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Agência de Jornalismo das periferias

Magno Borges/Agência Mural

Por: Paulo Talarico

Crônica

Publicado em 18.08.2025 | 15:53 | Alterado em 18.08.2025 | 15:53

Tempo de leitura: 2 min(s)

Quando entrei, o vagão estava estranhamente silencioso. As poucas conversas que havia eram quase sussurradas. Poderia ser só o acaso, mas a presença vigilante de três seguranças naquela composição me fez pensar o contrário.

O silêncio representava a tensão. Aquela parecia uma grande operação.

Era impossível que eles passassem despercebidos, já que assim que o trem parou para o embarque eles estavam na porta.

Olhando.

Fixamente, olhavam. Vigiavam. Pareciam analisar cada movimento, cada passo de quem entrava.

Um deles com uma cruz tatuada no pescoço e um olhar vidrado facilmente intimidava esse inimigo invisível.

O som do rádio toca no bolso de outro, o barulho da estática. Não era apenas aquele vagão alvo desta grande mega operação das 11h da manhã em Carapicuíba, na Grande São Paulo.

O trem para na estação seguinte e eles se movem rápido. Vão à porta e olham, procuram. Esperam por um movimento diferente entre os vagões. O que será que aconteceria se alguém trocasse de vagão naquele instante? Seria parado como suspeito? Preso em flagrante?

Ninguém tenta.

Enquanto isso, os trens não avançam enquanto ninguém aparece. A sensação é que vão avisar: não vamos sair enquanto você não aparecer. Mas quem seria esse inimigo invisível?

Venda de produtos em vagões é rotina e fonte de renda para marreteiros @Magno Borges/Agência Mural

Esse “inimigo invisível” são os ambulantes, e esse tipo de ação não costuma ser incomum para quem usa os trens da ViaMobilidade ou da CPTM. Talvez não aconteça com essa articulação tão grande diariamente, mas há momentos mais críticos.

Há alguns trens escolhidos a dedo para tentar pegar o material dessa galera que vende produtos, como amendoim, água, doces, castanhas de caju, máquinas de cortar cabelo, tira manchas, cortadores de laranja e, em tempos de crise, até café.

Nos últimos anos, mais de 45 mil apreensões foram registradas, indica levantamento da Agência Mural. A linha Diamante, onde estava, é a líder desse tipo de repressão.

Justamente, naquele dia, cai num momento decisivo para os fiscais que têm o grande objetivo de impedir que o amendoim chegue, que o fone de ouvido seja ouvido ou que o macarrão instantâneo seja consumido.

A justificativa é sempre por não saberem de onde vem a mercadoria, qual a procedência, quais os riscos no produto, como se os grandes esquemas criminosos estivessem ali

Na prática, em grande parte, são pessoas que só tem esse momento para conseguir algum tipo de dinheiro e sobre viver. Ou o único lugar para juntar dinheiro e tentar mudar de ramo.

Essas operações, ou o famoso “rapa” viraram até estratégia de venda. Quando o marreteiro faz aquela promoção relâmpago pra não “perder a mercadoria”. O preço cai pela metade. E depois da venda, você nem percebe se havia alguém.

Mas naquele dia havia. Sábios ou atentos, os marreteiros já não estavam naquele trem. A grande operação não pegou ninguém.

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Paulo Talarico

Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.

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