Em 28 de março, a Prefeitura de São Paulo publicou a minuta do edital para concessão do Complexo Esportivo do Pacaembu à iniciativa privada, que inclui o estádio tombado e um centro poliesportivo. Porém, em uma primeira consulta pública sobre o tema, lançada pela própria prefeitura em janeiro, a maioria dos moradores do entorno se manifestou contrária à ideia.
Alberto Júnior, 40, foi um dos vizinhos que se pronunciou. Para ele, o equipamento deveria permanecer nas mãos do poder público.
“Como morador a 7 minutos a pé do complexo e usuário eventual da piscina, acho interessante pensar em formas eficientes de administração, mas não entendo que o administrador público seja menos eficiente que o privado.”
“Como é um equipamento de grande relevância pública para a cidade, considero que o mesmo deveria permanecer administrado pela Secretaria de Esportes. A comunidade do bairro prefere a administração pública para este equipamento”, afirma.
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Outra moradora do bairro do Pacaembu, a produtora executiva Alessandra Jeszensky, 43, também crê que o estádio deveria continuar a ser administrado pelo poder público, como forma de garantir a sua função social.
“Espero que daqui 5, 10 ou 15 anos, o complexo continue sendo utilizado somente para práticas esportivas, com acesso gratuito a toda população e que vire um centro de referência de treinamento de esportes olímpicos.”
“O estádio é maravilhoso, tanto nas suas características arquitetônicas como nas suas funções sociais. É um bem público e assim deve permanecer, [até para] oferecer educação pública de qualidade para todas as crianças e jovens, pois só assim podemos almejar por um futuro decente”, sonha.
Inaugurado pelo presidente Getúlio Vargas em 1940, complexo conta, para além do famoso campo de futebol, com clube com atividades físicas gratuitas para a população. É também sede do Museu do Futebol e palco para grande eventos, como shows.
Graças ao estilo art déco e sua importância história para a cidade, o Pacaembu foi tombado pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico) em 1998.
Já naquela época, moradores se mobilizaram para que o estádio não fosse privatizado, e um abaixo-assinado com 5.251 assinaturas, que encontra-se anexado ao processo de tombamento, se manifesta “contra a venda do Estádio do Pacaembu e por um uso mais adequado de suas instalações em proveito da população local e de todos os paulistanos”.
A arquiteta Célia Regina dos Santos, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, descreve essa história de mobilização em seu artigo “O Estádio do Pacaembu é do povo”, como o céu é do avião, publicado em 2006.
“Já lá se vão quase 20 anos em que a prefeitura de São Paulo se lança reiteradamente na privatização, agora rebatizada de concessão, do Estádio do Pacaembu como solução para a sua incapacidade de gerir a cidade e sua receita. Esta expressiva manifestação da sociedade contra a privatização pretendida já naquela época, não deveria ter sido desconsiderada”, conta Célia.
“Afinal, desde a inauguração, a população compreendeu que o Pacaembu é um bem público por direito, resultando sua construção de uma demanda popular. Historicamente, o edifício nasceu como um monumento, e foi inaugurado como um marco da grandeza da cidade de São Paulo que firmava sua liderança no mapa do Brasil.”
A Secretaria Municipal de Esportes (SEME) afirma que a concessão do equipamento é uma forma da municipalidade transferir para iniciativa privada os altos custos de manutenção, orçados em R$ 8,3 milhões.
“Uma importante razão para a concessão é a situação financeira deficitária enfrentada pelo complexo e agravada a cada dia com a concorrência de outros estádios e arenas sediados no Município. Com um alto custo anual de manutenção, integralmente suportado pela Administração Pública Municipal, o complexo demanda esforço significativo do erário municipal”, divulgou a Secretaria durante a devolutiva da primeira consulta pública sobre o tema.
Já o secretário de Desestatização e Parcerias, Wilson Poit, sustenta que a concessão é necessária para a revitalização do complexo. “A iniciativa privada, além de cuidar da gestão, vai investir até R$ 200 milhões no local. Teremos um patrimônio da cidade completamente revitalizado”, prometeu o secretário, durante o evento de lançamento da minuta do edital de concessão.
Para a professora Célia, a prefeitura erra ao não colocar na conta os custos sociais que uma eventual concessão poderia invalidar.
“Na origem, o complexo esportivo nasceu como parte de um programa de democratização do esporte, considerado parte fundamental da formação de crianças e adolescentes, e uma política pública de benefício da população em todos os seus segmentos. E, é importante ressaltar, essas considerações foram valorizadas na resolução de tombamento, como uma das justificativas para a especial proteção do conjunto.
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“Se, de uma maneira geral, ao analisar os custos de manutenção ou de reabilitação de um monumento protegido, não se deveria aceitar a omissão de custos sociais e culturais inerentes a operações desse tipo, é forçoso reconhecer que, no que diz respeito ao estádio municipal, o peso destes custos é, além de inevitável, bem mais significativo. Apoio maior à argumentação em defesa da manutenção e democratização de um patrimônio público de interesse cultural seria, no Brasil, o próprio texto da Constituição de 1988 que determina no seu artigo 215: ‘O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional’”.
O texto de concessão ainda não teve publicação definitiva, o que só deverá ocorrer em 24 de abril, após uma segunda consulta pública à sociedade. O contrato terá 35 anos de duração e a municipalidade prevê arrecadar R$ 402 milhões.
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