salvador.
“Surgiram logo aqueles cards falando sobre o antes e depois da quarentena, como a pessoa ficaria gorda e feia depois; isso entre vários posts que se propagaram associando o corpo gordo a uma coisa ruim. Um discurso muito falido e cruel, que humilhou e violentou muitas mentes das pessoas gordas”, avalia.
Para Adriana, que não vê graça nas associações, as pessoas com obesidade deveriam ser levadas a sério na fila da vacinação.
“No início da pandemia, os primeiros estudos sobre a questão dos grupos de risco caracterizavam o corpo gordo como um dos mais propensos a adquirir o coronavírus, e hoje quando a gente vê a questão da vacinação, essas pessoas deixam de ser prioridade”.
Por conta da pandemia, as atividades do projeto foram suspensas. O foco passou a ser a luta pela vacina. Disposta a transformar essa ação na prática, Adriana foi uma das participantes da audiência pública virtual que debateu a obesidade como fator de risco na pandemia, na última terça-feira (17), na Câmara dos Deputados. A ideia é levar ao Ministério da Saúde o pedido de inclusão da obesidade como fator de priorização da vacina no país.
“Colocamos na audiência que não dar a vacina para pessoas que têm obesidade é gordofobia. As próprias articulações da vacinação, de imunização, esquecem de colocar como prioridade a pessoa que tem obesidade, mas que durante toda a pandemia foi caracterizada como sendo de risco”, diz Adriana.
Entre os participantes da audiência, o médico Fabio Vegas, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, destacou em números os perigos para as pessoas com obesidade no cenário atual.
“Recentemente, tivemos o grande dissabor de descobrir que obesidade é fator de risco para Covid-19. É um fator de risco grave porque 46% dos obesos têm mais risco de adquirir Covid. O paciente obeso tem 113% mais risco de precisar de internação hospitalar, 74% mais risco precisar de uma UTI e 64% mais risco de ser intubado”, listou.
Adriana lamenta ainda a morte de uma das integrantes do movimento que contraiu o coronavírus recentemente. “Ela não era uma pessoa gorda, obesa, mórbida, ela era apenas obesa. Se tivesse tomado a vacina, se tivesse sido imunizada, talvez ela ainda estivesse viva”, diz.
MOVIMENTO PELA AUTOESTIMA
Fundado por Adriana Santos, o Vai Ter Gorda iniciou suas atividades com apenas 15 mulheres e atualmente tem uma equipe de 150 pessoas espalhadas por todo estado. Como objetivo principal, o movimento busca resgatar a autoestima de mulheres pretas e gordas das periferias.
Em cinco anos, o projeto já levou prêmios como o 1° lugar no concurso Miss Bahia Plus Size, em 2013, e o 5° lugar no concurso Mulheres que fazem a diferença, em 2018.
Mulher preta, gorda, mãe solo e moradora do Nordeste de Amaralina, em Salvador, a trancista Gilsilene Araújo, 24, é uma das jovens integrantes do movimento. Convidada por Adriana, Gilsilene já fez um ensaio fotográfico para uma agência internacional e participou do ato no Dia Internacional Contra a Gordofobia, em Ondina, no ano passado.
“Hoje sou uma mulher empoderada e entendo meu lugar no mundo, o lugar de possibilidades, de escolher quem desejo ser e não o que me foi rotulado, o Vai Ter Gorda me ajudou a construir essa base não apenas para mim mas para todos ao meu redor e principalmente para meu filho”, diz a mãe orgulhosa. “Ele pega o pente garfo e arma o seu próprio black.”
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Para a psicóloga Tatiana Mendes, o exemplo de Adriana mostra como as bases são positivas na criação dos jovens negros. “Esse método de criação fortalece as crianças para futuros problemas sociais, pois elas compreendem toda resistência histórica do povo preto e percebem a real beleza na sua ancestralidade.”
A psicóloga destaca ainda os impactos que a gordofobia pode gerar nas pessoas. “O fato de vivermos numa sociedade com visão de corpo e beleza padronizada nos faz rejeitar tudo fora dele. As redes sociais nesse ponto reforçam esse padrão, gerando um adoecimento das pessoas, principalmente sendo mulher preta e gorda.”
Parte dos 5% dos homens integrantes da equipe do movimento, Paulo Arcanjo, 29, é coordenador do núcleo de comunicação do projeto. “Me sinto super representado. É lindo colaborar para o crescimento de mulheres e gostaria que mais homens se aproximassem porque essa é uma luta conjunta e todos podemos crescer juntos.”