Gabie Pereira / Divulgação
Por: Juliana Cristina de Paula
Notícia
Publicado em 06.05.2024 | 15:26 | Alterado em 06.05.2024 | 18:56
Você já parou para pensar sobre o significado por trás do nome da rua que você mora? A série documental “Quem é essa rua?”, foi idealizada a partir dessa pergunta. Produzida pelo coletivo artístico-cultural Alquimia P.A.M (Pensar Agir Mudar), o trabalho busca mostrar os significados dos nomes das ruas de diversas periferias da cidade de São Paulo.
Todo domingo o coletivo se reúne para visitar uma rua diferente. Produtores, videomakers e toda a equipe envolvida, passam o dia no local escolhido, construindo a narrativa do episódio e apresentando a história por trás do nome daquela rua.
A escolha das vias variam um pouco: às vezes são escolhidos espaços nos quais integrantes do coletivo reparam enquanto andam no dia a dia, outras vezes eles simplesmente pensam em personalidades sobre as quais gostariam de falar e fazem uma busca para saber se existe alguma rua com aquele nome.
Os critérios fundamentais para a escolha são que elas sejam localizadas em quebradas e que o nome tenha relevância social.
Diego Henrique Nunes, 30, cofundador do coletivo, ator e morador do Jardim Peri Alto, zona norte de São Paulo, comenta: “Cada rua é uma experiência nova. São situações diferentes, moradores diferentes. A gente conheceu praticamente todas as quebradas de São Paulo”.
Apesar das diferenças, eles também conseguem perceber muitas semelhanças entre as diferentes regiões periféricas de São Paulo.
“Além da arquitetura da sobrevivência, a receptividade das pessoas, mano; é raro a gente não ser recebido igual em todas as quebradas, isso é muito maneiro”, expressa Raul Carlos Gomes, 30, historiador e cofundador do coletivo, morador do bairro Jardim Elisa Maria, zona norte da capital paulista.
A série estreou em julho de 2023 e último episódio planejado para ser lançado em janeiro de 2025, a ideia é que a série traga conhecimento, cultura e gere identificação com o público. Além disso, os idealizadores pretendem fazer com que os conteúdos se tornem uma espécie de “registro histórico”.
‘Infelizmente a história é sucateada. Quando a gente tá gravando, até tem pessoas que conhecem quem foram os personagens, mas a grande maioria não tem a mínima noção. Às vezes não sabem nem que a rua tem aquele nome, sabe?’
Raul Carlos, cofundador do coletivo
Utilizando técnicas de lambe-lambe e grafite, durante o dia de gravação, os integrantes do Alquimia P.A.M realizam também uma intervenção artística relacionada ao nome da rua apresentada, com intuito de criar espaços de memória e lembrança nos lugares visitados.
Eles explicam que sempre começam gravando a cena na qual fazem a arte, pois desse jeito as pessoas parecem entender que eles estão fazendo uma coisa em prol da quebrada. “A gente vai ilustrar, é artista, então tudo o que quiser fazer depois, tá autorizado, sabe?”, comenta Raul.
Até o momento, o coletivo já falou sobre personalidades como Augusto César Sandino, Carolina Maria de Jesus, Carlos Lacerda, Carlos Marighella, Castro Alves, Chico Mendes, Clara Nunes, entre outros.
Marina Moraes, 29, técnica de som, produtora executiva, chefe de comunicação da série, e também moradora do Elisa Maria, compartilha que antes de gravar, nunca tinha ouvido falar, por exemplo, do Tupac Amaru [Último imperador inca, morto em 1572], que dá nome a uma via do bairro.
“Sempre gostei do rapper [Tupac Shakur], e não tem nada a ver [com esse nome da via]”. Marina refere-se a Tupac Shakur, rapper estadunidense, falecido em 1996.
A chefe de comunicação ressalta, ainda, a importância de estar descobrindo a história dessas personalidades e o impacto que elas tiveram na construção da sociedade atual. “Outra realidade que descobri participando da série é que é bem difícil achar rua com nome de mina [mulher]”, completa.
COMO NASCE UM NOME DE RUA EM SÃO PAULO
De acordo com o site Dicionário de Ruas, organizado pelo Núcleo de Memória Urbana do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, os nomes das ruas da cidade normalmente são definidos a partir de propostas de vereadores. Essas propostas, realizadas em forma de Projetos de Lei, passam por um longo processo até serem aprovadas pelo Poder Executivo Municipal.
Uma curiosidade é que, além dos vereadores, qualquer cidadão tem a possibilidade de fazer esse tipo de solicitação, desde que siga os parâmetros definidos e entregue os documentos necessários.
Na cidade de São Paulo as ruas podem ser nomeadas tanto em homenagem às pessoas, quanto “datas ou fatos históricos de notória e indiscutível relevância e nomes que envolvam: acontecimentos cívicos, culturais e desportivos; obras literárias, musicais, pictóricas [representação visual por meio de imagens, que pode ser feita de forma realista ou abstrata], esculturais e arquitetônicas consagradas; personagens do folclore; corpos celestes; topônimos [designação de um lugar, de uma região geográfica]; acidentes geográficos; espécimes da flora e da fauna”.
Todos os envolvidos na produção da série são pessoas que moram em periferias. O objetivo é que, além de poderem trabalhar com algo que gostam, a narrativa também seja criada sob o olhar periférico e traga a “estética real das periferias”, características que podem ser observadas em elementos como cenários, linguagem, roteiro e trilha sonora.
O coletivo também busca intercalar apresentadores e ter tradução simultânea para Libras (Língua Brasileira de Sinais) em cada episódio, na intenção constante de gerar identificação e pertencimento, além de mostrar o quanto “a quebrada é plural”.
Marina conta que o projeto tem proporcionado muitas coisas para eles, incluindo o desenvolvimento da criatividade e do trabalho em equipe. Além disso, todos concordam que a comunicação é uma característica em comum que o grupo têm aprimorado graças à série, e que isso ajuda a manter alinhadas as ideias ao propósito do que estão fazendo.
O projeto “Quem é essa rua?” foi selecionado por meio do edital de Fomento à Cultura da Periferia, financiado pela da Secretaria Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo. Com isso, o coletivo consegue remunerar os profissionais que contribuem com a produção da série.
O Alquimia P.A.M. (Pensar Agir Mudar) foi fundado em 2018 pelos amigos Raul Carlos Gomes, 30, educador em história, e Diego Henrique Nunes, 30, ator. Marina Moraes, 29, cozinheira, também esteve presente apoiando desde o início. Todos são moradores das periferias.
Na série, Raul coordena as ações, marketing, é videomaker, ilustrador, roteirista, designer e produtor executivo. Diego atua, roteiriza, faz direção de arte e produção executiva. Marina, por sua vez, cuida da produção executiva, além de ser técnica de som e chefe de comunicação.
O coletivo tem o objetivo de “difundir maneiras de concretizar desejos e transformar realidades de pessoas inseridas nas periferias e favelas”, com base em ações que façam com que trabalhem autonomia, autossuficiência, autoestima e valorização dos espaços onde vivem.
Além da série, atualmente o grupo trabalha na produção de outros conteúdos audiovisuais (todos relacionados às periferias), e atua em outras frentes, como moda têxtil, Comunicação Popular, Oficinas de Serigrafia e Artes Manuais, produção de zines com poesias e organização de uma Biblioteca de Pesquisas Científicas desenvolvidas por pessoas periféricas, que pode ser acessada gratuitamente via QR Code.
Todos os episódios da série “Quem é essa rua?” podem ser acessados através do canal no Youtube do Alquimia P.A.M.
Jornalista, pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura. Voluntária na ONG Conexão Favela. Amante de histórias e estórias, adora escrever, fotografar, ler, e assistir filmes e séries
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