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“Fluxo - O Filme” é dirigido e roteirizado por estudante de comunicação da UFRJ e conta com a produção e elenco de amigos da região
Por: Egberto Santana
Notícia
Publicado em 23.10.2023 | 7:48 | Alterado em 26.10.2023 | 11:09
O primeiro contato que Filipe Barbosa, 27, teve com o cinema foi durante a infância ao ver clipes de funk sendo gravados em Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Foi lá onde a Kondzilla fez a primeira produção do gênero ostentação, da música “Megane”, do MC Boy do Charmes.
Agora, no ano de 2023, é Barbosa quem filma as ruas, também para contar a relação do funk com o território.
“Fluxo – O Filme”, como é intitulado o curta-metragem, conta a história de Fábio, um jovem negro de 22 anos, em crise por conta do término de um relacionamento. Convocado e animado pelos amigos para ir ao Baile da Sorte – evento semanal do distrito – o jovem enfrenta memórias antigas, conflitos internos e externos no caminho e dentro do fluxo.
“Geralmente quem é da quebrada faz algo de documentário e eu vi a necessidade de fazer uma ficção”, justifica Barbosa, que se inspirou em Escola de Quebrada e Sintonia, ficções que trazem a cultura do funk ou retratam o gênero dentro de uma narrativa ficcional.
A ideia surgiu dentro de um laboratório de roteiro de ficção para curta metragem, desenvolvido na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), faculdade onde Barbosa estuda Comunicação Social – rádio e TV. Ele já trabalhou com montagem, assistência de direção, direção de fotografia e realização em oficinas e vídeo-clipes.
Fora dos bastidores, foi agente cineclubista na SPCine e, com o próprio projeto itinerante Cine Social Club, notou uma ausência de referências e filmes sobre o território onde cresceu, impulsionando ainda mais a vontade de filmar o cotidiano.
“’O Fluxo’ vem nessa parada desse ambiente que a gente frequenta no nosso fim de semana. É uma forma da gente esquecer da nossa vida que é massacrada no dia a dia, dentro do capitalismo”, comenta.
A grande maioria do elenco é composta por pessoas próximas a Filipe, mas que não são necessariamente do audiovisual. São amigos que cresceram com ele ou convivem nos mesmos rolês da Cidade Tiradentes e, claro, incluindo a ida aos fluxos e bailes funk.
Fábio Vicente, 21, escolheu figurino dos atores para o filme, junto de Renato Ferreira Simões e Mayara Kerly, donos do coletivo “Acervo do Relíquia”, projeto que reúne acessórios da moda periférica venerados pelos jovens e cantados nas músicas do funk ostentação.
Um dos marcos do gênero em Cidade Tiradentes foi em 2008, com a gravação da música “Bonde da Juju”, dos MCs Backdi e Bio G3 e se destaca por letras que descrevem vidas luxuosas, com menções a marcas de roupas e carros. O estilo influencia o look e as letras de artistas e funkeiros até hoje.
Entre os itens do kit montado pela equipe e usado dentro do filme estão o colete da Oakley Ap Vest, o Puma Disc, Nike 4 Mola, Mizuno, Juliet, camisa da Lacoste, entre outros.
“Esses kits que ajudaram a construir esses imaginários do que realmente é a estética e a autoestima dos quebrada. Todo mundo que ia para o baile curtir um funk, buscava realmente de fato ter esses kits para realmente falar ‘mano, eu tô no mesmo patamar que os caras”, comenta Vicente que sonha em trabalhar com moda e ter a própria loja de roupas.
Além da questão do cotidiano, Barbosa quis retratar a evolução dos sons no tempo. “Para mim, o funk é memória. O cinema é memória”, ressalta o diretor.
Para trazer essa memória no som, a trilha conta com “É o Fluxo” do MC Nego Blue, “Cai no Mundo” do MC B.O. Os dois também estão no filme, em uma participação especial articulada pelo próprio diretor, que já via como obrigação ter a faixa-título e, por que não, a presença das lendas.
No lado mais contemporâneo do funk paulista, inseriu o Mega dos Pontinho do DJ Ping Pong, feita a partir de samples de outros artistas da região e Brota na Tiradentes do MC MN do DJ Biel Mix, popular em vídeos de páginas relacionadas com os rolês do distrito.
Para fazer a gravação no baile, foi feito um anúncio no Instagram convidando quem queria participar da cena, com horário e ponto de encontro. O dia era mais que especial: aniversário da Cidade Tiradentes. Portanto, público não faltaria.
No entanto, de última hora, tiveram que se deslocar, pois havia um carro de polícia no local. Foram então para outro fluxo em uma rua próxima. Não havia tempo para pensar em muitas alternativas. Sem ensaio, filmaram rapidamente, embrazaram, e partiram para a próxima cena, também no ambiente do fluxo.
Um dos ambientes gravados é considerado histórico para quem vive em Tiradentes: a casa onde foi filmado o medley da “Vem Pode Chamar Que Ela Vem” do Mc Nego Blue.
Barbosa contou com ajuda da Locadora Digital 35 para conseguir os equipamentos e ainda realizou uma vaquinha virtual para pagar os custos dos atores e a pós-produção.
“Fluxo – O Filme” ainda não possui data prevista para lançamento. A ideia é lançar uma vaquinha para pagar os custos das inscrições do filme em mostras e festivais de cinema. Filipe também quer realizar algo em Cidade Tiradentes. “Um evento legal [no distrito] para que a quebrada em massa possa realmente assistir ao filme”.
Jornalista, também é crítico de cinema e redator. Sempre ouvindo ou assistindo alguma coisa, do novo ao velho, do longa-metragem ao reels do Instagram ou Tik Tok. Correspondente de Poá desde 2021.
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