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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Jacqueline Maria da Silva

Notícia

Publicado em 14.10.2024 | 16:57 | Alterado em 16.10.2024 | 10:35

Tempo de leitura: 2 min(s)

Amaro, Olívia e Nina. Três irmãos, atualmente com 12 e 13 anos, dois deles gêmeos, em Diadema, na Grande São Paulo. Os três são protagonistas de um caso que acende sinal de alerta quando o assunto é garantia de direitos das crianças e dos adolescentes: após serem conduzidos para um abrigo por negligência familiar, foram internados em unidades do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) não preparadas para acolhidas de longa permanência de crianças e passaram meses dormindo em um consultório médico, sem ir para a escola e sem informações precisas sobre seu diagnóstico.

Um episódio fora da curva quando se fala em saúde mental de crianças e adolescentes, mas que preocupa. O caso abre precedentes para que outras meninas e meninos das periferias passem pela mesma situação? A resposta dos especialistas ouvidos pela Mural é unânime: sim.

Segundo a Portaria nº 834 de 2012, do Ministério da Saúde, última publicada, o acolhimento noturno de paciente em Centro de Atenção Psicossocial não deve exceder o máximo de 14 dias.

Diante de casos mais complexos, é papel da rede de saúde, educação, assistência social e Justiça traçar estratégias para reintegração das crianças à família – mesmo que isso demande condutas complexas e articuladas.

“A maioria dos CAPS está concentrada em regiões periféricas, mas isso não significa que as crianças estão acessando um serviço de qualidade. As famílias não identificam demandas em casa, como alcoolismo, dependência química, ansiedade e depressão, que acabam resvalando nas crianças que convivem no ambiente”, pontua o psiquiatra da infância e adolescência Marcelo Marui Biondo, que trabalha em um CAPS II da zona leste de São Paulo.

“A partir do momento que a saúde aceita a internação de crianças em ambientes não preparados para isso cria-se um risco muito grande. Segue o pensamento: se deu certo com ele, pode dar com outro”, diz a assistente social Daniela Cecilia Silva, que trabalha em dois CAPS Infantojuvenis II e III da capital paulista.

Marcelo, Daniela e outros especialistas ouvidos pela Mural criticam a conduta do caso, mas reconhecem a tentativa do CAPS Infantojuvenil em manter os irmãos no município, já que uma institucionalização em um hospital psiquiátrico, sobretudo longe da família, poderia ter impactos maiores na vida das crianças.

Crianças podem passar a noite apenas no CAPS infantojuvenil III, não disponível em Diadema. A internação de menores de 18 anos em CAPS Adulto não é prevista em lei. Em geral, a permanência de qualquer paciente no CAPS não deve ultrapassar 30 dias, apenas para estabilização do quadro.

Ainda assim a conduta foi considerada arbitrária e criticável, por alguns aspectos:

1. CAPS não é ambulatório, hospital psiquiátrico nem dormitório

“Em um ambulatório médico convencional, eu vou para o atendimento direcionado com especialista. No CAPS, vamos construir junto com a família e com o usuário o chamado Projeto Terapêutico Singular˜, diz a assistente social Daniela Cecília Silva.

Ela reforça que os CAPS oferecem grupos terapêuticos, atendimentos domiciliares, individuais e à família, fóruns e outros espaços de articulação. Os serviços que cumprem o papel de rede de apoio da família”.

2. Internação é sempre uma medida excepcional

“A internação é sempre a última ação a ser tomada em qualquer situação”. É o que pontua Ariel de Castro Alves, membro da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB de São Paulo e do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Isso porque ela interfere em outros direitos básicos, como acesso à educação e lazer e o convívio com a família e sociedade, previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

A internação psiquiátrica, em geral, ocorre quando o paciente manifesta sintomas psicóticos graves, sem melhora e com necessidade de contenção e medicação hospitalar.

3. Internação deve ter tempo previsto e local adequado

“O tempo médio de internação [em CAPS] é de 15 a 30 dias, porque queremos que a criança frequente escola e outras atividades”, diz o psiquiatra Marcelo Marui Biondo sobre os impactos da internação na vida das crianças. “Um tempo prolongado é fora do ideal”.

Ele também chama atenção para o problema da permanência de uma criança no CAPS adulto. “É um serviço preparado para outro público, expondo o adolescente a risco de violência”, diz. “O CAPS não é moradia, e uma internação pode atrasar o retorno da criança para um abrigo”.

Ariel reforça que o ECA e a chamada Lei da Saúde Mental definem que é um direito que o local de tratamento e internação seja adequado para as necessidades da criança e adolescente, garantindo lazer, cultura, esporte e escolarização. E reforça que todo tratamento deve visar benefícios à saúde, recuperação e inserção na família e comunidade.

* Para denunciar casos de violação de direitos, procure a Defensoria Pública do seu município ou acesse Disque Denúncia 100, de forma anônima.

Linha do tempo

Artes: Magno Borges/ Agência Mural

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Jacqueline Maria da Silva

Repórter da Agência Mural desde 2023 e da rede Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project. Vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.

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