Léu Britto/Agência Mural
Por: Cleberson Santos | Gabriela Carvalho
Notícia
Publicado em 02.03.2023 | 17:45 | Alterado em 27.02.2024 | 21:46
Conta de luz, água, mercado, gás de cozinha, gasolina… O noticiário de economia constantemente fala sobre a alta dos preços desses produtos e serviços. E, geralmente, a inflação é apresentada como responsável pelos aumentos, mas pouco se divulga que este cenário também é um dos impactos da crise climática.
Por mais que a questão do clima esteja ligada aos desastres naturais – cada vez mais frequentes –, ela também afeta o bolso das famílias, sobretudo as que vivem nas periferias.
A família de Thamiriz Barboza, 31, designer de unhas e moradora do Capão Redondo, extremo da zona sul de São Paulo, é um exemplo. Ela conta que chegam a consumir boa parte da renda da casa com os itens citados no começo deste texto, além de outros gastos básicos como aluguel e internet.
Uma vez que os gastos aumentam e a renda não acompanha, essas famílias passam a ter mais dificuldades de sobreviver de forma digna. A dinâmica do racismo ambiental se faz presente, pois são as pessoas pobres e periféricas as mais afetadas por esses problemas.
Só a conta de luz consome cerca de 7% da renda familiar dela, isso em um “mês bom”, já que tanto Thamiriz quanto o marido trabalham “por conta” – ele como entregador de aplicativo.
No terceiro episódio do podcast Tamo em Crise, parceria da Agência Mural com o Greenpeace, nos aprofundamos no tema e conversamos com ela sobre isso.
A tarifa de luz é uma das mais afetadas pela crise do clima. Sem chuvas, o governo se vê “obrigado” a acionar as usinas termelétricas, que são mais caras e despejam mais poluentes no ar. Esse acionamento é o principal responsável pela chamada “bandeira vermelha”.
A falta de chuva e o acionamento das termelétricas também mexem com o preço dos alimentos, que necessitam de energia elétrica para a produção.
“Se tem um desequilíbrio na temperatura, no clima, se chove muito ou está passando por uma seca muito forte, você não vai conseguir produzir determinados alimentos ou vai comprometer todo plantio ou colheita. Isso vai impactar na produção, na escassez e também nos preços”, explica Ana Sanches, assessora de projetos no Instituto Pólis.
Ana participou da produção de estudos publicados pelo Pólis durante o ano de 2022, tanto sobre a questão da justiça energética quanto de racismo ambiental.
Justiça energética é um termo que trata das desigualdades encontradas no serviço de energia elétrica, tanto nos valores aplicados quanto na qualidade do serviço entregue à população.
“Quando a gente olha o valor do salário mínimo e a conta de luz de uma família periférica, que geralmente é um pouco maior do que outras famílias, vemos que a questão da conta de luz chega a mais de 20% desse orçamento familiar”
Ana Sanches, assessora de projetos
“Um valor que faz com que as pessoas deixem de fazer outras coisas: lazer, transporte, alimentação… No dado micro, essas populações periféricas são também formadas por pessoas negras e por mulheres negras e mães solo. Tem um recorte de gênero, de classe e de raça aqui muito demarcado”, enfatiza.
Os estudos do Pólis também citam a qualidade dos eletrodomésticos dessas famílias. Uma geladeira de modelo antigo, por exemplo, pode atrapalhar ainda mais o valor da conta, já que não dispõe de tecnologias que visam a economia de energia.
O botijão de gás também é outro item que fica inflacionado por conta do acionamento das termelétricas, já que há mais demanda por combustíveis fósseis.
“Quando a gente pensa em gasolina ou no próprio gás de cozinha, as questões climáticas também influenciam. Ou seja, a pessoa paga mais caro na energia, paga mais caro na água, e mais caro no gás de cozinha para cozinhar”, explica Ana.
Uma das soluções defendidas por especialistas para essa questão da conta de luz é a chamada “tarifa progressiva”.
“As pessoas que ganham menos vão pagar menos ou vão ter a conta de luz suprida por aquelas que ganham muito mais. Isso é pensar numa questão de transição energética justa e popular, com a sociedade participando e decidindo como que ela quer que produza energia”, diz a especialista do Instituto Pólis.
O modelo adotado atualmente para ajudar algumas famílias a não sofrerem tanto com a conta de luz é a tarifa social, mas que, segundo Ana, tem uma complicada falha em seu funcionamento.
“As famílias contempladas pela tarifa social têm que gastar até um valor específico. As famílias periféricas, que são grandes, consomem mais que aquele ‘teto’ de kWh. E quando elas tentam se enquadrar e gastam a mais, a conta dobra. Mais que dobra, às vezes”, conta a especialista, citando o exemplo encontrado durante uma pesquisa feita em Parelheiros, no extremo sul da capital.
“As pessoas estavam devendo muito [para a Enel, concessionária de energia elétrica da cidade] porque elas tinham a tarifa social, não conseguiram ficar dentro do limite e aí ficaram com a conta muito cara. Uma política pública pode ajudar, mas causa muitos outros prejuízos. Já a tarifa progressiva, a gente pensa exatamente em outra lógica, que é taxar de uma forma mais justa.”
Descontos aplicados na tarifa social:
Por conta de toda essa problemática, Ana reforça a ideia apresentada pela ativista Jahzara Ona no episódio anterior do Tamo em Crise, de que a questão do clima não é apenas ambiental, mas “socioambiental”.
A especialista relembra que, por conta do valor de serviços como a energia elétrica ou do gás de cozinha, fez surgir relatos de pessoas cozinhando à lenha dentro de casa durante o ano passado. O que nos leva para outra problemática causada pelo impacto financeiro das contas caras: o custo da moradia no Brasil.
“Morar é caro, a depender de onde essas pessoas estão. Elas vão buscando, por necessidade, lugares que sejam mais baratos. E onde são esses lugares mais baratos? Em locais que têm toda uma infraestrutura comprometida”
Ana Sanches, assessora de projetos
“Muitas dessas famílias vão ocupar áreas que alagam, que têm deslizamento, por falta de opção e por extrema necessidade”, diz.
Um exemplo desse tipo de situação é a tragédia recente no litoral norte do estado de São Paulo. Fortes chuvas além do esperado para o mês caíram durante o feriado de Carnaval, e a principal causa dos deslizamentos foi a falta de planejamento e cuidados com a população daquela região próxima aos morros.
“No final das contas, a gente está falando de dignidade, de direitos humanos, mas também de direito à vida, sobre quem pode viver e quem deve morrer”, completa Ana.
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Esta reportagem foi produzida com apoio da Report For The World
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
Jornalista, comunicadora visual, mestra em Mídia e Tecnologia e pós-graduada em Processos Didático-Pedagógico para EaD. É correspondente do Jardim Marília desde 2019. Também é cantora de chuveiro, adora audiovisual e é louca por viagens.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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