Em 2020, capital teve uma tendência de aumento de 16% no número de denúncias; maior parte das violações de direitos de crianças e adolescentes ocorre dentro de casa
Por: Redação
Publicado em 18.06.2020 | 20:07 | Alterado em 18.06.2020 | 20:07
“Estou em casa 24 horas com quem me agride”, a campanha publicitária veiculada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) nas redes sociais chama a atenção para a violência doméstica sofrida por crianças e adolescentes no Brasil durante a quarentena.
“Com o isolamento social, muitas vítimas de violência doméstica têm convivido 24 horas com seus agressores, dificultando a denúncia”, aponta a pasta. As medidas de confinamento — indicadas pelas autoridades de saúde para diminuir a disseminação do coronavírus — também levaram a um maior risco de agressão contra mulheres, idosos e pessoas com deficiência.
Segundo a ministra Damares Alves, o número de denúncias contra crianças e adolescentes no Brasil diminuiu 18% neste período, o que lhe gera uma preocupação.
“A maioria da violência contra as crianças a gente descobre na escola ou na creche. Essas crianças não estão na creche e não estão na escola. A criança não liga, não fala, não vai denunciar, não usa aplicativo”, afirmou Damares durante o lançamento da campanha, em 15 de maio.
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Para Itamar Gonçalves, gerente de Advocacy da Childhood Brasil, a interrupção das aulas presenciais fez com que as crianças e os adolescentes perdessem o contato com adultos protetores que integravam sua rede social.
“Devido ao confinamento social, essas crianças passaram a ficar mais expostas ao aumento de tensões das relações intrafamiliares em virtude, por exemplo, da crise econômica, do estresse e de um maior consumo de bebidas alcoólicas”, comenta.
Gonçalves também diz que, devido ao acesso mais restrito da população à rede de saúde e aos equipamentos atualmente focados no atendimento a pessoas com sintomas ou que contraíram o coronavírus, as crianças e adolescentes perderam um espaço de acolhimento e notificação de casos de violência, seja física ou sexual.
Para ajudar na denúncia, tanto o gerente quanto o próprio Ministério dos Direitos Humanos orientam que, caso a vizinhança note alguma agressão, é preciso notificá-la pelo serviço telefônico Disque 100, pelo aplicativo “Direitos Humanos Brasil” ou pela ouvidoria do site (que também é acessível em Libras – Língua brasileira de sinais).
Em São Paulo, a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania informa que, além do Disque 100 em âmbito nacional, as violações de direitos de crianças e adolescentes podem ser denunciadas pelo Disque 190, da Polícia Militar, que serve para denúncias urgentes sobre maus tratos, abuso sexual e violência física ou psicológica, e pela Central Telefônica e Portal SP 156.
“As denúncias que chegam à Central e Portal SP 156 são analisadas e direcionadas à rede de proteção pertinente como a Ouvidoria de Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, os Conselhos Tutelares e entre outros órgãos”, explica. Segundo a pasta, 52 Conselhos Tutelares e 256 conselheiros atuam na cidade.
DENTRO DE CASA
Segundo a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania, com base em dados da Ouvidoria de Direitos Humanos, verificou-se uma tendência de aumento de 16% no número de denúncias de violência de direitos de crianças e adolescentes em São Paulo em 2020, em comparação aos dois anos anteriores.
“Comparando-se a média diária em 2020, antes e após 16 de março deste ano, também se observa uma variação perceptível de aumento da média de solicitações de serviço de 0,18 ao dia para 0,59 ao dia”
Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC)
Entretanto, a pasta afirma que é preciso observar que os números da Ouvidoria não representam a totalidade do universo de violações de direitos na cidade de São Paulo, servindo apenas com um indicativo de tendência.
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“Sabemos que, neste momento de isolamento, nossas crianças são as mais desprotegidas. Levantamentos pré-pandemia apontam que, nos casos de abuso sexual, as meninas na faixa de idade entre 5 e 13 anos são as principais vítimas deste tipo de crime”, aponta Itamar Gonçalves.
Em 2019, o Disque 100 recebeu mais de 86,8 mil registros sobre violações contra crianças ou adolescentes, como negligência, violência física, psicológica, sexual, entre outras. Desse total, 17 mil eram denúncias sobre violência sexual (abuso ou exploração) contra menores de idade.
Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) apontam que a violência ocorre, em 73% dos casos, na casa da própria vítima ou do agressor, e é cometida pelo pai ou padrasto em 40% das denúncias.
“A violência sexual, em especial, na maioria dos casos não deixa marcas físicas e vestígios. Ela depende da voz da vítima ou da ação de algum adulto próximo (familiar ou vizinho) para ser denunciada”
Itamar Gonçalves, gerente de Advocacy da Childhood Brasil
Outro ponto que requer uma atenção especial, segundo ele, é o uso de plataformas digitais, que ganharam força na pandemia. “Essa nova rotina deixa crianças e adolescentes mais expostos a vários tipos de violações, como o aliciamento (contato por meios digitais para fins sexuais), pornografia e cyberbullying”, diz.
“É fundamental que os adultos estejam presentes, tenham conversas abertas e orientem as crianças e adolescentes sobre situações de risco e de proteção. É importante alertá-los que o que acontece no mundo real também pode acontecer no mundo virtual e vice-versa”.
NA PRÁTICA
A Secretaria Municipal de Assistência de Desenvolvimento possui atualmente 24 Serviços de Proteção Social à Criança e Adolescente Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias (SPVV), que juntos disponibilizam 2.180 vagas. De janeiro a abril, foram realizados 8.415 atendimentos.
“O SPVV é um serviço que oferece atendimento social e interdisciplinar para crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, abuso ou exploração sexual, bem como aos seus familiares e, quando possível, ao agressor, proporcionando-lhes condições para o fortalecimento da autoestima, superação da situação de violação de direitos e reparação da violência vivida”, explica.
Segundo a pasta, o acesso a este serviço se dá por encaminhamento dos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centros de Referência Especializados da Assistência Social), além do Poder Judiciário e Conselhos Tutelares.
“No caso de risco pessoal, social ou rompimento de vínculos familiares da criança, do adolescente atendido ou acompanhado pelo CREAS/SPVV, e depois de esgotadas todas as ações para reaproximação da família, existe ainda a possibilidade de atendimento pelo Serviço de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes (SAICA)”, diz.
Ao todo, são 2.270 vagas em 131 serviços na cidade de São Paulo.
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