Arquivo pessoal
Por: Leonardo Siqueira | Egberto Santana
Notícia
Publicado em 20.03.2024 | 13:52 | Alterado em 20.03.2024 | 20:03
Em 1997, Fábio Santos, 42, vulgo FaqSalva, cantava para uma multidão na Praça dos Eventos em Poá, município da Grande São Paulo. Uma ascensão rápida que começou quando ele tinha 15 anos, rimando para os amigos no bairro Cidade Kemel, e durou pouco, até a sua prisão, anos depois.
Antes, em 1996, ganhou da madrinha várias fitas cassetes e passou a ter uma locadora na garagem. Com o dinheiro que recebia das vendas, ele corria para a Galeria do Rock, no centro da capital paulista, e garimpava discos para a produção musical. Foi lá também que conseguiu a primeira caixa de som.
Nas letras, o artista sempre buscou fazer uma denúncia social contra a rotina do bairro Cidade Kemel. Era crítico ao sistema, e isso criou identificação com o público. Hoje também está reconstruindo a trajetória musical e com planos de lançar um álbum completo para marcar esse retorno.
Com o avanço da popularidade, decidiu se cadastrar na Festa das Orquídeas, tradicional evento da cidade, que é realizado até hoje, no mês de setembro, na Praça dos Eventos.
No final dos anos 1990, o evento era popularmente conhecido por incentivar a cultura regional. Vitrine para os artistas que queriam entrar na cena, a organização ficava por conta da Secretaria de Cultura:
“Você ia até a prefeitura, fazia um cadastro, depois mostrava as suas letras e cantava, se aprovado você ia para o palco”, relembra FaqSalva.
Depois do show na festa, uma prima advogada disse que iria bancar a carreira do artista, que, à época, tinha 17 anos: “Bem sucedida, ela chegou em mim, e perguntou o que eu precisava, que ela ia bancar.”
Com o dinheiro garantido, o rapper foi para a avenida São João, na República, onde ficava o estúdio Placa 2000, do antigo produtor do Facção Central, Eric 12. Lá, recebeu o acordo: 500 cópias, mais espaço na 105 FM, uma das maiores rádios de rap do Brasil. Na volta, quando foi falar para a prima, ela tinha batido o carro, sofrido traumatismo craniano e falecido.
Dali em diante, FaqSalva desanimou. Não trabalhava mais vendendo fitas, pouco tempo depois perdeu o pai, e a mãe estava desempregada. Tentou se lançar no mercado de trabalho, mas sem sucesso. Sem nenhuma fonte de renda, viu uma oportunidade de bancar a família através do crime, até 2003, quando foi preso.
‘Tirei cinco anos de cana, passei em sete presídios, e hoje eu tenho 16 anos aqui na rua. Quando eu saí, queria me socializar, não queria mais saber de crime não!’
Após a saída do período de encarceramento, arrumou um trabalho para consertar refrigeradores por indicação do irmão.
“Tinha dia que eu era chamado por uma senhorinha, só para explicar para ela como trocar a pilha do ar. Mas aprendi a profissão e gosto muito, hoje também sou refrigerista”, conta Fábio, orgulhoso.
Paralelo ao trabalho de refrigerista, ingressou no Instituto Recomeçar, fundado pelo amigo Leonardo Precioso. O projeto é uma ONG que busca reinserir egressos do sistema prisional no mercado de trabalho, por meio de capacitação e formação na área de empreendedorismo. Fábio é um dos professores.
Segundo a instituição, desde 2015, mais de 1000 ex-detentos voltaram para o sistema trabalhista.
Em uma pesquisa divulgada pelo TCESP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) em 2019, somente 0,2% dos presos entre 2008 e 2018 conseguiram se recolocar no mercado de trabalho.
Em agosto de 2023, o artista foi introduzido novamente ao meio musical a convite de Antônio Mônica de Souza, 53, do Itaim Paulista, integrante do grupo Poder Bélico da Favela. Os dois se conheciam por amigos em comum.
Antônio é mais conhecido como D’Antiga. A ideia vem justamente dele ser lembrado como um dos que estavam presentes no nascimento da cultura hip-hop no Brasil, desde o ano de 1984, ou seja, desde ‘as antigas’.
“Eu tenho orgulho de falar que todos os grandes do cenário do rap nacional, eu vi começar, porque começaram na mesma época que eu”, conta D’Antiga, que também foi dançarino de break, integrando o Jabaquara Breakers.
Inicialmente, Fábio faria parte da equipe de audiovisual do grupo Poder Bélico, mas tão logo seu potencial foi notado pelos membros que o convidaram para abrir os shows.
Quanto ao nome artístico de Fábio, surgiu por conta de uma relação que ele tem com parceiros, que sempre o chamavam para uma ajuda em alguma tarefa, seja no Recomeçar ou fora dele. “Todo mundo fala ‘fá, salva aqui mano, eu aqui, em uma fita aqui, não sei o quê. Aí ficou ‘Fa, que, salva’.
Esse espírito segue vivo em Fábio, que está com planos de criar uma produtora na cidade, junto de D’Antiga e Jé Versátil, o produtor dele. “Quero dar oportunidade para aqueles que nunca conheceram um estúdio”, comenta Fábio.
Além das questões que envolvem o fazer musical, os artistas também querem dar auxílio em processos burocráticos como escrita de editais e comunicação.
Um dos grandes sonhos dele é criar uma produtora de baixo custo em Poá, para que os artistas locais tenham a oportunidade que ele não teve.
“Muitos não sabem fazer um release, não tem uma visão de produção cultural […] E tem inúmeros editais que contemplam grupos não só do hip-hop como outros segmentos musicais também, só que não tem uma produtora no Kemel”, ressalta D’Antiga.
A nova produtora funcionaria como uma espécie de oficina, com auxílio na produção das letras, da métrica, gravação do áudio e clipe para Youtube. A primeira gravação seria gratuita, bancada através de captação de recursos. Depois de lançado, a gravadora ficaria com uma porcentagem dos lucros.
‘Isso vai ser um sonho realizado na minha vida, estou resgatando minha carreira, e futuramente quero ter meu próprio estúdio. Aqueles que não tem oportunidade, em algum momento, vão ter!’
Hoje, Fábio segue com shows agendados, tanto em carreira solo quanto ao lado do grupo Poder Bélico da Favela.
Jornalista, fotógrafo e designer que busca dar voz para quem pouco teve. Apaixonado por histórias, fotografia, cinema, livros e adora uma dança. Curioso que só! Um pouquinho cético, ama conhecer espaços diferentes e adora ir para o litoral, de dia para ver o mar e de noite para observar as estrelas. Correspondente de Ferraz de Vasconcelos desde 2022.
Jornalista, também é crítico de cinema e redator. Sempre ouvindo ou assistindo alguma coisa, do novo ao velho, do longa-metragem ao reels do Instagram ou Tik Tok. Correspondente de Poá desde 2021.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]