Era dia 8 de março de 2022 quando a fisioterapeuta Alessandra Mayumi Masuda, 27, fez o primeiro desabafo nas redes sociais sobre a concessão da Linha 9-Esmeralda de trens para a ViaMobilidade.
Naquele Dia Internacional da Mulher, a moradora do Grajaú, zona sul de São Paulo, não conseguiu chegar em casa no horário de sempre. Uma falha no trem fez com que ela e centenas de outros passageiros fossem obrigados a desembarcar e esperar pela próxima composição.
Com uma foto da plataforma lotada, ela desabafou em uma publicação: “Um pouco mais de um mês de concessão, diversos problemas na linha 9. Volta CPTM”.Antes disso, outros casos na Linha 9-Esmeralda já tinham tido repercussão fora das redes de Alessandra.
No dia 14 de fevereiro, uma explosão em um cabo de energia interrompeu a circulação de passageiros entre as estações Grajaú e Jurubatuba, também na zona sul da cidade, em pleno horário de pico.
A falha ocorreu menos de um mês depois da transferência de operação da linha da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) para a ViaMobilidade, e foi destaque nos jornais. O caso foi um dos primeiros da série de problemas que apareceriam dali em diante.
Nesta sexta-feira (27), a ViaMobilidade completa um ano à frente da administração das linhas 8-Diamante, que liga o centro de São Paulo a Itapevi, na Grande São Paulo, e 9-Esmeralda, que parte da Vila Natal, no Grajaú, e vai até Osasco, também na região metropolitana.
Esse período foi marcado pelo aumento no número de falhas e fez usuários lotarem os canais de reclamação com queixas à concessionária.
AUMENTO NAS FALHAS
Um levantamento da TV Globo mostrou que entre 2021 e 2022, quando a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) era a responsável pelas linhas 8 e 9, foram registradas 19 falhas nos trajetos.
Desde que a concessionária assumiu a operação das linhas até agora, o número de falhas subiu para 132, quase sete vezes maior que o registrado antes.
Piora
Alessandra acompanhou de perto o primeiro ano da concessionária na gestão da linha 9-Esmeralda. Para ela, a qualidade do serviço piorou. “Já cheguei a ficar 30, 40 minutos parada dentro do trem na estação, ou no percurso entre uma estação e outra”, afirma a jovem.
Ela critica a quantidade de vezes que passageiros foram obrigados a desembarcar dos trens e andar nos trilhos. “A gente escutava sobre lotação, sobre um pouco de demora entre um trem e o outro, mas esses problemas [como andar nos trilhos] eu nunca tive, nunca ouvi falar [quando era da CPTM]”, afirma Alessandra.
A moradora do Grajaú registrou no Instagram alguns dos problemas ocorridos neste primeiro ano de administração da ViaMobilidade. O problema mais frequente nas publicações foi a falta de acessibilidade na estação Primavera-Interlagos, da linha 9, onde ela embarca 5 vezes por semana.
Ao longo de meses, Alessandra notou as escadas rolantes desligadas ou fechadas para manutenção. O elevador é outro que vive interditado.
“Teve uma vez que, pela manhã, as duas escadas rolantes estavam desligadas, em manutenção, e o elevador também não estava funcionando. Então ficou pensando: e as pessoas com mobilidade reduzida?”, comenta a fisioterapeuta, explicando que o elevador é essencial para idosos com dores, por exemplo.
De todas as reclamações feitas por Alessandra nas redes, apenas uma foi respondida pela concessionária, em dezembro do ano passado. Na resposta, a ViaMobilidade alegou que as escadas rolantes foram arrumadas e que o elevador estava em manutenção por ter sido vandalizado.
Nesta semana, quando a reportagem da Agência Mural visitou a estação Primavera-Interlagos, o elevador continuava fora de operação.
Durante o primeiro ano da concessão, se espalharam pela internet registros de passageiros que, como Alessandra, se queixavam sobre as falhas no transporte. No dia 12 de julho de 2022, um usuário filmou a roda de um trem pegando fogo na estação Berrini, linha 9-Esmeralda.
No dia 16 de janeiro deste ano o princípio de incêndio foi registrado por um passageiro na estação Quitaúna, da linha 8-Diamante, em Osasco.
Usuários do transporte registraram também os três descarrilamentos que impactaram a circulação de trens no último ano. O mais recente, do dia 16 de janeiro, também foi gravado por uma câmera de segurança do próprio trem.
A imagem mostra a cabine do maquinista enchendo de água da chuva no momento em que o trem sai dos trilhos, na altura da estação Lapa. Assustado, o maquinista sobe em cima do banco e tenta se comunicar pelo rádio com outros funcionários.
Outras duas falhas graves também marcaram o período de concessão: a batida de um trem na estação Júlio Prestes, da Linha 8-Diamante, filmada por uma câmera de segurança, e a morte de um funcionário que fazia a manutenção da Linha 9-Esmeralda.
Ministério Público
A ViaMobilidade ganhou o direito de administrar as duas linhas por 30 anos depois de vencer a disputa pela concessão dos trens feita durante a gestão do ex-governador João Doria (sem partido) no estado.
A empresa faz parte do grupo CCR, que mantém rodovias como a Presidente Castello Branco e Presidente Dutra. O grupo é também o mesmo que detém a concessão das linhas 4-amarela e 5-lilás de metrô. Essa, no entanto, é a primeira vez que a empresa assume a operação de linhas de trens.
Por causa dos recorrentes problemas, a ViaMobilidade se tornou alvo do Ministério Público. O órgão recomendou que o estado declare a rescisão ou a caducidade do contrato com a empresa (quando um contrato é extinto por descumprimento de obrigações pelo concessionário).
Em novembro, a ViaMobilidade não aceitou assinar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) proposto pela Promotoria por causa dos problemas nas duas linhas. Agora, o Ministério Público afirma que não há mais possibilidade de acordo com a empresa.
A gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos), no entanto, informou que não pretende romper com a concessionária no momento. O governador se reuniu com representantes da empresa no começo da semana e disse que o grupo apresentou um plano de investimento de cerca de R$ 1,5 bilhão em melhorias nas duas linhas para este ano.
Em nota, o Ministério Público afirmou que aguarda a decisão formal da Secretaria de Transportes Metropolitanos sobre a recomendação de rescisão do contrato, e disse que pode entrar na justiça para garantir o fim da concessão, além de cobrar indenização por danos materiais, morais e aos consumidores.
Para a Alessandra, os problemas recorrentes nas linhas mostram um descaso com os passageiros que vivem nas periferias.
“É engraçado que nas linhas de regiões periféricas sempre tem problema. Agora você vai lá na linha Amarela, que também é CCR, e não tem problema nenhum, né?”, comenta a jovem.“[Nas regiões mais ricas] as escadas estão funcionando, o elevador funciona, já implantaram mais escadas rolantes. Acho que tem um fluxo muito grande de pessoas e eles têm que resolver aquilo, mas por que não resolve logo na periferia?”, critica ela.
Questionada sobre os problemas apresentados neste um ano de concessão, a ViaMobilidade afirmou que já investiu R$ 1 bilhão nas duas linhas e disse que investirá R$ 3,8 bilhões até o fim do contrato. A empresa afirmou que as melhorias implementadas já são percebidas pelos usuários e que o número de reclamações têm diminuído.
“Em dezembro, por exemplo, as reclamações registradas na ouvidoria apresentaram redução de 78% em relação ao mês de março. No mesmo período, somadas as duas linhas, houve também redução de 76% no número de falhas operacionais”, diz a nota.
A concessionária não respondeu sobre os problemas de acessibilidade envolvendo a estação Primavera-Interlagos, mas destacou que realizou manutenção preventiva em 68 elevadores disponíveis nas 41 estações.