Em meio ao Largo do Rosário, que fica em frente a Igreja Rosário dos Homens Pretos da Penha, fitas vermelhas, brancas e verdes enfeitaram o local durante o domingo (29). Ali quem passava assistia a duas das atrações da Virada Cultural 2022, a Congada do Divino Espírito Santo e a Congada de Santa Efigênia.
O evento com dança afro-brasileira foi uma das atrações da programação no último fim de semana, que contou com intervenções e shows em várias periferias da cidade. Muitos cruzaram a capital para conferir as músicas.
Diferente do centro, onde ocorrências policiais marcaram o evento, os bairros das bordas do município tiveram como principal reclamação a qualidade do som nos palcos, conforme relatos de correspondentes da Agência Mural.
Mestre da Congada do Divino Espírito Santo, Sidinéia dos Santos, 59, moradora de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, relata que a volta da Virada a pegou de surpresa.
“Achei que era só 2023. A gente nem estava preparado”, conta. “Foi tudo na emergência, mesmo as roupas. Eu liguei para a costureira ontem pra ela me entregar as roupas hoje”, contou a Mestre da Congada.
Por lá, famílias com idosos, adultos, jovens e crianças acompanharam os cortejos que tem inspiração desde os tempos da escravidão. “Os senhores saiam para as igrejas, para festejar, e os negros não podiam ir, então, o que os negros faziam: pegavam uma latinha e ficavam tocando a Congada, a Capoeira, o Candomblé e a Umbanda”, conta Sidinéia.
O local escolhido para as atrações também tem uma importância histórica para a Congada, pois a Igreja foi construída pela antiga irmandade do Rosário dos Homens Pretos, ainda durante a escravidão no século 18. Em 1982, a capela foi tombada pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico do Estado).
Também no sábado começaram os shows pela zona leste de São Paulo, que tentaram marcar a descentralização do evento, em um cenário que marca a transição do período mais duro da pandemia e que se programou para o evento durante toda a semana.
“Se não tivesse sido por aqui, talvez não conseguisse ir”
Bárbara Oliveira, 28, moradora da Cohab 2, em Itaquera
Cerca de 200 mil pessoas passaram pelos dois dias da Virada em Itaquera, na zona leste. No sábado (28), a apresentação da cantora Glória Groove, 27, foi o maior destaque da noite. “Assistir ao show da Gloria Groove e a outros artistas maravilhosos na zona leste foi muito bom, mas acho que a segurança poderia melhorar também”, ressaltou Bárbara.
Realizando a sua turnê “Lady Leste”, Groove emocionou o público ao cantar a música Vermelho, que presta homenagem ao Mc Daleste, referência do funk da região que foi assassinado em 2013.
Mais de 40 mil pessoas assistiam à cantora na zona leste de São Paulo, como a cineasta Giovana Evaristo, 22, que veio de Osasco, na região oeste da Grande São Paulo, para vê-la.
Palco Itaquera, na zona leste de São Paulo, recebeu artistas, como Glória Groove e Djonga @Gabriela Santos/Agência Mural
No domingo, a cantora Pocah, 27, foi a primeira atração. Além de cantar os maiores hits, a artista também fez o resgate de clássicos do funk como “Agora Eu Sou Solteira”, “Rap das Armas” e “Eu Só Quero É Ser Feliz”. Ela também prestou uma homenagem à Marília Mendonça, que morreu em um acidente de avião em novembro de 2021.
Também no domingo, o show mais esperado pelos espectadores foi do rapper Djonga, 27. Natural de Belo Horizonte (MG), ele afirmou por diversas vezes que se sentia pertencente à zona leste de São Paulo.
O evento porém teve problemas. Djonga parou o show por três vezes para que as pessoas que passaram mal fossem atendidas pelo Corpo de Bombeiros. Com a lotação do espaço, algumas que estavam na frente começaram a ser esmagadas na grade.
O ponto alto da noite foi quando o rapper cantou “Olho de Tigre” e a plateia cantou eufórica: “Sensação sensacional. Firma, fogo nos racistas!”.
Outra questão recorrente ao longo do fim de semana foram os problemas com o som. No Palco Butantã, na zona oeste de São Paulo, era possível ouvir com frequência vários gritos simultâneos do público pedindo: “Aumenta o som”.
O palco recebeu a banda Fresno (13h), a cantora Céu (15h) e para fechar o dia, Pitty (17h). Após dois anos sem shows do tipo na capital, as bandas apostaram em sucessos do passado apelando à nostalgia.
Fresno trouxe músicas dos seus primeiros álbuns, misturadas com a do último “Vou Ter Que Me Virar”, cantando inclusive, a música que dá nome ao álbum. Pitty trouxe ao palco seus grandes hits, que fez o gigante público do palco Butantã cantar em coro diversas vezes os clássicos como “Memórias” e “Máscara”, que teve a participação da cantora Jup do Bairro e Lucas, da Fresno.
A estrutura montada na Eliseu de Almeida contava com dois palcos que se intercalavam. Muitas pessoas não conseguiram chegar à área dos shows, e preferiram acompanhar em morros dentro das dependências de uma rede de atacadista que ficava ao lado.
O show de Pitty contou com a participação de Jup do Bairro, do Capão Redondo, na zona sul.
Casa de Cultura Butantã, com Maglore @Cleberson Santos/Agência Mural
Travessia
Correspondente da Agência Mural no Capão Redondo, Cleberson Santos foi ao show do Black Alien, em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Mas a pontualidade do rapper atrapalhou. “Foi um azar para mim”, conta. “Chegamos já na reta final da apresentação, mas deu para ouvir algumas músicas do álbum mais recente do Black Alien, Abaixo de Zero”.
Como estratégia, ele vistiou um amigo no Metrô Belém, também na zona leste, mas ainda assim não chegou a tempo. “Pegamos um ônibus que fez uma tour por todo o extremo leste até chegar ao Terminal Cidade Tiradentes. E lá descobrimos que precisaria de mais um até chegar ao Centro de Formação Cultural.”
Deu ainda para ouvir a música “Jamais Serão” (“música boa é para sempre e esses otários jamais serão”) e o rapper fechou o show com o hit “Que Nem o Meu Cachorro”.
Com Artur Ferreira, Cleberson Santos, Gabriela Santos, Gabriela Vasques, Guilherme Silva e Isabela Alves.