Escrever o próprio nome, ler a Bíblia e se tornar enfermeiro são alguns dos sonhos dos alunos de escola no Parque Genibaú, na capital cearense
Mário Flor/Clube Mural/Agência Mural
Por: Redação
Notícia
Publicado em 20.05.2022 | 14:56 | Alterado em 23.05.2022 | 16:26
O aposentado Raimundo Bernardino, 81, aprendeu recentemente a escrever seu próprio nome e, agora, tem se dedicado aos estudos para realizar o sonho de ler bem a Bíblia. Para alcançar suas metas, Bernardino retornou à sala de aula para cursar o ensino fundamental do EJA (Educação para Jovens e Adultos), na Escola Municipal João Frederico Ferreira Gomes, no Parque Genibaú, periferia de Fortaleza.
“Já sei ler um pouquinho. Não sabia pegar ônibus, hoje já chego a qualquer canto e leio alguns versículos. Se tivesse estudado, estaria em outro patamar. Fiquei 25 anos no mesmo cargo porque não sabia ler”, conta o estudante.
Bernardino é natural de Sobral, interior do Ceará. Com dificuldades, como a distância para chegar a escola e a necessidade de trabalhar, encerrou a trajetória escolar aos 13 anos.
Na escola, outros 35 alunos, com idades entre 22 e 81 anos, estudam de segunda a sexta, das 17h30 às 20h30, no EJA. A modalidade de ensino tem como objetivo garantir o direito à educação básica para jovens e adultos a partir dos 15 anos, popularmente conhecida como supletivo.
As histórias desses alunos são repletas de aprendizados e superações. Recentemente, a estudante Cristiane Ribeiro, 37, conta que sua casa foi uma das atingidas pela enchente que alagou o Genibaú e alguns bairros vizinhos.
Mesmo perdendo tudo, ela diz que sente na escola um motivo para esquecer seus problemas.E relembra as dificuldades que enfrentou por não ter concluído os estudos.
“Não sabia escrever nada. Até o meu nome, escrevia errado. Se olhar na minha identidade, no meu CPF, meu nome está todo errado”, diz Cristiane
Atualmente, comemora os resultados da mudança. “Já escrevo bem direitinho o meu nome, tudo bem perfeitinho”.
Cristiane conta que pausou os estudos ainda na infância. “Minha mãe trabalhava, passava o dia fora e meu pai não tinha aquele cuidado de nos mandar para a escola. Eu e minhas irmãs tivemos que parar”, lembra.
Dona de casa e mãe de três filhos, Cristiane diz que havia tentado algumas vezes voltar à sala de aula, mas não conseguia continuar. Atualmente, estuda com duas irmãs na escola.
“Me matriculava, mas parava no meio do caminho. Chegava cansada, passava o dia trabalhando e desistia. Agora estou desde novembro sem faltar. É muito difícil faltar”, afirma.
Já o estudante Vicente de Souza, 55, retornou aos estudos depois de ter sido barrado em um hospital quando foi visitar a mãe, hospitalizada pelo Covid. “Queria muito ver minha mãe, mas não podia. A assistente social me disse que se eu tivesse um nível superior, poderia subir para falar com os médicos e enfermeiros. Ali, coloquei na cabeça que voltaria a estudar”, disse.
Nos últimos meses, Vicente cuidou de sua mãe, que faleceu há poucas semanas.
“Eu vou concluir. Não vai servir mais pra ela (mãe). Era para ela isso aqui, mas resolvi continuar. Quero terminar o ensino médio, me preparar para o Enem. Doutor, não, mas quero ser enfermeiro. Meu sonho é ser enfermeiro”, diz Vicente.
Atualmente desempregado, ele afirma que foi um adolescente rebelde e que se arrepende de não ter se dedicado, pois a sua família podia arcar com os custos de instituições particulares. Vicente conheceu o EJA por meio de uma sobrinha que concluiu os estudos no programa.
O curso contempla os mais variados níveis de aprendizados, que vão da alfabetização ao equivalente ao quinto ano do ensino fundamental, explica a professora Liduina Ferreira, 60, que trabalha na escola há cerca de seis anos. Cada período letivo dura um semestre.
“A maior dificuldade do EJA é manter o aluno na sala de aula. Tem histórias de vidas muito duras, e quando a gente é professora do EJA, a gente é professora, psicóloga, médica. São muitos problemas. Já tive até que pagar energia para conseguir dar aula em outras épocas”, relembra a professora.
Liduina é considerada uma grande incentivadora para os seus alunos. “Essa é professora é como uma mãe, para tudo ela dá um jeito. Ela é uma maravilha”, diz Bernardino.
A pedagoga diz que faz questão de acolher quem procura o curso e passar todas informações sobre o projeto. Ela conta que também se compromete a ajudar na matrícula, voluntariamente, pois percebe as dificuldades dos alunos com a burocracia dos documentos no cadastro.
No Genibaú, a escola João Frederico cede uma sala de aula para a implementação do EJA com o financiamento do Sesc (Serviço Social do Comércio), que também fornece lanches aos estudantes matriculados.
Criado em 2007, o EJA faz parte de um planejamento do Governo Federal que visa a universalização da alfabetização. No Ceará, a Secretaria de Educação executa esse serviço de modo presencial e semipresencial, usando espaços das escolas da rede estadual e os Centros de Educação de Jovens e Adultos (CEJA). Até 2017, haviam 32 sedes em todo o estado.
Por Mário Flor, de Genibaú, Fortaleza
Essa reportagem foi produzida por um dos estudantes universitários do Ceará participantes do “Acontece nas Escolas”, programa de bolsas de jornalismo da Agência Mural em parceria com o Instituto Unibanco. A iniciativa faz parte do Clube Mural, nossa área de treinamento e laboratório de prática e experimentos em jornalismo local e das periferias.
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