Léu Britto/Agência Mural
Por: Jessica Bernardo
Notícia
Publicado em 07.03.2023 | 16:57 | Alterado em 08.03.2023 | 10:47
A tragédia no litoral norte de São Paulo, em fevereiro deste ano, revelou a urgência de políticas públicas que protejam a população em áreas de risco de São Paulo. Mas bem antes do episódio em São Sebastião, e a mais 140 km da cidade litorânea, uma jovem periférica já lutava pela criação de um plano para evitar desastres em outro ponto do estado: a capital paulista.
A advogada Mayara Torres, 27, mora desde criança na Favela da Borracha, comunidade em Cidade Ademar, zona sul. Filha de migrantes nordestinos, ela viu as casas da região passarem das tábuas de madeira para os primeiros tijolos, e acompanhou quando o esgoto a céu aberto deu lugar aos primeiros encanamentos.
As melhorias, contudo, não supriram todas as necessidades da população. Sempre que uma chuva de maior volume cai, os vizinhos de Mayara têm as casas alagadas. A poucos metros dali, moradores de outras comunidades temem deslizamentos.
“Só de ver o céu cinza o meu coração já começar a acelerar”, conta ela. O desespero tem relação com um sentimento de comunidade. Não é a casa dela que sofre com a enchente, mas Mayara conhece um por um dos que são afetados pela água.
“Tem coisas que só quem vive na quebrada consegue explicar”, afirma. A moradora conta que entendeu que o mundo era diferente para quem era “cria de favela” ainda na infância, quando estava na quinta série.
Naquela época, a mãe a buscava todos os dias na escola. Certa vez, elas combinaram que Mayara pegaria uma carona com duas colegas de sala. As meninas, irmãs gêmeas, entraram primeiro no carro que as levaria. Quando Mayara abriu a porta, ouviu de uma delas: “Eu não quero que favelada entre no meu carro”. A porta se fechou e Mayara ficou sozinha.
Anos mais tarde, a menina que sofreu preconceito decidiu cursar a faculdade de direito para ajudar pessoas com histórias parecidas. E com o fim da graduação, passou a atuar cada vez mais nos movimentos sociais da região, se tornando uma liderança para a comunidade.
As enchentes constantes no bairro e o perigo de deslizamento nas favelas vizinhas fizeram com que a líder comunitária estudasse a fundo o Plano Diretor de São Paulo. Foi quando ela descobriu que a lei, aprovada em 2014, prevê a construção de um plano para mapear as áreas de risco da cidade e pensar políticas públicas para elas.
O chamado PMRR (Plano Municipal de Redução de Riscos), atrasado há quase 10 anos, tem a função de apontar soluções para locais como as favelas de Cidade Ademar, onde Mayara vive.
“[Ele] mapeia as áreas de risco que existem na cidade e estabelece ações para mitigar, para reduzir ou para eliminar o risco”, explica a advogada, sobre como deve ser o plano.
A jovem é uma das pessoas que encabeçam hoje um abaixo-assinado para pressionar a Prefeitura de São Paulo a construir o documento. Ela também é uma das responsáveis por denunciar para o Ministério Público e a Defensoria Pública a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), por não ter feito o plano até agora.
O grupo que luta pela criação do PMRR envolve também nomes como a deputada federal Tábata Amaral (PSB) e o MSTC (Movimento Sem Teto do Centro).
Para Mayara, a criação do documento é uma medida urgente. “Todo ano na chuva de verão, na mesma época, as pessoas já sabem o que vai acontecer”. As cenas que se repetem ano após ano, aos poucos, vão tirando a esperança da população.
Mayara Torres é advogada e líder comunitária da Favela da Borracha. Ela coordena o Realiza Perifa, projeto que convida moradores da Cidade Ademar a pensar melhorias para a região. Foi fundadora do projeto Direito Nosso, que leva educação político-jurídica para jovens periféricos, e atuou como Conselheira Participativa Municipal e Conselheira Estadual da Juventude. Em 2022, Mayara disputou as eleições para deputada estadual em São Paulo, mas não foi eleita.
A advogada conta que em fevereiro deste ano visitou uma moradora da Vila Missionária, bairro vizinho ao seu, depois de uma enchente. Enquanto limpava a casa, a mulher, mãe de uma criança de um ano e meio, desabafou.
“Ela virou para mim e falou assim: ‘Eu tô desesperada. Eu fico limpando a minha casa aqui porque eu gosto das coisas organizadinhas, bonitinhas. Mas eu sinto como se eu tivesse enfeitando um caixão porque eu sei que corro risco de vida’”.
Fazer intervenções nessas regiões, conta Mayara, envolve devolver a esperança e a autoestima para as pessoas.
“Você passa a acreditar que as coisas podem se transformar”
Jornalista, cria de uma família de cearenses. Apaixonada por São Paulo, bolos e banhos de mar. Correspondente do Grajaú desde 2017.
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