Dados da Rede Nossa São Paulo mostram que as alterações no sono acometem mais as mulheres. 58% das entrevistadas afirmaram ter problemas para dormir
Por: Redação
Publicado em 05.07.2021 | 21:39 | Alterado em 05.07.2021 | 21:39
As noites têm sido de pouco sono para metade dos paulistanos, sobretudo em período de isolamento social. É o que mostra o estudo “Viver em São Paulo: Saúde e Educação” de 2021, feito pela Rede Nossa São Paulo.
A pesquisa identificou na insônia um dos principais problemas que se agravaram por conta da pandemia de Covid-19.
O monitor de biblioteca Iversson Natan da Silva Santos, 19, faz parte desse grupo. Ele já tinha problemas para dormir antes da pandemia, mas viu os sintomas piorarem com a mudança da rotina.
“Estava em uma crescente, tudo estava dando certo no trabalho, no cursinho. Veio a pandemia e tive que parar tudo. Comecei a ficar em casa e não estava acostumado com essa nova rotina e isso refletiu na minha insônia”, conta Iversson.
O jovem desabafa que a preocupação é o que mais tem atrapalhado. “A gente está sempre preocupado. Quando não é comigo é com algum parente ou amigo. Não sei se vai ter uma enchente e vai alagar minha casa ou se amanhã vai pegar fogo na favela. Pesa muito mais para o jovem preto, favelado e periférico.”
“Insônia que me causa questionamentos. Agora me vejo parado, olhando para o teto. Quem conta ovelhas são os ricos […] Eu olho pro teto, respiro fundo, com a insônia minha tristeza dobra.”
Trecho de poema de Iversson Natan da Silva Santos
Profissionais da saúde, a chegada da pandemia também afetou as noites de sono das terapeutas ocupacionais Carolina Yoko Bustillo, 26 e Aline Sena Moreira, 24. Mesmo não estando na linha de frente do combate à Covid-19, elas estão diariamente expostas ao contato com diversos pacientes.
“Passei por um ciclo de ter muito sono. Recentemente, passei por um processo de insônia. Fiquei com o sono alterado por mais de um mês. Acordava às 4h da manhã e não conseguia mais dormir”, conta Carolina.
Ela diz que o cochilo no ônibus durante o trajeto do Ipiranga, onde mora, até o trabalho em Cidade Ademar, ambos na zona sul, também prejudicou o sono.
Durante este ano o que mais contribuiu para a insônia dela foi a incerteza no trabalho e que voltou a dormir melhor quando passou a atender somente no SUS (Sistema Único de Saúde).
Já Aline, moradora do distrito de Perus, zona noroeste, viu suas funções no NASF (Núcleo Ampliado de Saúde da Família) mudarem com o aparecimento dos casos de Covid na cidade de São Paulo, o que aumentou a ansiedade.
“Acordava às 2h da manhã, com o coração acelerado, angustiada e só conseguia dormir de novo às 4h da manhã. Às 5h levantava para ir trabalhar”, relata.
Hoje, ela faz acompanhamento psicológico e diz ter melhorado. “Não acordo mais de madrugada com o coração acelerado, mas sinto que meu sono não voltou a ser como era antes.”
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Segundo a pesquisa, 67% dos paulistanos desenvolveram algum sintoma parecido com o de Aline durante a pandemia. E 50% dos entrevistados disseram ter sofrido com insônia ou excesso de sono.
A maioria dos outros sintomas relatados têm relação com a saúde mental: mudanças de humor, angústia, ansiedade, tristeza, aumento no consumo de bebidas alcoólicas e comportamentos obsessivos.
MAIS EM MULHERES
O estudo ainda mostra que as alterações no sono acometem mais as mulheres. 58% das entrevistadas afirmaram ter problemas para dormir. Do lado dos homens, o número ficou em 41%.
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“Alguns estudos sugerem que uma natureza hormonal contribui para isso, outros sugerem uma natureza social. A dimensão de responsabilidades para as mulheres é maior, o que causa mais preocupações e podem influenciar na qualidade do sono”, explica Alan Eckeli, professor doutor em neurologia da USP Ribeirão Preto.
Para o neurologista há também o fato de que homens tendem a relatar menos problemas de saúde.
O QUE CAUSAM DISTÚRBIOS NO SONO?
De acordo com Alan Eckeli, a insônia é caracterizada pela dificuldade de iniciar o sono, acordar diversas vezes durante a noite ou acordar antes do desejado.
Eckeli diz que existem dois tipos de insônia: “A insônia aguda costuma ter curta duração – por volta de um mês – e é fácil de identificar o fator causador. Já a insônia crônica dura mais do que três meses, acontece pelo menos três vezes na semana e tem repercussão clínica”.
Diversos fatores podem causar distúrbios no sono, um deles é o medo. “Temos dificuldade de dormir quando estamos com medo. Só conseguimos quando nos sentimos seguros. Preocupações, angústias e ansiedade podem nos manter acordados”, explica.
“Podemos lembrar da infância quando tínhamos medo do escuro e não conseguíamos dormir. Hoje a gente não tem mais esse medo, mas temos outras preocupações.”
Para Eckeli é nesse ponto que a pandemia age para causar insônia em mais pessoas. “Eventos estressantes podem ser fatores que desencadeiam a insônia. Houve o medo inicial, mas houve outras repercussões, como o confinamento, menos prática de atividade física e fatores econômicos.”
A mesma pesquisa evidencia a influência dos fatores econômicos na qualidade do sono dos paulistanos. Considerando a renda familiar, pessoas que ganham de dois a cinco salários mínimos são as que mais disseram ter sofrido com alterações de sono durante a pandemia (59%).
Dentre as que ganham até dois salários mínimos, a porcentagem ficou em 47%. Entre os mais ricos, 51%.
TRATAMENTO
O tratamento para insônia varia dependendo do caso. Para Eckeli, uma forma de tratar a insônia crônica é a terapia cognitivo comportamental, mas também pode ser feito o uso de remédios caso a situação se agrave para insônia crônica ou para um caso de depressão.
“São utilizadas diversas técnicas comportamentais e de organização cognitiva para que o indivíduo possa controlar a insônia. Ela é uma terapia breve que consiste em sessões de uma hora e que podem durar até oito semanas, no máximo”, diz.
Em casos mais graves é necessário o acompanhamento de um profissional que pode indicar o tratamento mais adequado. O uso de remédios é recomendado apenas em situações em que o paciente apresenta alguma outra doença que possa causar ou piorar a insônia.
É importante também que as pessoas pratiquem a higiene do sono. Técnicas comportamentais que ajudam a ter uma noite de sono tranquila. Entre elas, está a prática de atividade física.
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ATENDIMENTO NO SUS
Pessoas que sofrem com alterações nos padrões de sono podem buscar ajuda no SUS.
“Médicos especialistas em medicina do sono, frequentemente psiquiatras e neurologistas, costumam ter o melhor treinamento para tratamento do transtorno da insônia”, afirma Eckeli. No entanto, para o neurologista, a saúde pública ainda deixa a desejar quando o assunto é saúde do sono.
“Infelizmente o conhecimento a respeito dessa especialidade ainda é muito baixo levando em conta a necessidade da população.”
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