Conheça a história de uma mãe solo, do casal que optou por não ter filhos, a opinião de especialistas e o transporte público para quem circula com crianças
Por: Redação
Publicado em 30.10.2018 | 14:24 | Alterado em 30.10.2018 | 14:24
Regilene Cristina Soares ou Pimenta Preta, como é conhecida pela atuação como doula e militante pelas causas da maternidade, está entre as 27% das paulistanas que criam sozinhas seus filhos, dado da recente pesquisa “Viver em São Paulo: Mulheres”, a qual também divulga que 43% das paulistanas ficam mais com os filhos do que outra pessoa que cuida deles.
Atualmente, Regilene vivencia a exclusão direcionada aos seus filhos durante a procura por casa de aluguel.
“Encontro desde proprietários justificando que as paredes ficam rabiscadas por crianças, até discurso de um senhor que me deixou uns três dias sem acreditar no que ouvi. Ele disse ‘não, mulher que tem filho e não tem marido faz rodízio de homem em casa’. Eu só quero uma casa para morar com meus filhos”, descreve Regilene, mãe solo e residente da zona leste de São Paulo, região com a maior taxa (31%) de responsáveis/moram com crianças.
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Em uma das visitas às residências para alugar, a filha mais velha a acompanhou. Giovanna Soares Ngandjou, 10, explica como se sentiu no momento em que uma proprietária disse que não aguenta criança chorando, correndo e brincando.
“Eu me senti mal porque eu achei que ia me dar bem com ela. E lá também tem uma lojinha que eu ia para comprar geladinho e sorvete. Como tem aquela lojinha de doces que as crianças gostam se não quer criança perto dela?”, questiona a estudante do 5º ano que resolveu escolher uma loja do outro lado da rua para comprar doces.
“Imagina se a mesma proprietária da casa dissesse que não aluga para negros, não aluga para mulheres ou para outros grupos sociais, como a criança. É inadmissível. Isso mostra muito da sociedade que nós somos com relação à criança, como a enxergamos no meio social”
Pedro Hartung, advogado pela USP e coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana
Hartung orienta que os responsáveis pelas crianças e adolescentes, que sentem discriminação direcionada a esse grupo social, podem acionar o Procon municipal ou estadual, o Ministério Público ou, em determinados casos, a defensoria pública.
“Legalmente nenhum estabelecimento pode se recusar a atender determinada pessoa em função da sua condição. Isso é regulado pelo Código de Defesa do Consumidor, pela Constituição Federal e outros dispositivos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe a prática de discriminação contra qualquer indivíduo, inclusive a criança”, informou.
“Essa discussão não pode se confundir com o fato de que alguns ambientes são impróprios para crianças, como casas noturnas, cinemas para maiores de 18 anos, espaços que oferecem algum risco para a integridade física e psíquica, inclusive o ECA regula isso”, acrescenta.
Carolina Borges geralmente não tem com quem deixar as filhas enquanto contribui nas reuniões mensais do Conselho Participativo Municipal Vila Mariana, para onde foi eleita como conselheira. Como os encontros ocorrerem em auditório, onde ecoa o som e sem espaço para as crianças, ela entende que é difícil manter atenção.
“Mas teve uma vez que acompanhei minha filha mais velha no banheiro e quando a mais nova percebeu que eu não estava perto, se assustou e começou a chorar. Uma moradora se irritou e fechou uma das portas com brutalidade. Minha menorzinha ficou mais desesperada ainda”, descreve.
“Por que o choro infantil incomoda tanto? Por que não podemos ter ouvidos mais solidários com mães e pais? Segundo o artigo 227 da Constituição Federal, o dever constitucional de garantias dos direitos de crianças e adolescentes é compartilhado entre famílias, Estado e sociedade. Então devemos ser solidários no cuidado e na educação de crianças e adolescentes no Brasil”, destaca Hartung.
A psicanalista e especialista em neuropsicologia infantil pela Faculdade de Medicina da USP, Ana Olmos diz que as mães precisam se colocar como sujeitos da situação.
“Não pode deixar que o outro a coloque como objeto da raiva, da repressão ou da intolerância sobre as crianças. A amamentação, que tem a função de atender a necessidade do bebê, ainda incomoda alguns. Então paciência para quem se incomoda. A mãe não deve se sentir culpada”, orienta.
CONVIVÊNCIA COM PESSOAS CHILDFREE
Childfree = livre de crianças/ sem filhos. Movimento que se expandiu entre o final dos anos 1970 e início dos 1980 nos Estados Unidos, é formado por pessoas que decidem não ter filhos. |
“Às vezes a gente sente um olhar ou outro de frequentadores, até mesmo em parques ou em unidades do Sesc. Principalmente de gente que não tem filho, não gosta de criança. Eu queria entender o porquê”
Regilene Cristina Soares ou Pimenta Preta, doula e militante pelas causas da maternidade
Por outro lado, o casal Estela Vtnal e Pedro Vtnal Lima, que não pretende ter filhos, diz que não é bem assim. “Nossa decisão não indica que não gostamos de crianças. Pelo contrário, no meu trabalho diariamente convivo com elas, sou professor de natação. Não quero ter filhos, pois minha prioridade é viajar, praticar esportes em outros lugares. Não quero me comprometer com algo que não vou conseguir cumprir”, descreveu Lima, 33.
“Eu também. Vivo pra lá e pra cá trabalhando. Até quando eu era criança eu não gostava de brincar como “mãe” das minhas bonecas. Nunca tive esse lado e tudo ok. Gosto de viver assim”, complementou a arquiteta Estela Vtnal, 37. Ela alerta ao cuidado com discursos extremistas sobre o termo childfree, tanto os de pessoas que acham que todo childfree odeia criança e de alguns que distorcem o próprio movimento.
“Há um mês entrei num grupo de childfree no Facebook para debater o assunto de forma saudável. Mas eu encontrei discursos que me incomodaram, como ‘ter filho é ruim, ninguém deveria ter filhos’, ‘viver é ruim, não vale a pena’, além de críticas às mães e discursos de ódio. Resolvi sair do grupo”, disse a arquiteta que vive com o marido no bairro Sacomã, zona sul de São Paulo.
“Algumas pessoas precisam entender que a noção de felicidade não é igual para todo mundo e respeitar a escolha do outro”, concluiu.
TRANSPORTE PÚBLICO
Carrinho de bebê, comida, mochila, brinquedo e outros objetos que fazem parte da rotina das crianças também estão presentes em equipamentos como ônibus e trens.
Enquanto 22% das pessoas que circulam com crianças e adolescentes na cidade de São Paulo apontam a lotação do transporte público como a principal dificuldade, 17% dos responsáveis/moram com alguma criança indicam a falta de respeito da população (principalmente no transporte público) como a segunda maior dificuldade.
Essas e outras percepções sobre o tratamento dado à população infantojuvenil estão presentes na pesquisa “Viver em São Paulo: A criança e a cidade”, divulgada pela Rede Nossa São Paulo e Ibope Inteligência neste mês de outubro.
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“Para chegar na Paulista, eu pego 12 elevadores nos Metrôs quando estou com carrinho de bebê. No ônibus, se o espaço para cadeira de rodas estiver vazio, ok. Mas se estiver ocupado e o transporte cheio, eu preciso tirar minha filha mais nova do carrinho, segurar as duas e ficar atenta à bolsa”
Carolina Borges, moradora do bairro Saúde, na zona sul de SP
Mãe de Clarice Borges Santana, 5, e Ana Letícia Borges Santana, 3, Carolina começará a pagar a passagem do transporte público da mais velha que completará seis anos.
“Sem ajuda ela não consegue girar a catraca sozinha, nem descer e nem entrar no trem sozinha por causa do vão. No metrô não tem corrimão, não tem avisos que ela consiga entender e terá que pagar igual a gente. É absurdo”, lembrou.
De acordo com a Resolução nº 1383 de 2006 da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), crianças de até seis anos andam de transporte público gratuitamente desde que não ocupem poltronas.
Já a versão preliminar do Plano Municipal pela Primeira Infância de São Paulo tem como uma das metas a adequação do transporte público para garantir a mobilidade segura às crianças de 0 a 6 anos e de seus responsáveis.
“Uma vez, no ônibus, a minha menorzinha precisava dormir. Quando a pegava no colo, chorava. Deixei ela sentada na cadeira. Uma moça ao lado reclamou por ela estar ocupando um assento. Eu tento explicar que também está difícil para mim, que preciso de ajuda com mochila, com carrinho de bebê. Se a pessoa percebe que pode ajudar para resolver o incômodo que sente, o convívio fica melhor”, relata Carolina.
Outro ponto apresentado pela pesquisa são as 3h03 como a média de tempo que os paulistanos responsáveis ou que moram com crianças e adolescentes levam com todos os deslocamentos pela cidade.
É o caso da profissional autônoma e graduanda em História pela Faculdade Anhanguera, Regilene Cristina Soares, 33, que leva duas horas para ir e voltar diariamente dos destinos, chegando a três horas nos finais de semana.
Moradora do bairro Cangaíba, próximo ao distrito da Penha, na zona leste, Regilene explica que quase sempre pede algum assento no transporte público para os filhos Gustavo Henrique Soares Ojo, 2, e Giovanna Ariesha Soares Ngandjou, 10.
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“É difícil uma pessoa ceder lugar por livre e espontânea vontade. Quando o Gustavo chora nesses espaços, algumas pessoas se incomodam. Então eu costumo acalmá-lo cantando baixinho”
Pimenta Preta, doula e militante pelas causas da maternidade
A psicanalista Ana Olmos levanta a importância de diferenciar a intolerância com o choro ou grito infantil da intolerância com criança mimada que não sabe lidar com frustrações.
“Às vezes algumas pessoas formam um preconceito, generalizando toda criança como mimada por ver algumas exigindo e conseguindo o que quer por meio do berro. Mas bebês têm no choro a linguagem para sinalizar suas necessidades vitais, como a fome, sede, algum desconforto térmico”, pontua Ana, também integrante da Rede Brasileira Infância e Consumo (Rebrinc).
https://32xsp.org.br/2018/02/15/atraso-em-obras-deixa-500-criancas-sem-creches-na-cidade-ademar/
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