Há três anos não se fala de outra coisa. A Lava Jato mostrou que há políticos de todas as esferas no governo federal (o antigo e o atual) com suposto envolvimento com a corrupção e que mergulharam o país num cenário difícil e uma crise que parece não ter fim.
O que talvez não fique tão claro é como essa situação que atinge Brasília é tão comum em níveis menores e de que forma a política começa a ser projetada negativamente já na base, naquela que costuma ser a primeira disputa eleitoral de um aspirante político. A Câmara dos Vereadores.
Aqui não se trata de dizer que há corrupção entre os legisladores municipais [o que evidentemente pode/deve acontecer], nem simplificar que todos são ruins, como costumamos fazer por conta da indignação com o que tem vindo do noticiário. Mas é enfatizar que o que nos leva a escolher este político pesará muito lá na frente.
Afinal, como questionou lá atrás o deputado federal reeleito Tiririca (PR), para que serve o vereador?
No geral, para o mesmo que um deputado federal ou estadual a nível municipal. Pode propor impeachment de prefeito, inclusive. Mas, na prática, também é um receptor de favores. Sim. Favores. Dos mais simples as maiores viagens [‘me arruma uma vaga no hospital’, ‘preciso do saco de cimento’, ‘minha família não tem como ir para o velório, empresta aquele ônibus com a sua cara’, ‘meu neto precisa de um emprego me disseram que você arruma’].
O que você, se fosse vereador, faria ao receber este pedido? Olharia firme para o eleitor e de forma clara afirmaria: “Amigo, isso não é minha função, estou aqui para legislar e fazer a fiscalização sobre as ações do prefeito, não para te arrumar o saco de cimento, a vaga no hospital ou o emprego para o seu parente!”
Evidente que não. Até porque deixar claro isso para o seu eleitor seria um suicídio e o vereador não conseguiria os votos necessários para manter este curral na próxima eleição. O morador ao ouvir a negativa, levaria a resposta para o bairro e reforçaria aos vizinhos. “Fulano é ladrão”. “Sempre esteve aqui e agora não ajuda”. “Ficou rico e nem uma carona pra família arrumou”.
“Há uma série de demandas municipais que causam polêmica e mexem com interesses”
Logo, o eleitor traz a demanda por favores. Evidentemente que isso ocorre muitas vezes pela dificuldade em conseguir acessar o serviço público! E o político estimula essa procura. Por fim, essa troca de favores evolui junto com o cargo.
Na Câmara e na Assembleia Legislativa não é mais apenas o paternalismo que contará. Mas os interesses de quem tem dinheiro para ajudar a eleger. Como virou moda ao sabermos sobre a JBS e a Odebrecht. Estes não pedem influência por uma vaga no hospital, ou um ônibus para levar a família no velório. Eles querem leis, incentivos e influência para celebrarem contratos grandes junto ao governo ou apoio para receberem um bom financiamento do BNDES.
Em troca desse “lobby”, os parlamentares cobram. E o círculo continua.
Sem contar que essa situação também se repetirá nas Câmaras Municipais, quando for necessário aprovar algum projeto que possa ter interesse desses empresários no âmbito das cidades.
Há uma série de demandas municipais que causam polêmica e mexem com interesses como as concessões das empresas de ônibus, da água, da energia, e o voto deste vereador, que fica numa Câmara perto de você, terá peso nisso.
Mas ninguém olha isso? Ninguém investiga? Não há protestos que modificam essas posições? Sim. Existe participação política nas cidades, processos pedidos pelo Ministério Público e alguns avanços. Mas pouco perto daqueles que bradaram o “Fora Dilma”, o “Fora Temer”, o “Adeus Aécio” e outros gritos que virão por aí.
Hoje, o país tem 58 mil vereadores, 1089 deputados estaduais, 513 federais. Fora os 5 mil prefeitos, 27 governadores, 81 senadores, que necessitam de tanta atenção quanto o presidente para que exerçam de forma correta seus mandatos.
O fim do atual comando do governo federal ou a continuidade dele têm importância fundamental para o país e a ida às ruas é louvável e histórica. Mas, infelizmente, enquanto olhamos só para Brasília, nos esquecemos das mudanças fundamentais de um lugar essencial: a cidade em que moramos.
Paulo Talarico é correspondente de Osasco e repórter de política na região oeste da Grande São Paulo
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