Morador de Jundiapeba, na periferia de Mogi das Cruzes,Ricardo Coutinho, 47, transformou uma van em uma oficina móvel onde trabalha com a manutenção de instrumentos musicais. Desde 2019, ele é um luthier e roda pela Grande São Paulo para atender músicos.
“Às vezes estou em Biritiba Mirim, Mogi das Cruzes, Ribeirão Pires, São Bernardo e Suzano. Para você ter uma ideia, tenho clientes até em Bertioga”, afirma.
O luthier é o profissional especializado no reparo, ajuste e construção de instrumentos musicais. Eles trabalham de forma artesanal em uma oficina adaptada, usando ferramentas específicas para fazer a manutenção dos instrumentos.
Porém, diferente de outros profissionais da área, Ricardo encontrou um método itinerante de trabalhar. Proprietário da Luteria Ritornello, ele afirma que é o primeiro luthier móvel do Brasil.
Desde 2019 atuando nas ruas, Ricardo não atende em um local fixo. Para receber os clientes, marca pontos de encontro nos centros das cidades, onde os músicos levam o instrumento até ele.
“Posto nas redes sociais que estou indo a uma determinada cidade e o pessoal leva o instrumento até a mim. Enquanto espero por eles, faço os trabalhos”, explica.
O luthier relata que investiu mais de R$ 60 mil na van para transformá-la em uma oficina móvel. A maior parte dos custos foi para adquirir ferramentas, como esmeril, ferro de solda, furadeira, inversor de voltagem, entre outros recursos.
“Eu mesmo fiz o projeto no computador. Depois comprei a van e comecei a montar com meu pai. Fizemos desde a pintura e adesivação até a instalação de um painel solar para fornecer energia elétrica aos aparelhos “, explica.
Ricardo foi quem planejou todo projeto. A van é amarela para chamar a atenção das pessoas. O nome da luteria também tem um significado. Ritornello é um sinal de partitura que indica uma repetição de notas. “É uma analogia para sempre trazer os clientes de volta.”
Ele é graduado em música pela Faculdade de Música Carlos Gomes e pós-graduado em musicoterapia pela mesma instituição. Além disso, ele conclui os cursos da B&H Escola de Luthieria, um dos centros de ensino da área mais renomados do Brasil.
Hoje, Ricardo faz quase todos os serviços de luteria, exceto pinturas grandes, pois tem dificuldades de armazenar a tinta. Os principais trabalhos que ele desenvolve no dia a dia incluem regulagem, colagem, blindagem (isolamento da parte elétrica para evitar ruídos), troca de componentes e pequenas pinturas.
‘Meu objetivo é tornar a luteria mais acessível aos músicos amadores e profissionais da região levando o serviço até eles’
Ricardo Coutinho, criador da Luteria Ritornello
Entre as dezenas de guitarras que Ricardo consertou, ele recorda de uma Gibson 1979, modelo Les Paul, um instrumento avaliado em torno de R$ 25 mil. O luthier conta que o headstock (parte superior onde as cordas são fixadas) havia partido em decorrência de uma queda.
Do setor público para a música
Apaixonado pelos instrumentos de cordas desde a adolescência, passou a estudar música em 2002, depois de conhecer o maestro Zezinho, renomado músico que ficou famoso por participações nos programas “Qual é a música?” e “Programa Silvio Santos”, ambos do SBT.
“Nessa época eu já tocava violão. Mas depois de ver o maestro Zezinho percebi que eu precisava me aprofundar nos estudos. Então resolvi aprender sobre jazz”, conta.
Até aquele momento, Ricardo não tinha conhecimento sobre luteria, mas de forma inusitada, acabou descobrindo o ofício.
Enquanto estudava jazz e trabalhava como funcionário público, ele adquiriu uma guitarra equipada com um sistema de ponte flutuante chamado Floyd Rose. Devido à complexidade desse mecanismo, ele não sabia como trocar as cordas do instrumento.
Foi então que decidiu ligar para o fabricante da guitarra, buscando orientações para fazer a substituição do encordoamento. Para sua surpresa, a empresa não só se prontificou a ajudá-lo, mas também o convidou a visitar a fábrica.
“Foi nesse encontro que tive meu primeiro contato com a luteria, em 2005, e foi amor à primeira vista”, relata.
No mesmo ano, Ricardo se matriculou no curso de luteria e concluiu todos os módulos. Aos poucos, começou a realizar pequenos serviços de ajustes em instrumentos e substituição de componentes para seus amigos, muitas vezes sem cobrar.
Decidido a aprofundar ainda mais o conhecimento musical, Ricardo graduou-se em música e fez uma pós-graduação em musicoterapia. Nesse período, trabalhava como funcionário público, mas resolveu deixar o emprego formal e focar no projeto da oficina móvel.
“Para a gente que não nasceu em berço de ouro é sempre mais difícil. Por isso eu sempre tive que conciliar os estudos com meu emprego. Permaneci nessa correria de 1998 até 2019”, conta.
Atualmente, o maior desafio de Ricardo é lidar com o alto volume de demandas, já que trabalha sozinho. Ele tem receio de contratar outro profissional para ajudá-lo, e a qualidade do serviço cair, pois costuma ser bastante rigoroso.
“Outro obstáculo que enfrento é o trânsito. Nunca me envolvi em acidente, mas já levei cada fechada. O pior é que eu tenho que me manter ainda mais calmo, pois a van é como se fosse minha empresa”, conclui sorrindo.