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Agência de Jornalismo das periferias

Da fake news ao meme: como a política tem chegado para as juventudes periféricas

Léu Britto/Agência Mural

A Agência Mural conversou com os jovens da favela de Heliópolis para entender como as notícias falsas influenciam o engajamento político

Por: Isabela do Carmo

Notícia

Publicado em 01.10.2024 | 11:34 | Alterado em 01.10.2024 | 13:22

Jovem e periférico, Bruno de Holanda Felippe, 19, tem visto com preocupação a forma como as periferias têm sido usadas no discurso de alguns candidatos a prefeito este ano. Morador de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, ele sente que muitos abordam essas regiões sem ter uma conexão real.

“Eles [candidatos] divulgam um turbilhão de informações. [Quem não tem costume de pesquisar sobre política e eleições] acaba acreditando em qualquer coisa, sem distinguir o que é verdadeiro ou falso. Mesmo que a fake news seja evidente”, diz.

Para ele, que transita pelos becos e vielas da comunidade, muitas dessas falas, inclusive fake news, espalhadas por alguns candidatos, são uma estratégia política destinada a confundir os eleitores mais jovens, especialmente aqueles que estão prestes a vivenciar o primeiro ano eleitoral.

Stephany e Bruno vivem em Heliópolis @Léu Britto/Agência Mural

Notícias falsas, conteúdos tendenciosos e a banalização do debate político são fatores que afastam as juventudes periféricas do cenário eleitoral. É o que relatam jovens de Heliópolis, considerada a maior favela de São Paulo, na zona sul.

Nesta reportagem, a Agência Mural mostra como as juventudes das periferias têm se relacionado com as pautas de política e eleições, como são afetadas pela desinformação e o que pode ser feito para driblar esse problema nas eleições 2024.

Discurso só para gerar cortes

Bruno integra o Observatório de Olho na Quebrada. A organização se dedica a realizar pesquisas sobre a favela de Heliópolis e a região do “Fundão do Ipiranga”, que abrange os bairros Jardim São Savério, Jardim Maria Estela, Água Funda, Parque Bristol e Boqueirão.

Ele ressalta os riscos de abordar os debates políticos de forma leviana. Ele tem notado cada vez mais que as falas dos candidatos na TV reverberam em cortes que circulam nas redes sociais, frequentemente se desviando do conteúdo político e adotando um tom de entretenimento.

“Às vezes, a fala de um candidato cai em um tom de piada, aí a galera vai ouvindo e se distraindo com o que realmente importa. Isso é um perigo para a população, de um modo geral”, afirma.

Bruno avalia que um conteúdo absurdo acaba virando ‘meme’ e alcançando mais pessoas, esvaziando o debate político que tem por trás.

Bruno destaca que os debates e os conteúdos falsos desestimulam os jovens @Léu Britto/Agência Mural

O jovem morador de Heliópolis acompanhou de perto a última eleição, que trouxe novos governadores e um novo presidente para o Brasil. Segundo Bruno, os debates entre informações falsas e verdadeiras durante esse período ainda aparecem em 2024.

‘A galera já não é muito chegada nessa parada de política, aí quando aparecem algumas mentiras e debates acalorados, acaba desestimulando as pessoas ainda mais jovens’

Bruno, do Observatório de Olho na Quebrada

Dentro de casa, Bruno observa de perto um adolescente que demonstra desinteresse pela política. Para ele, essa é uma tendência crescente entre as novas gerações, um problema que merece atenção e reflexão.

“Meu irmão mais novo, de 17 anos, ele simplesmente não quer se envolver nisso [de assuntos políticos]. Mas essa neutralidade me preocupa um pouco. Porque, pelo menos no meu conhecimento, não existe essa parada de neutralidade.”

Amanda Francisca ressalta a importância de ter candidatos jovens nas eleições @Arquivo pessoal/Divulgação

Essa percepção não é incomum. “A juventude, inclusive eu às vezes, tende a não se interessar por política”, afirma Amanda Francisca Silva, 22, oficineira no projeto Raízes Sustentáveis em Heliópolis.

Ela explica que a falta de representatividade e promessas em vão por parte dos candidatos, são fatores que a desestimulam a se engajar nas pautas eleitorais.

‘Os candidatos fazem muitas promessas, mas raramente as cumprem. Além disso, a maioria dos políticos são mais velhos e pouco se parecem conosco’

Amanda Francisca Silva, oficineira

A Agência Mural mostrou que apenas 17% das candidaturas para prefeito são de mulheres na Grande SP e 34% para a Câmara. A mesma coisa é vista com relação a candidatos negros, sendo apenas 2 a cada 10 para prefeito. Dos mais 1.000 candidatos a vereador em São Paulo, apenas 58 têm até 30 anos.

“Como resultado, muitos jovens encaram a política como uma prova de múltipla escolha que você não estudou, escolhendo e votando em um candidato de última hora”, desabafa.

Levando na brincadeira

Estudante de gestão pública, integrante da equipe de juventude do PT e da UNAS Heliópolis, Stephany de Novais Rocha, 19, diz que quando se depara como uma fake news, logo vai em busca de mais informações que comprovem a veracidade.

No entanto, ela reflete que não são todas as pessoas que fazem isso, sobretudo a galera mais nova.

“Tenho visto algo muito surreal, que é o fenômeno de outras juventudes estarem levando assuntos políticos na brincadeira, isso me preocupa. Acho que é um risco para a galera mais ‘novinha’ que não é tão politizada assim. Porque, de certa forma, eles acabam sendo influenciados”, conta.

Stephany participou de um projeto Bora votar na quebrada, na eleição de 2022 @Léu Britto/Agência Mural

Como exemplo disso, foi criado um jogo no TikTok em que os usuários assumem a responsabilidade de ajudar o candidato à prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB), a escapar da cadeirada do também candidato Datena (PSDB). A “brincadeira” já foi aderida por mais de 19,8 mil usuários.

O desafio “lúdico” foi inspirado em um acontecimento real: durante um debate na TV Cultura, realizado em 15/9, o ex-apresentador do programa Brasil Urgente, Datena, atingiu Marçal com uma cadeira.

Em 2022, durante o último período eleitoral, Stephany participou do projeto “Bora Votar Quebrada”, criado pela UNAS Heliópolis. Na ocasião, ela ajudou a comunidade a obter e regularizar os títulos eleitorais, além de orientar os jovens sobre o universo político.

Stephany, que mantém um diálogo constante com a juventude de Heliópolis, explica como aborda com essa população a importância das eleições e das pautas de direitos humanos.

“Digo para ficarem bem atentos às propostas e ver quais candidatos têm o potencial de gerar algum tipo de política pública para a comunidade.”

Apesar disso, a estudante de gestão pública se preocupa com políticos que usufruem da cultura popular apenas para crescerem entre a população.

‘Meu maior receio, como jovem da periferia, é que as pessoas que consomem funk sejam influenciadas por políticos que se apropriam de elementos do rap e do funk apenas para ganhar votos, sem realmente se conectarem com a ideologia sociocultural dessas expressões’

Stephany de Novais Rocha, estudante

Como ajudar outras juventudes a desmentir fake news?

Bruno e Stephany, que trabalham diretamente em projetos voltados para a juventude de Heliópolis, implementaram diversas estratégias para informar os jovens da comunidade, a respeito das notícias eleitorais.

“Eu indico ver várias fontes, pois quanto mais, melhor. Também falo [para os mais jovens] procurar veículos de imprensa especializados e de confiança”, explica Bruno. “Me informo em mais de um site. Depois eu repasso as informações e proponho debates com a galera sobre as notícias que saem”, pontua Stephany.

Para Cássia Caneco, diretora executiva do Instituto Pólis, uma forma de melhorar o acesso à informação política e eleitoral para jovens moradores de áreas periféricas e grupos marginalizados é aproximar a sociedade desse público e fomentar um debate político em torno da comunidade.

Cassia Caneco, diz que é necessário fomentar o debate político nas comunidades @Thaiane Barbosa/Instituto Pólis

“Uma das maneiras é usar a estratégia de mobilização em rede, produzindo campanhas e conteúdos educativos para esse público. Tentando fazer com que essas temáticas sejam mais palatáveis e melhor compreendidas, tanto em didática quanto em linguagem”, pontua.

Além disso, a especialista estabelece como tópico primordial valorizar as manifestações culturais e de identidade periférica, uma vez que essa ação pode ser uma ponte de diálogo e conexão com as juventudes das quebradas.

“Organizar eventos em espaços acessíveis para esse público, para que se abordem temas da atualidade, como as questões climáticas, violência policial e empregabilidade e política, por exemplo, é uma das formas de chamar essas pessoas para o debate [de assuntos ligados ao direito à cidade e participação eleitoral.”

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Isabela do Carmo

Graduanda em jornalismo pela UAM, com bolsa integral pelo ProUni. Atua na produção de reportagens com foco em diversidade e inclusão, cidadania e direito à cidade. É correspondente do Heliópolis desde 2023.

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