Era horário de pico, por volta das 9h da manhã de uma quinta-feira. Embarquei na estação Primavera-Interlagos, na zona sul de São Paulo, por um dos trens da concessionária ViaMobilidade que tem como destino a estação Osasco. Ambas estações ficam na linha 9 da companhia metropolitana de trens.
Antes mesmo de entrar no vagão, eu já sabia que seria uma viagem difícil. A minha rotina, assim como a de milhares de usuários que dependem do transporte público diariamente, tem como iniciativa pesquisar qual é a condição em que os trens estavam operando por páginas nas redes sociais. Afinal, falhas sistêmicas e administrativas são experiências rotineiras.
Páginas como a Via’I’Mobilidade – incompetência sobre trilhos, no Twitter, são dedicadas a atualizar diariamente os seguidores em relação ao funcionamento do transporte público geral da cidade.
Entrei no vagão com dificuldade, não diferente de outros dias, a lotação em horário de pico já é rotina para o usuário diário do serviço. A porta fechou atrás de mim depois de muitas tentativas, e, logo após, o trem seguiu a viagem. Porém, sem muita surpresa, estava com velocidade reduzida.
A ViaMobilidade é uma empresa privada pertencente ao Grupo CCR, o mesmo grupo responsável pela administração da ViaQuatro da linha amarela do Metrô de São Paulo. As linhas 8 e 9, especificamente, foram as linhas cedidas mais recentemente por contrato pelo Governo do Estado de São Paulo para a concessionária, em 30 de junho de 2021. Ela atuará com a manutenção e administração da linha por um período de 30 anos.
Após andar por duas estações, o trem parou sem qualquer explicação por parte do maquinista. A energia foi desligada e, por 5 minutos, todos os passageiros ficaram em uma espécie de forno sobre rodas. Fazia aproximadamente 20 graus, com a lotação, os 20 viram 30. Não era a primeira vez que aquilo acontecia comigo e com os vários usuários daquela linha.
Após o trem retomar a viagem, liguei meu celular e, quase que imediatamente, fiquei surpreso ao ler uma notícia que dizia que as Linhas 8 e 9 da concessionária ViaMobilidade (a mesma que me esmagava naquele momento), ofereceria trens expressos e semiexpressos para quem irá ao festival The Town 2023.
Assim que li as notícias, pensei: Onde vão enfiar um trem expresso nessa linha?
O festival será realizado nos dias 2, 3, 7, 9, 10 de setembro e os preços do pacote vendido pela ViaMobilidade variam entre R$ 15 a R$ 40, um valor diferente dos R$4,40 do usuário comum.
Essa venda de ingressos do expresso por um valor diferente do consumidor diário já inclusive rendeu denúncias em diversas instâncias por entidades ligadas ao setor ferroviário de São Paulo.
A Fenametro (Federação Nacional dos Metroviários) e o Sindicato dos Metroviários de São Paulo entraram com ações contra o valor da tarifa no transporte de trens das linhas 8 e 9 para o evento. Ambas ações alegam que o aumento é abusivo e que desrespeita as leis que regem o transporte público.
No site em que divulga o serviço, a ViaMobilidade o descreve como: “viagens mais rápidas, confortáveis e com hora marcada”. Além disso, a concessionária vende o expresso como “um serviço especial com maior conforto e segurança”.
Assim como todo usuário que estava comigo naquele trem, pensei que aquele tipo de qualidade de serviço deveria ser disponibilizado a todos. Afinal, o trabalhador, que utiliza o serviço de segunda a segunda, não merece ter um transporte de serviço especial?
Na prática, as viagens do expresso funcionarão da seguinte forma: o serviço expresso fará viagem direta, sem paradas, até a estação Autódromo da linha 9-esmeralda. Os embarques podem ser feitos nas estações Barueri, da linha 8-diamante, e Pinheiros, da linha 9-esmeralda.
Já o serviço semiexpresso terá oito opções de embarque nas estações Barueri, Carapicuíba e Osasco, da linha 8-diamante; e Pinheiros, Vila Olímpia, Berrini, Morumbi e Santo Amaro, da linha 9-esmeralda.
Essa descrição me trouxe questionamentos: qual ViaMobilidade trará esse serviço de qualidade para as suas linhas? A ViaMobilidade que fez aniversário de 130 dias em velocidade reduzida? Aquela em que o trem descarrilou (mais de uma vez) na linha?
As perguntas se somam a coleção de problemas sistêmicos do primeiro ano de atuação: de relógios nos letreiros que não funcionam, placas de sinalização ao contrário, portas que não abrem nas viagens e elevadores quebrados com frequência.
As respostas para essas perguntas ainda são um mistério.
Em novembro de 2019, uma operação parecida foi acionada. Na época, as linhas 8 e 9 ainda eram administradas pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), a operadora de transporte ferroviário vinculada à Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo.
A concessionária ofereceu a Operação Especial CPTM para cobertura do Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1, também no Autódromo de Interlagos.
A diferença na época foi que não havia uma oferta que separasse o usuário que iria ao GP de Fórmula 1 do usuário comum, o trabalhador. Fomos agraciados pelos mesmos trens, pelos mesmos horários e pela mesma qualidade de serviço. Houve, inclusive, uma oferta maior de trens para cobrir a demanda e cobrança de passagem a um valor comum para todos os usuários.
Todos ganhavam com essa oferta.
Com o show de privatizações, qualquer serviço oferecido pelas linhas fica em cheque após essa série de erros sem explicação pela concessionária. Seja quando um usuário paga mais caro por um “serviço especial”, que, em teoria, deveria ter qualidade, quanto o usuário comum, que espera o mínimo do serviço que depende diariamente.
Em resposta, a assessoria de imprensa da ViaMobilidade enviou um link com informações sobre investimentos gerais das linhas 8 e 9 e informaram que não aconteceu um investimento exclusivo para o Expresso The Town. Além disso, encaminharam um FAQ com dúvidas gerais sobre o serviço da concessionária no The Town 2023, que pode ser encontrado aqui.