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Com produção independente e elenco local, filme retrata histórias de mulheres do Capão Redondo

Primeiro longa do diretor Carlinhos Periferia, Elas do Capão aborda questões como feminicídio e outras violências

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Divulgação/Marcelo Caldas

Por: Barbara Paula

Notícia

Publicado em 15.04.2024 | 8:56 | Alterado em 15.04.2024 | 8:56

Tempo de leitura: 5 min(s)

O filme “Elas do Capão”, do diretor Carlinhos Periferia, 52, lançado no último dia 31 de março, vem provocando barulho desde as filmagens, quando quase virou caso de polícia, no bairro do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo.

“Os vizinhos chegaram a chamar a polícia achando que as armas e os tiros eram de verdade, mas usamos armas de airsoft para deixar as cenas mais realistas. Eles vieram e até assistiram algumas cenas”, conta Carlinhos.

Gravado entre março de 2019 e agosto de 2023, o filme repleto de cenas de ação é inspirado na vida real de moradores das periferias e retrata a história de mulheres que enfrentam um cotidiano de violência, feminicídio e preconceitos, enquanto lutam para sobreviver.

“Foi emocionante me ver nas câmeras. Interpretar eu mesma foi desafiador, foi como revisitar o meu passado. Principalmente na cena do presídio em que tive que voltar a aquele lugar, que já estive para cumprir pena. Fizemos esse trabalho com muita seriedade, foco, compartilhamos opiniões, foi uma grande loucura”, diz a atriz Deça Freitas, 47, umas das protagonistas da trama.

Carlinhos Periferia, no centro, com as atrizes protagonistas Gih (à esquerda) e Deça Freitas (à direita) @Suzana Leite/Agência Mural

Além do Capão Redondo e bairros vizinhos como Jardim São Bento, Cohab Adventista, Campo Limpo e Vila Nagibe, a produção também incluiu locações como a Penitenciária Feminina de Sant’Anna, Carandiru, o Aeroporto de Congonhas, o Horto do Ypê e a estação de metrô Capão Redondo da Linha Lilás.

“Composto por mais de 27 pessoas, esse filme mostra como a determinação e a união de duas amigas podem mudar as perspectivas de suas vidas e o desafio de sair da criminalidade em meio a dificuldades financeiras”, conta o diretor.

Para as protagonistas, o filme vai além de contar uma história de superação, ele é uma denúncia e a representação da luta de uma mulher contra diversas formas de violência.

“Cometi erros no passado, mas saí do crime, abandonei as ruas e voltei pra minha família. Hoje, eu sou filha, mãe e avó. Hoje, tenho tempo para minha família. Eles me deram força para continuar, por isso digo a todas para que nunca deixem de acreditar em vocês mesmas”, diz Deça, nome artístico de Deuceli Freitas do Carmo.

Carlinhos observa que, das 10 mulheres que gravaram o longa, apenas duas não haviam sofrido algum tipo de violência. Ele destaca que uma das cenas mais impactantes é quando uma delas é socorrida por uma enfermeira após sofrer abusos.

Corres e bastidores da produção

Essa é a primeira atuação diante das câmeras de muitos dos participantes. Todo o figurino do elenco e os equipamentos foram custeados pelo próprio diretor e pelos artistas, que apesar da falta de apoio ou patrocínio, apostaram na evolução da produção.

“A história começa a partir do plano da personagem principal de assaltar um centro comercial urbano, inicialmente ela seria apenas um videoclipe, mas com apoio dos meus amigos e incentivos de profissionais do audiovisual, decidi desenvolver em longa”, conta o diretor.

Público e elenco prestigiam estreia do Elas do Capão @Suzana Leite/Agência Mural

Totalmente independente, a produção enfrentou ainda os desafios da pandemia de Covid-19, com interrupções nas gravações e dúvidas sobre a continuidade do projeto. Carlinhos aproveitou o período para aprimorar a edição, o enquadramento e a iluminação, além de investir em equipamentos como um drone para captar algumas cenas e efeitos especiais.

O diretor relata que outra dificuldade na execução do projeto foi a técnica, pois o filme foi gravado de trás para frente, com a estrutura se desenvolvendo junto com a evolução do elenco, formado principalmente por pessoas fora do meio artístico. Para ele, editar e dirigir um longa também foi uma novidade.

“Fui um diretor sem saber como era. Aprendi fazendo, após ver um gigante do meio dirigir num estúdio um filme e pensar: ‘eu sei fazer isso!’. Me considero um autodidata e acredito no meu trabalho”, diz Carlinhos.

‘Claro que tem erros, sou iniciante. Mas a missão do filme é maior que tudo isso, é a minha quebrada, as dores daqui doem em mim’

Carlinhos Periferia, diretor do Elas no Capão

Do rap ao longa

O Elas do Capão é o primeiro longa de um currículo extenso de produções artísticas do Carlinhos Periferia, o Carlos Vitoriano de Souza ou Carlinhos Hollywood, como também é conhecido.

Fundador da produtora Iluminato Filmes, Carlinhos dirige o projeto TV nas Ruas, que promove o cenário do hip hop e seus elementos, conectando artistas e produções. Criado nas periferias de São Paulo, ele não concluiu seus estudos formais, mas conta ter encontrado no rap sua grande escola.

Carlinhos Periferia, diretor do Elas do Capão, promete sequência do filme @Suzana Leite/Agência Mural

De 1986 aos anos 2000, Carlinhos foi compositor e rapper. Em 2013, após ser impactado pela obra dos Racionais MC’s, com “Mil Faces de um Homem Leal (Marighella)”, e adquirir seu primeiro computador, decidiu focar exclusivamente no audiovisual. Fundou então sua produtora, a Iluminato Filmes, em homenagem ao seu pai, Iluminato Vitoriano de Souza, falecido quando Carlinhos tinha apenas 10 anos de idade.

“Fiquei uns 13 anos fora da cena do rap e disse que só voltaria para a cena de novo, se eu conseguisse ajudar alguém através do meu trabalho. O rap fala de revolução, mas às vezes a gente só tá falando mas não tá agindo. Criei o TV nas Ruas com esse intuito, mudar a vida das pessoas, fortalecendo pelo rap”, afirma.

A estreia no universo audiovisual foi com o videoclipe “O que é ser malandro Pra Vc? Periferia Ponto C, Feat. Kelly Neriah & Leandrão”, em 2018. Aprendendo na prática a arte da direção, inspirado por filmes nacionais e internacionais como “Cidade de Deus” e “Até às últimas consequências”, Carlinhos começou a esboçar mentalmente o roteiro de “Elas do Capão”.

‘A arte possibilita usar o nosso poder, nossa voz, para contar a nossa própria história, nossa dor e assim me permite mostrar o meu melhor, dei o meu melhor nesse filme’ 

O diretor ressalta que apesar da produção enfrentar desafios como chuvas, a pandemia da Covid-19, limitações financeiras e de agenda, resistiu graças à persistência e ao apoio coletivo.

“Tanto a formação do elenco, como a produção e o desenvolvimento do longa foram feitos de forma orgânica, sendo que todos os envolvidos são da periferia. Fiz questão de selecionar vizinhos, moradores e artistas das quebradas de São Paulo. O filme é uma forma de demonstrar que a minha quebrada tem voz”, conta o diretor.

Evento para o lançamento do filme fechou a rua Giuseppe Recco @Suzana Leite/Agência Mural

Para o lançamento do filme, no dia 31, foi organizado um evento com atrações na rua Giuseppe Recco, no Jardim São Bento Novo (antiga rua 19), onde Carlinhos cresceu. Shows, brinquedos montados para crianças, distribuição de ovos de Páscoa e de lanches fizeram parte da programação. O longa foi transmitido em um palco com estrutura de led e contou com a presença do elenco e da vizinhança em peso. 

“Moro aqui há 22 anos e achei a ideia super interessante trazer esse evento prá cá na Páscoa, até pelas crianças, trouxe a minha filha. Sobre o filme, fiquei emocionada de ver nossa história ali e tanta gente reunida, a rua lotada”, diz Renaly Santos, 31, moradora da rua Giuseppe.

Embora o filme tenha sido lançado para os moradores, a produtora ainda negocia a distribuição tanto em território nacional, como internacional. Emocionado com o resultado, Carlinhos adianta que uma nova produção independente está a caminho e promete uma continuação impactante para o Elas do Capão.

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Barbara Paula

Jornalista, comunicadora e modelo. Apaixonada por moda, poesia, fotografia, arte e cinema. Uma geminiana, humanista e ovolactovegetariana muito falante e risonha. Correspondente de Capão Redondo desde 2023.

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