Em conversa com a Agência Mural sobre propostas para periferia, candidata do PSol promete fomentar iniciativas locais
Durante a campanha eleitoral a Agência Mural procurou os candidatos à Prefeitura de São Paulo para um bate-papo sobre as propostas para a periferia da cidade. Às vésperas da eleição, apenas Luiza Erundina (PSol) e Fernando Haddad (PT) conversaram conosco, os demais candidatos foram procurados ao longo de um mês, mas não concederam entrevista.
Entre promessas, a candidata disse que quer reverter a segregação socioespacial existente, erradicar o analfabetismo, abrir mais salas de cinema nas periferias e prosseguir com a implantação do plano cicloviário da cidade.
“Implantaremos 100 km/ano de ciclovias ou ciclofaixas na malha viária existente, mas considerando a demanda dos cidadãos, as características do bairro e a integração com os outros meios de transporte”, afirmou.
Em 1988, Erundina elegeu-se prefeita da maior cidade da América Latina, sendo a primeira mulher a assumir o cargo na capital paulista. A paraibana, de 81 anos, é assistente social e deputada federal pelo Estado de São Paulo.
Ela respondeu questões sobre cultura, educação, moradia e Saúde, segurança e transporte na periferia.
Agência Mural: O que é preciso fazer para tornar viável a ida das empresas que estão na região central para as periferias?
Luiza Erundina: Em primeiro lugar, é preciso, no geral, descentralizar a gestão pública e os investimentos da Prefeitura. São Paulo é uma cidade que tem pelo menos 32 “municípios” dentro dela, com características diversas e particularidades. Tratar todos de maneira uniforme é um equívoco. Por isso, vamos fomentar a geração de emprego e renda por meio de negócios e iniciativas locais, que podem envolver pequenas empresas. Nosso objetivo é criar núcleos de desenvolvimento local baseados no microcrédito, ampliando e agilizando a ação da Agência de Desenvolvimento de São Paulo.
AM: Como a candidata pensa a relação da capital com a Região Metropolitana? Deveria haver mais planejamento integrado entre as cidades?
Erundina: Sem dúvida. Diversos aspectos da vida da cidade de São Paulo são impactados pelo que ocorre nos municípios vizinhos, e vice-versa. O planejamento dessas cidades não pode seguir sendo feito de maneira isolada. É fundamental ampliar a articulação entre as diferentes gestões da Região Metropolitana e desenvolver estruturas que possibilitem um funcionamento conjunto no cotidiano das cidades. Por exemplo, no campo do transporte, vamos criar a Autoridade Metropolitana de Transportes Urbanos da Grande São Paulo, valendo-se da articulação com a região metropolitana e do instrumento de consórcio público.
AM: Em que sentido seria viável ceder a administração dos corredores de ônibus às empresas privadas? Seriam administrados por uma única empresa ou um consórcio de empresas?
Erundina: Nossa candidatura é contrária à ampliação das terceirizações na cidade de São Paulo. Empresas podem ser parceiras do poder público na prestação do serviço de transporte, mas a responsabilidade pela administração dos corredores e pelo serviço como um todo que é oferecido à população deve ser sempre da Prefeitura. É o Estado que administra a cidade sem visar o lucro e sem colocar o critério econômico acima dos direitos dos cidadãos. Por isso, para nós, ceder a administração dos corredores à iniciativa privada não é uma proposta viável.
AM: Como a senhora vê a questão da mobilidade urbana em uma cidade como São Paulo?
Erundina: O PSOL defende políticas públicas de mobilidade voltadas ao combate da ampliação da desigualdade social e da segregação. Para nós, a mobilidade urbana é direito social — junto com moradia, alimentação, saúde entre outros direitos -, e isso contraria a compreensão do transporte como uma mercadoria. Portanto, nosso compromisso é efetivar o transporte como um direito social, viabilizando o atendimento das demandas da maior parte da população, que sofre, nas periferias, não apenas com o trânsito mas com a qualidade do serviço de transporte público que é prestado. Nossa prioridade será o transporte público, coletivo e ativo (pedestres e bicicletas), impulsionando as formas de locomoção não centradas no automóvel individual e particular, e dando às pessoas condições de definirem as políticas públicas em torno da mobilidade urbana, sempre de forma democrática.
AM: Quais são as alternativas para melhorar o trânsito nos horários de pico nas periferias?
Erundina: Entre as medidas operacionais para desafogar o trânsito estão: (a) priorizar o fluxo dos corredores e vias de ônibus, valendo-se das novas tecnologias; (b) nova política de uso dos estacionamentos públicos e privados; © incentivo do uso do transporte compartilhado e colaborativo; (d) viabilizar a criação de linhas que circulem dentro dos bairros; (e) experimentar a tarifa zero dentro dos bairros e aos finais de semana; (f) e assegurar o respeito aos usuários do sistema, tendo como metas: a revisão da frequência de ônibus aos sábados e domingos, em diálogo com os cidadãos; operação 24h, segurança, iluminação; seguimento à política de corredores e faixas exclusivas de ônibus, com a infraestrutura necessária, pavimentação propícia, pontos de ultrapassagem e paradas com estrutura de proteção e bem-estar dos usuários.
AM: De que forma será feita a manutenção das ciclofaixas? Qual será a periodicidade? Como pretende garantir a segurança dos ciclistas da periferia?
Erundina : É preciso planejar, aumentar segurança e qualidade das ciclovias, levando-as para a periferia de maneira integrada com terminais de ônibus e estações do metrô. Não adianta pensar numa regra única para a manutenção e expansão das ciclofaixas na cidade porque cada bairro tem especificidades, inclusive em termos de topografia. Neste sentido, em diálogo com a população — e não de cima pra baixo — vamos prosseguir a implantação do plano cicloviário da cidade, revendo as situações mal implantadas e melhorando a sinalização, evitando risco aos ciclistas. Implantaremos 100 km/ano de ciclovias ou ciclofaixas na malha viária existente, mas considerando a demanda dos cidadãos, as características do bairro e a integração com os outros meios de transporte. Faremos isso integrando as ciclovias com os terminais de ônibus e estações do metrô e ouvindo a população local sobre suas necessidades. Por fim, e não menos importante, vamos desenvolver projetos de educação e convivência no trânsito e manter a política de redução de velocidade dos automóveis visando a redução de acidentes.
AM: O asfalto, assim como sinalização de trânsito — faixa de pedestres e semáforos -, segue muito pior na periferia do que em ruas do centro. Há como mudar isso um dia?
Erundina: Sim, e este é o tipo de problema que pode ser resolvido no curto e médio prazo, principalmente acerca da sinalização. Basta inverter prioridades e centrar a lógica de funcionamento da Prefeitura no combate às desigualdades regionais. Se as periferias, em sua diversidade, forem priorizadas pela gestão pública, não apenas a questão do trânsito, mas da saúde, educação, transporte e emprego podem avançar significativamente.
AM: Avalia a ideia de fazer cobrança dos ônibus por distância percorrida, em vez de uma tarifa única para qualquer viagem, como é hoje?
Erundina : Não, pelo contrário. O trabalhador que mora longe de seu local de trabalho não pode ser ainda mais penalizado com um custo mais alto da tarifa. Como dito anteriormente, entendemos o transporte como um direito social e, portanto, é dever do Estado de oferecê-lo com qualidade à população, principalmente àquela que mais precisa. Por isso, queremos avançar numa política tarifária social, baseada na transparência das planilhas de custo das empresas concessionárias e que inclua a perspectiva de tarifa zero dento do Plano de Mobilidade Urbana.
AM: Na periferia, enfrentamos muitos problemas ao recarregar o Bilhete Único nos terminais e pontos de autoatendimento — há longas filas e os equipamentos quase sempre ficam “em manutenção”. De que forma pretende mudar a situação?
Erundina: Isso é um total desrespeito com os cidadãos e cidadãs. Vamos ampliar o número de pontos de recarga do Bilhete Único e garantir que os pontos já existentes funcionem na prática. É um tipo de problema que não tem qualquer justificativa para seguir como está.
AM: A maioria dos cinemas e centros culturais se concentram no centro. Você pretende levar mais desses equipamentos até as periferias?
Erundina: Quando fui prefeita de São Paulo (1989–1992), elegemos a cultura como um valor fundamental para o exercício da cidadania, não apenas dos segmentos privilegiados — que sempre tiveram acesso a esse bem — mas, especialmente, dos setores da população que sempre tiveram dificuldade em acessar ou mesmo em fazer cultura a partir da sua realidade. Vamos voltar a trabalhar desta maneira por meio de projetos como o Cultura em Rede, que vai assegurar que toda subprefeitura conte com, ao menos, um teatro, uma biblioteca, um cinema, um museu e um espaço para oficinas culturais, cursos de iniciação artística e exposições. Também vamos consolidar o programa SpCine, por meio da abertura de salas de cinema nas periferias e transformar o SpCine em agência de fomento à produção e distribuição audiovisual.
AM: Na gestão Haddad, o município de São Paulo aderiu pela primeira vez ao Programa Cultura Viva, reconhecendo e conveniando 85 Pontos de Cultura com a prefeitura. As organizações selecionadas por edital público receberam aporte financeiro para realização de seus projetos. Contudo, muitos problemas estão sendo enfrentados por essas organizações, como atrasos no repasse da primeira e da segunda parcela do convênio, que fizeram as atividades serem interrompidas e afeta diversas comunidades. Como é possível solucionar esses problemas e qual o futuro do Programa Cultura Viva no município, caso a senhora seja eleita?
Erundina: Em primeiro lugar, é preciso solucionar os convênios já firmados, cobrando do governo federal o repasse da sua parcela dos recursos e garantindo que o total devido chegue até os Pontos de Cultura e organizações. Feito isso, vamos trabalhar para ampliar o programa, fomentando sobretudo iniciativas no âmbito da Cultura Digital; Cultura e Saúde; Economia Solidária e Cultura; Agentes Jovens de Cultura; Griôs e Mestres da Cultura tradicional transmitida pela oralidade; Escola Viva; Pontos de Leitura; Pontos de Memória; Pontos de Mídia Livre; Pontinhos (para cultura da infância e lúdica); e Pontões de Cultura (articuladores, capacitadores e difusores em rede). O Programa Cultura Viva também deve desenvolver ações de apoio à arte e aos artistas de rua, com fomento a espaços culturais de grupos alternativos ou de pequeno porte; circos e artistas circenses; manifestações da diversidade LGBT; culturas tradicionais e populares; saraus das quebradas; cultura hip hop; blocos de carnaval e escolas de samba.
AM: Uma das demandas de coletivos, artistas e ativistas culturais das periferias é a gestão compartilhada (poder público e sociedade civil) dos equipamentos públicos de cultura. Como a candidata enxerga essa questão e quais (se alguma) ações pretende tomar para fortalecer esse modelo de gestão?
Erundina: Em nosso governo, não apenas a gestão da política de cultura será compartilhada, mas de todas as políticas públicas estruturantes, como saúde, educação, transporte e moradia. O compromisso com a participação social é parte da nossa histórica política e é o que dá legitimidade para a atuação de um governante. Assim, a gestão compartilhada não deve se restringir aos equipamentos públicos de cultura, mas ao seu orçamento e à política como um todo. Também vamos reestruturar a Secretaria Municipal, democratizando e fortalecendo seu funcionando em relação com as demais secretarias e programas do município.
AM: Quais são as propostas do candidata em relação a Rede CEU? Pretende ampliá-la?
Erundina: Os CEUS são uma política importante que deve ser ampliada. Entretanto, não é possível continuar como estamos hoje, com uma unidade do CEU funcionando, na mesma região, com um conjunto de escolas municipais sucateadas, com salas superlotadas, professores desvalorizados, sem infraestrutura de formação adequada para os alunos. Precisamos integrar a política de educação e, ao mesmo tempo em que ampliamos a Rede CEU, devemos corrigir as deficiências das centenas de escolas municipais que seguem sem ser priorizadas pela prefeitura. Devemos erradicar o analfabetismo que ainda existe na cidade; ampliar o atendimento à primeira infância (0 a 3 anos) via administração direta; reduzir a média de alunos por turma; suprir a carência de profissionais nas escolas; e de garantir melhores condições de trabalho para esses profissionais. A escola é o palco principal da construção de sonhos e de esperança, e assim deve ser, para as crianças que estudam no CEU e para todas as outras.
AM: Um problema grave em UBS/AMA das periferias é a falta de médicos (clínicos e especialistas) e de remédios para o tratamento de doenças crônicas, como hipertensão, por exemplo. Tal situação obriga as pessoas (doentes e idosos, principalmente) a se deslocarem de um bairro a outro em busca de medicamentos ou de atendimento médico. Que medidas a candidata irá tomar em relação ao sistema de saúde pública do município?
Erundina: A principal causa desses problemas é a falta de recursos para a saúde e o desmonte do SUS, com a privatização dos serviços e a transferência da responsabilidade da Prefeitura para a iniciativa privada. Isso tem como resultado a implantação de lógica mercantil, que visa o lucro, no funcionamento do sistema de saúde. Em São Paulo, mais de 65% do orçamento da Secretaria de Saúde está comprometido com estas organizações, que empregam 43 mil profissionais em condições precárias de trabalho e de salário, em sistemas de trabalho baseados na produtividade — números de consultas e procedimentos, que não servem como reais indicadores da qualidade da saúde da população. As decisões políticas que direcionam o dinheiro público para estes gestores privados também provocam a redução da qualidade dos atendimentos geridos diretamente pela prefeitura, causando demora em agendamento de consultas, cirurgias e tratamentos, péssimas condições de trabalho para os profissionais de saúde, falta de estrutura em serviços como UBS, CAPS, hospitais e unidades de pronto-atendimento. Nossa gestão retomará o fortalecimento do SUS, fazendo uma defesa intransigente do sistema único de saúde e implementando uma Secretaria de Saúde autônoma e efetivamente gestora, com financiamento de no mínimo 10% do PIB para a seguridade social. Também vamos garantir uma gestão descentralizada e combater a desigualdade de acesso em todos os níveis de complexidade. E construir carreiras para servidores públicos municipais com critérios democráticos e técnicos.
AM: Todo ano há atrasos na entrega de uniformes e materiais escolares. Há como mudar isso um dia?
Erundina: Sim. É preciso aplicar mais recursos na Educação, mesmo em contexto de redução orçamentária. Propomos, por exemplo, a revinculação, na Lei Orgânica do Município, de 30% da receita líquida de impostos e transferências para a manutenção e desenvolvimento do Ensino. Quando fui Prefeita, este era o percentual da educação no nosso orçamento. Depois de mim, nem Maluf e Pitta tiveram coragem de mudar este montante. Veio a Marta e cortou para 25%, e assim está até hoje. Com mais recursos, será possível garantir melhores condições de ensinar e aprender. Assim, além de ter uniformes e materiais escolares no início do ano, sem atrasos, vamos reduzir o número de alunos por sala de aula; retomar a concepção de ciclos escolares; equipar as escolas com materiais e acervos atualizados; e fornecer alimentação de qualidade, incorporando alimentos orgânicos e provenientes de agricultura familiar.
AM: O Itaim Paulista é um dos bairros da periferia que mais são afetados pelas enchentes, todos os anos. Há como mudar essa realidade um dia? De que forma?
Erundina: Enfrentar o problema das enchentes passa por uma ação que envolve diferentes iniciativas. Em primeiro lugar, é preciso reverter a canalização dos rios que cortam o bairro, estudando as microbacias que existem dentro da cidade de São Paulo. Também vamos ampliar as áreas verdes da região. Isso facilita e aumenta a permeabilidade e absorção do solo. Por fim, é fundamental uma prática de limpeza permanente de galerias e bocas-de-lobo, que seguem repletas de lixo em muitos pontos da periferia.
AM: Está aberta para consulta pública uma proposta para a construção de um novo Plano Municipal de Habitação. Entre as diretrizes da proposta está a priorização de habitação social no centro para pessoas de baixa renda — principalmente àquelas que residem nas periferias, mas trabalham em áreas centrais. Qual sua avaliação do projeto e o que fará, caso seja eleita, para concretizar a implementação da proposta?
Erundina: Para o PSOL, a moradia é um direito fundamental e é dever do gestor público tratar as políticas de habitação desta força, revertendo a segregação socioespacial que existe em nossa cidade. Hoje, apesar de a Prefeitura dispor de instrumentos interessantes e avançados para agir neste campo — como taxar as grandes propriedades privadas e imóveis abandonados, garantir a função social da propriedade e planejar o crescimento das cidades em favor das maiorias — pouco tem sido feito. O Plano Municipal de Habitação é um passo importante neste sentido e a proposta de habitação social no centro para pessoas de baixa renda é positiva, pois permite a ocupação de espaços ociosos no centro e oferece moradia a quem mais necessita. Colocar esta proposta em prática exigirá muita determinação da Prefeitura, pois sabemos o poder das grandes construtoras, que lucram historicamente com a especulação imobiliária na cidade. Mas nós temos coragem e independência pra isso, e com o povo do nosso lado, participando da definição deste Plano e apoiando suas medidas, é possível colocar a proposta em prática.
AM: Neste ano, a GCM teve uma atuação controversa no tocante ao trato com moradores de rua, sendo acusada de retirar cobertas e outros materiais necessários à sobrevivência dessas pessoas. Qual deve ser o papel da Guarda Civil numa cidade como São Paulo? Como coibir os abusos no trato com a população, sobretudo as populações mais vulneráveis?
Erundina: O que ocorreu este ano com a Guarda Civil Metropolitana é muito equivocado, algo que violou direitos fundamentais de uma população totalmente vulnerável. Abusos como este precisam ser responsabilizados, para que não mais se repitam. Nossa gestão vai orientar a GCM para que cumpra sua função constitucional, de guarda patrimonial, e contribua em atividades como rondas em escolas e parques. O uso de armas de fogo será substituído por armas não letais e vamos desenvolver um processo de formação com os guardas, garantindo um programa de assistência social e acompanhamento psicológico para os servidores da Guarda Municipal, bem como melhorar seus salários e condições de trabalho.
Kaique Dalapola é correspondente do Grajaú
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Kelly Mantovani correspondente da Vila Nova Cachoeirinha
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