Estudo desenvolvido por projetos sociais apontam baixo interesse na cultura periférica e propõe soluções
Daniel Santana/Agência Mural
Por: Daniel Santana
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Publicado em 24.07.2025 | 12:50 | Alterado em 24.07.2025 | 15:34
Cerca de 21 distritos das periferias de São Paulo não receberam verbas para projetos culturais aprovada via Lei Rouanet em 10 anos. De acordo com pesquisa divulgada na noite de quarta-feira (23), quase 90% dos recursos entre 2014 e 2023 estão concentrados no centro expandido, em regiões como Pinheiros, Bela Vista, Vila Mariana e Moema.
Em contraponto, as periferias da capital paulista, onde vive mais da metade da população paulistana, receberam só 1,38% dos recursos captados, sendo que diversos distritos periféricos como Jardim Ângela, Capão Redondo e São Mateus não captaram absolutamente nada no período.
Os dados foram apresentados na Escola de Administração de Empresas da FGV na Bela Vista, a pesquisa “Lei Rouanet e a Periferia – Um olhar estratégico para o Orçamento da Cultura e o Investimento Social”.
O estudo inédito revela que os investimentos nas periferias e em artistas das quebradas enfrentam muito mais obstáculos do que aqueles destinados às regiões centrais e com altos índices de qualidade de vida.
O que é a Lei Rouanet?
A Lei Rouanet (Lei nº 8.313/1991) é um instrumento de incentivo à cultura que permite a empresas e pessoas físicas destinarem parte do Imposto de Renda a projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura.
Seu objetivo é fomentar a produção, preservação e difusão cultural no país, permitindo que a sociedade participe diretamente do financiamento da cultura.
Participaram da coordenação dos dados o Observatório Ibira 30, o Bloco do Beco e a UFABC (Universidade Federal do ABC), com apoio da Fundação ABH. O evento de apresentação dos dados contou com o auxílio da Ação Educativa, Prosas, Iniciativa Negra e Fundação Tide Setubal.
Para se ter ideia da diferença, apenas o bairro de Pinheiros arrecadou sozinho 13 vezes mais do que todas as periferias juntas.
“A periferia quer se ver na lei, quer ter acesso a lei. Como a gente diz, ‘abre a porta da panela que a gente quer entrar’, afirma Luiz Cláudio de Souza, articulador institucional do Observatório Ibira 30 e do Bloco do Beco.
A pesquisa foi realizada por organizações que foram criadas nas periferias. Marcelo Zarzuela Coelho (Lelo), 45, é um dos coordenadores do projeto Observatório Ibira 30.
Ele explica que a organização realiza pesquisas e estudos para mapear e levantar pontos a partir do bairro, o Jardim Ibirapuera, com o objetivo de fortalecer políticas públicas e desenvolver tecnologias sociais que reduzam desigualdades e valorizem os saberes locais.
“A gente entende que precisa de uma articulação entre as organizações de periferia, as empresas privadas e o poder público para construir uma agenda que enderece essas questões”, aponta. “Conseguindo assim induzir um pouco mais de investimento desse recurso para as periferias em um caminho que seja bacana pra todo mundo.”

Luiz Cláudio, um dos idealizadores do projeto @Daniel Santana/Agência Mural
Para chegar a essas informações, a pesquisa analisou, com recorte territorial e de forma detalhada, de que forma os recursos da lei foram distribuídos na cidade de São Paulo de 2014 a 2023.
Por meio do cruzamento de bases públicas como SALIC (Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura), Redesim (base de dados cadastrais de pessoas jurídicas da Receita Federal) e GeoSampa (para referências territoriais), o levantamento territorializa, pela primeira vez, os dados da Lei Rouanet em nível distrital dentro da cidade.
A territorialização seguiu os critérios da Lei Municipal de Fomento à Cultura da Periferia (nº 16.496/2016), que divide a cidade segundo os índices de vulnerabilidade social.
A pesquisa também analisa a renda per capita das regiões que mais conseguem captar verbas para atividades culturais, evidenciando o contraste com as periferias.
Dessa forma, o estudo aponta que apenas a cidade de São Paulo captou em 2024 (R$ 985 mi) mais do que todas as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul juntas (R$ 840 mi).
Com base nesse e em outros resultados apontados, são sugeridos caminhos para repensar as políticas públicas de incentivo à cultura.
Buscando maior equidade e justiça social no investimento em artistas e instituições culturais de origem periférica, sem desconsiderar a importância da atual legislação.
Entre as propostas estão a transparência geográfica dos dados, possibilitando um monitoramento mais eficaz das informações; a revisão do modelo atual de financiamento de projetos; e o fortalecimento de iniciativas culturais locais.

Allan Anjos, um dos coordenadores da Pesquisa, acredita que é possível pensar em mudanças
O estudo também reforça a necessidade de reconhecer a cultura como um direito, garantindo o tratamento como política pública estruturante, com acesso equitativo e participação efetiva de territórios historicamente marginalizados.
“É o primeiro passo para a construção de ações voltadas a uma melhor democratização do acesso à Rouanet. A nossa ideia é que seja realmente um primeiro passo para uma movimentação em toda a cidade, das organizações comunitárias e periféricas”, afirma Allan Anjos dos Santos, 23, que também atua na coordenação dos projetos do Observatório.
Jornalista, apaixonado por livros, samba e carnaval. Corintiano, vivo o futebol de domingo a domingo. Adoro contar histórias através do jornalismo.
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